segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Texto 8: A Subversão Pelo Riso - História do Rio de Janeiro (P2)




Texto da Rachel Soihet. Abração, povo!


2 =>  RELAÇÃO ENTRE AS AUTORIDADES DO SAMBA E O ESTADO NOVO (A Subversão pelo Riso, Texto 8)
   A organização das Escolas de Samba no início do século passado é o mais significativo exemplo de como manifestações de cunho popular conquistaram o seu espaço, sobrepondo-se às determinações dos estratos elitistas duma sociedade a partir da negociação com o Estado e suas vertentes sociais. Diferentes versões historiográficas(4) induzem ao raciocínio de que esta organização só acontecera por conta de um ‘beneplácito’ das esferas superiores, uma ‘tolerância’ que trocava vantagens (para os sambistas) por votos (para o poder). Acompanhando, porém,  os estudos da historiadora Rachel Soihet, percebemos que os segmentos populares que por tanto tempo estiveram condenados à segregação, garantiram, por meio de sua cultura, a legitimação de uma identidade própria, promovendo sua participação na vida pública da cidade.
      Todos os esforços para estigmatizar a cultura e os valores populares desde o início da Primeira República por parte do segmento social dominante foram inúteis; os populares engendraram as mais diversas formas de resistência para fazer frente à opressão e à intolerância. E não só resistiram como também se difundiram e se entrelaçaram com a cultura dominante, dando lugar à circularidade cultural.
     Mas, até que ocorresse tal circularidade, os expedientes para a resistência contra a intolerância eram diversos. Uma concentração maior de população pobre nos morros e nas áreas suburbanas em fins da década de 20 encorpara o processo de predomínio da cultura popular no Carnaval, consolidado com o advento das Escolas de Samba, nesta mesma década. Desta população é que vieram os componentes das agremiações. Pessoas que trabalhavam como fiandeiras, tecelões, carpinteiros, empalhadores, lustradores, pintores e pedreiros. Haviam também, os “malandros”, pessoas que não se vinculavam formalmente ao mercado de trabalho. Afinal, a música e a composição não eram considerados como trabalho, e ainda atraía a desconfiança policial.
     Algumas residências dos componentes tornaram-se pontos de encontro por qualquer motivação artística ou religiosa: manifestações religiosas e profanas se associavam constantemente. Muitos desses ‘festeiros’ eram líderes de cultos afro-brasileiros. O próprio local dos ensaios chamava-se terreiro, termo idêntico ao das cerimônias de candomblé.  Monarco, da Velha Guarda da Portela, lembrava da crença na proteção dada ao samba por esse culto, e o fato de ambos serem vítimas da repressão policial.

    A ascensão de Getúlio Vargas ao poder (1930) significa uma quebra no poder das oligarquias cafeeiras no país e, no Distrito Federal, o rompimento com um modelo de civilidade burguesa, de discursos ufanistas mas mentalidades europeizantes, onde manifestações de cunho popular eram tachadas como barbarismo e atraso. Vargas, dissidente das elites após derrota em pleito e gaúcho por substância num Rio de Janeiro desconhecido, valera-se da música popular e das agremiações carnavalescas como veículo para a integração dos populares ao seu projeto de construção da nacionalidade. Paralelamente, toma vulto o esforço de líderes populares para afirmar sua participação no sistema, garantindo a presença reconhecida de suas manifestações nas ruas da cidade. Paulo da Portela(5) ilustra essa tendência, preocupando-se em desfazer a imagem de marginal do sambista e vislumbrando a possibilidade em dar a essa atividade recreativa uma verve profissional, insistia que todos, na apresentação da Portela, estivessem vestidos com a roupa da escola e se comportassem muito bem, a fim de demonstrar que eram adeptos da lei e da ordem, “...todos de gravata e sapato, impondo a arte e cultura de nossa raça, respeitando e fazendo respeitar as leis, cultivando a união e afastando-se da violência...” Dessa coincidência de interesses resulta o predomínio popular no Carnaval. O carnaval da Praça Onze, até então abominado e visto como reduto de marginais, passa a merecer espaço nos jornais. E ocorre uma articulação entre as elites e a massa da população, até então divorciadas, patrocinada pelos novos detentores do poder e perseguida com tenaz habilidade pelos antigos perseguidos.

(4) Maria Isaura Pereira de Queiroz versus Rachel Soihet: “dominados pela elite, que aceita a sua participação em troca de voto”, “construção da nacionalidade”.
(5) O caso de Paulo da Portela, página 145 da apostila 8 – A Subversão Pelo Riso, Rachel Soihet    





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