segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Texto 6 de História do Rio de Janeiro: A Representação Ideológica do Espaço


Primeiro texto da prova de amanhã, resumido: urge acompanhar-se da apostila para esclarecimentos. Vamos que vamos, historiadores!


1 => REPRESENTAÇÃO IDEOLÓGICA DO ESPAÇO (O Rio de Janeiro do século XIX, Texto 6)
     A primeira metade do século XIX testemunha o início de mudanças no espaço ideológico da capital do império. Cidade de cunho colonial e escravista, a população indistintamente espremia-se à época no que hoje chamamos de Zona Portuária e Centro: as freguesias da Candelária, São José, Santa Rita, Sacramento e Santana possuíam  desde então, sensíveis divisões sociais: na Candelária e São José, os sobrados das estreitas ruas abrigavam elementos da elite reinante (que por vezes escapavam para as chácaras nas regiões das atuais Glória e Catete), enquanto as demais classes, por reduzido poder de mobilidade, aglomeravam-se nas freguesias de Santana e Santa Rita – atuais Bairro da Saúde e Gamboa. Por conta da gradual ocupação do Arraial de São Cristóvão pelos mais abastados, graças ao aterro em parte do Saco de São Diogo, o acesso ficou melhor para esses grupos e, com a implantação do primeiro serviço de ‘gôndolas’ (ônibus de tração animal) em 1838, outras freguesias foram servidas e ocupadas – Lapa, Botafogo. Trabalhadores livres e escravos de ganho, com pouco ou nenhum poder de mobilidade, ainda abrigavam moradias no Centro, próximos aos locais de trabalho. 
      A partir de 1850, com a decisão da Câmara de intensificar os trabalhos de aterro do Saco de São Diogo e a construção de um canal de escoamento a partir da região da (ainda hoje) Cidade Nova, a ocupação de novos terrenos com o retalhamento das fazendas locais  e a criação de nova freguesia (Estácio) iniciou o espraiar da cidade para oeste, enquanto as antigas chácaras de fim-de-semana da aristocracia em Botafogo, Catete e Glória foram se transformando em residência fixa da mesma; e de tal forma foi a fixação que em 1843 inaugurara-se uma linha de barcos a vapor ligando o local ao Centro. A elitização da Zona Sul iniciava-se, a pleno vapor: Noronha Santos¹ , em seus registros sobre o transporte no local, revela o dinamismo atingido pelo bairro de Botafogo, a ponto de atrair comerciantes portugueses para áreas do bairro menos valorizadas a fim de expandir seus negócios. No Centro, graças a investimentos do governo e de capitais estrangeiros, o aspecto das freguesias mudava sensivelmente, ajudando as atividades produtivas com as melhorias urbanísticas; calçamentos com paralelepípedos, iluminação à gás, esgotos sanitários ( o Rio passou a ser a quinta cidade do mundo servida por esse serviço) , o anacronismo da época residia na população que habitava os logradouros; a população mais miserável da cidade ainda se espalhava pelo local. Os cortiços disseminavam-se pela periferia do núcleo financeiro da capital; eram estes, habitações coletivas insalubres onde epidemias diversas – notadamente a febre amarela – grassavam frequentemente.
     O espaço ideológico carioca obteve contornos mais fortes a partir de 1858 (um marco para as definições sócio-geográficas da cidade) com o advento da malhas viárias: neste ano ocorrera a inauguração da Estrada de Ferro Dom Pedro II (Central do Brasil), importante para a ocupação acelerada das freguesias suburbanas. Dez anos depois, a implantação das linhas de bondes de burro facilitou  ainda mais a expansão citadina para a Zona Sul.  Ferreira dos Santos ² fora preciso sobre o papel desempenhado por trens e bondes no desenho da dicotomia núcleo-periferia, quando relata que “...o bonde fez a Zona Sul porque as razões de ocupação seletiva da área já eram ‘realidade’...Já o trem veio responder a uma necessidade de localização de pessoas de baixa renda e de atividades menos nobres, como, por exemplo, a indústria”. A pesada especulação imobiliária nas áreas servidas pelos bondes teve o capital nacional proveniente da aristocracia cafeeira como guia; o capital estrangeiro não só veio a reboque das linhas de bonde como também fora responsável pela provisão de infra-estrutura urbana, além de fomentar a incipiente expansão ferroviária para as freguesias suburbanas.
