Primeiro texto da prova de amanhã, resumido: urge acompanhar-se da apostila para esclarecimentos. Vamos que vamos, historiadores!
1 => REPRESENTAÇÃO
IDEOLÓGICA DO ESPAÇO (O Rio de Janeiro do século XIX, Texto 6)
A primeira metade do século XIX testemunha
o início de mudanças no espaço ideológico da capital do império. Cidade de
cunho colonial e escravista, a população indistintamente espremia-se à época no
que hoje chamamos de Zona Portuária e Centro: as freguesias da Candelária, São
José, Santa Rita, Sacramento e Santana possuíam
desde então, sensíveis divisões sociais: na Candelária e São José, os
sobrados das estreitas ruas abrigavam elementos da elite reinante (que por
vezes escapavam para as chácaras nas regiões das atuais Glória e Catete),
enquanto as demais classes, por reduzido poder de mobilidade, aglomeravam-se
nas freguesias de Santana e Santa Rita – atuais Bairro da Saúde e Gamboa. Por
conta da gradual ocupação do Arraial de São Cristóvão pelos mais abastados,
graças ao aterro em parte do Saco de São Diogo, o acesso ficou melhor para
esses grupos e, com a implantação do primeiro serviço de ‘gôndolas’ (ônibus de
tração animal) em 1838, outras freguesias foram servidas e ocupadas – Lapa,
Botafogo. Trabalhadores livres e escravos de ganho, com pouco ou nenhum poder
de mobilidade, ainda abrigavam moradias no Centro, próximos aos locais de
trabalho.
A partir de 1850,
com a decisão da Câmara de intensificar os trabalhos de aterro do Saco de São
Diogo e a construção de um canal de escoamento a partir da região da (ainda
hoje) Cidade Nova, a ocupação de novos terrenos com o retalhamento das fazendas
locais e a criação de nova freguesia
(Estácio) iniciou o espraiar da cidade para oeste, enquanto as antigas chácaras
de fim-de-semana da aristocracia em Botafogo, Catete e Glória foram se
transformando em residência fixa da mesma; e de tal forma foi a fixação que em
1843 inaugurara-se uma linha de barcos a vapor ligando o local ao Centro. A
elitização da Zona Sul iniciava-se, a pleno vapor: Noronha Santos¹ , em seus
registros sobre o transporte no local, revela o dinamismo atingido pelo bairro
de Botafogo, a ponto de atrair comerciantes portugueses para áreas do bairro
menos valorizadas a fim de expandir seus negócios. No Centro, graças a investimentos
do governo e de capitais estrangeiros, o aspecto das freguesias mudava
sensivelmente, ajudando as atividades produtivas com as melhorias urbanísticas;
calçamentos com paralelepípedos, iluminação à gás, esgotos sanitários ( o Rio
passou a ser a quinta cidade do mundo servida por esse serviço) , o anacronismo
da época residia na população que habitava os logradouros; a população mais
miserável da cidade ainda se espalhava pelo local. Os cortiços disseminavam-se
pela periferia do núcleo financeiro da capital; eram estes, habitações
coletivas insalubres onde epidemias diversas – notadamente a febre amarela –
grassavam frequentemente.
O espaço ideológico
carioca obteve contornos mais fortes a partir de 1858 (um marco para as definições
sócio-geográficas da cidade) com o advento da malhas viárias: neste ano
ocorrera a inauguração da Estrada de Ferro Dom Pedro II (Central do Brasil),
importante para a ocupação acelerada das freguesias suburbanas. Dez anos
depois, a implantação das linhas de bondes de burro facilitou ainda mais a expansão citadina para a Zona
Sul. Ferreira dos Santos ² fora preciso sobre o
papel desempenhado por trens e bondes no desenho da dicotomia núcleo-periferia,
quando relata que “...o bonde fez a Zona
Sul porque as razões de ocupação seletiva da área já eram ‘realidade’...Já o
trem veio responder a uma necessidade de localização de pessoas de baixa renda
e de atividades menos nobres, como, por exemplo, a indústria”. A pesada
especulação imobiliária nas áreas servidas pelos bondes teve o capital nacional
proveniente da aristocracia cafeeira como guia; o capital estrangeiro não só
veio a reboque das linhas de bonde como também fora responsável pela provisão
de infra-estrutura urbana, além de fomentar a incipiente expansão ferroviária
para as freguesias suburbanas.