     Ao contrário dos bondes, que penetraram em áreas que já vinham sendo urbanizadas ou retalhadas em chácaras desde a primeira metade do século, os trens (pode-se dizer que) transformaram freguesias que, até então, eram ruralizadas. O processo de ocupação dos subúrbios tomou, a princípio, uma forma linear, localizando-se as casas ao longo da ferrovia e, com maior concentração,  em torno das estações. Gradativamente, ruas secundárias (perpendiculares à via férrea) foram sendo abertas pelos proprietários de terras ou por pequenas companhias loteadoras, iniciando a um processo de crescimento radial; em lugares como Cascadura, pequenas olarias curtumes ou núcleos rurais transformaram-se em pequenos vilarejos e a atrair pessoas em busca de uma moradia barata, resultando numa considerável elevação da demanda por transporte, aumentando assim o número de composições e de estações. Até 1890, foi tamanha a demanda, que surgiram as estações de Engenho de Dentro, Piedade, Rocha, Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier, Mangueira, Encantado e, por último, Madureira.
    A modificação da infra-estrutura urbana mudava realidades de décadas. Grande rival de Botafogo como área residencial das classes abastadas, São Cristóvão beneficiava-se, na segunda metade do século XIX de vantagens que a estância balneária não possuía, como melhores fornecimentos de água e esgoto, além do status de morada da família imperial; mas, a medida em que a aristocracia nacional e estrangeira ocupava espaços botafoguenses e o Centro era procurado para o estabelecimento de indústrias próximas ao eixo ferroviário (escoamento de produtos do porto para o mercado), a importância de São Cristóvão para a elite diminuía. Seu nadir fora a difusão definitiva da ideologia que associava o estilo de vida “moderno à localização à beira-mar.
     Contrapondo-se às transformações rápidas ocorridas sob a égide do capital privado e do estado em áreas praticamente desabitadas da cidade, a forma urbana das freguesias centrais pouco se modificara, apesar da industrialização e das novidades viárias: a força de trabalho, baseada em escravos, libertos e trabalhadores pobres ocupavam inúmeros e insalubres cortiços da área. Manufaturas, casas comerciais, trapiches e estaleiros, além da imensa gama de empregos sem lugar fixo ocupavam toda a área central da cidade. A proliferação dos cortiços já preocupava as autoridades públicas, que os combatiam através de um discurso sanitarista³ . Em 1893, o então prefeito Barata Ribeiro empreendera verdadeira guerra aos cortiços, dentre os quais o célebre “Cabeça de Porco”, para cuja destruição fora necessário planejar todo um esquema policial-militar. Começava aí um processo de intervenção direta do estado sobre a área central da cidade, que viria a se intensificar sobremaneira a partir do início do século XX, e que seria responsável pelo aumento da estratificação social do espaço carioca.  
  

      
       
¹ NORONHA SANTOS, Francisco Agenor. Meios de Transporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typographia do Jornal do Commercio, 1934 vol 1, p.262
² SANTOS, Carlos Nélson Ferreira dos. Transportes de Massa – Condicionadores ou Condicionados? Revista da Administração Municipal, 24 (144), setembro/outubro, 1977, p. 25
³ Página 50 da apostila 6 desta matéria, segundo parágrafo em itálico – Pareceres sobre os meios de melhorar as condições das Habitações Destinadas às Classes Pobres. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886. Conselho Superior de Saúde Pública.

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