Ao contrário
dos bondes, que penetraram em áreas que já vinham sendo urbanizadas ou
retalhadas em chácaras desde a primeira metade do século, os trens (pode-se
dizer que) transformaram freguesias que, até então, eram ruralizadas. O
processo de ocupação dos subúrbios tomou, a princípio, uma forma linear,
localizando-se as casas ao longo da ferrovia e, com maior concentração, em torno das estações. Gradativamente, ruas
secundárias (perpendiculares à via férrea) foram sendo abertas pelos proprietários
de terras ou por pequenas companhias loteadoras, iniciando a um processo de
crescimento radial; em lugares como Cascadura, pequenas olarias curtumes ou núcleos
rurais transformaram-se em pequenos vilarejos e a atrair pessoas em busca de uma moradia barata, resultando numa
considerável elevação da demanda por transporte, aumentando assim o número de
composições e de estações. Até 1890, foi tamanha a demanda, que surgiram as
estações de Engenho de Dentro, Piedade, Rocha, Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier,
Mangueira, Encantado e, por último, Madureira.
A modificação
da infra-estrutura urbana mudava realidades de décadas. Grande rival de
Botafogo como área residencial das classes abastadas, São Cristóvão beneficiava-se,
na segunda metade do século XIX de vantagens que a estância balneária não possuía,
como melhores fornecimentos de água e esgoto, além do status de morada da família
imperial; mas, a medida em que a aristocracia nacional e estrangeira ocupava
espaços botafoguenses e o Centro era procurado para o estabelecimento de indústrias
próximas ao eixo ferroviário (escoamento de produtos do porto para o mercado),
a importância de São Cristóvão para a elite diminuía. Seu nadir fora a difusão
definitiva da ideologia que associava o estilo de vida “moderno à localização à
beira-mar.
Contrapondo-se
às transformações rápidas ocorridas sob a égide do capital privado e do estado
em áreas praticamente desabitadas da cidade, a forma urbana das freguesias
centrais pouco se modificara, apesar da industrialização e das novidades viárias:
a força de trabalho, baseada em escravos, libertos e trabalhadores pobres
ocupavam inúmeros e insalubres cortiços da área. Manufaturas, casas comerciais,
trapiches e estaleiros, além da imensa gama de empregos sem lugar fixo ocupavam
toda a área central da cidade. A proliferação dos cortiços já preocupava as
autoridades públicas, que os combatiam através de um discurso sanitarista³ . Em 1893,
o então prefeito Barata Ribeiro empreendera verdadeira guerra aos cortiços,
dentre os quais o célebre “Cabeça de Porco”, para cuja destruição fora necessário
planejar todo um esquema policial-militar. Começava aí um processo de intervenção
direta do estado sobre a área central da cidade, que viria a se intensificar
sobremaneira a partir do início do século XX, e que seria responsável pelo
aumento da estratificação social do espaço carioca.
¹ NORONHA SANTOS, Francisco Agenor. Meios de
Transporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typographia do Jornal do
Commercio, 1934 vol 1, p.262
² SANTOS, Carlos Nélson Ferreira dos. Transportes de
Massa – Condicionadores ou Condicionados? Revista da Administração Municipal,
24 (144), setembro/outubro, 1977, p. 25
³ Página 50 da apostila 6 desta matéria, segundo parágrafo
em itálico – Pareceres sobre os meios de
melhorar as condições das Habitações Destinadas às Classes Pobres. Rio de
Janeiro, Imprensa Nacional, 1886. Conselho Superior de Saúde Pública.
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