terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Café e a Escravidão - Pujança do Vale do Paraíba no início do século XIX (História do Rio de Janeiro)





Primeira parte da apostila do Rodrigo Amaral, diluída para compreensão. Faz-se necessário o uso paralelo da apostila do curso. Abração!


INÍCIO DA PLANTAÇÃO DE CAFÉ NO RIO DE JANEIRO =>  Pouco mais que uma curiosidade na Europa seiscentista, o café já era consumido na Corte de França com esse fito, e há registro de cafés públicos em Paris no início do século XVII. Ao longo do século XVII, a marcha do café no Caribe esticara-se para o norte do Brasil, tendo o tenente Francisco Palheta iniciando o cultivo em terras do Pará. No Rio, há evidências de plantio a partir do Convento dos Barbudinhos (sito na Rua Evaristo da Veiga) em São Cristóvão, Mendanha, São Gonçalo e Resende.Dom João VI concedera sesmarias para o cultivo de café até mesmo na região de Juiz de Fora. Por volta de 1784, é o Haiti quem responde por mais de 50% da produção mundial da rubiácea, mas as guerras napoleônicas e a independência deste país em 1791 desorganizaram a produção caribenha, no instante em que ocorre um interesse do mercado norteamericano, e já se contabiliza uma significativa  evolução na exportação do produto entre 1796 e 1808. No início do século XIX, o café, como atividade econômica central, nascera no interior da cidade do Rio de Janeiro; a Floresta da Tijuca fora o foco de inúmeras pequenas plantações, e mesmo em quintais da cidade a cultura difundira-se com vigor. Tal foi a evolução que, com o advento do Império em 1822, os ramos de café ornaram o brasão do Estado Brasileiro ao lado do fumo na constituição de suas armas.
      A produção do café é trabalhosa ainda hoje, e, naquele período, as condições eram singulares no Rio de Janeiro, uma província cuja geografia (quase inteiramente de planalto, montanhosa e de vegetação arbórea cerrada) já dificulta : uma operação minuciosa de desmatamento e limpeza do terreno era feita mas não se obedecendo regras para evitar a erosão, pois o plantio  das fileiras de café nas escarpas eram feitas de baixo para cima, facilitando a erosão.  Em torno de cinco anos era o prazo para possíveis lucros com o processo, e a cadeia de endividamento com ferramentas, escravos e alimentos fazia parte deste processo, sendo grande ou pequeno produtor.  A alta valorização do café permitira uma disponibilidade generosa de terras para o cultivo, e a partir de 1850, com o bloqueio do tráfico negreiro e sob a Lei de Terras e o Código Comercial, os grandes proprietários constituíram a plantation cafeeira no Vale do Paraíba sobre a impotência financeira dos pequenos agricultores, amarrados por um inflexível mecanismo legal de manutenção de suas glebas.
 O  ‘MODUS  OPERANDI’  CAFEEIRO  NO  VALE  DO  PARAÍBA =>  Na economia escravagista, a fazenda plantada tinha baixa liquidez; o imobilizado de grande valor era o conjunto de escravos, e na formação duma fazenda com cafezais plenamente produtivos, a escravaria operacional representava aproximadamente 40% do valor da propriedade. Apesar de tudo, a plantação ainda utilizava alguma mão-de-obra livre como feitores, artesãos e carreteiros.  A terra nua, com revestimento florestal, representava de 3 a 5% do valor do cafezal. Havia indícios de uma produção mercantil de alimentos em regiões fluminenses e mineiras não vocacionadas para o cultivo da rubiácea, face à demanda das regiões essencialmente cafeicultoras, apesar de que o grosso dos alimentos e animais de carga para as plantations derivavam de Minas e sul do país; mas nos baixios férteis da província do Rio de Janeiro a cultura da cana e a pecuária de corte ainda ocupavam espaço preferencial na economia local.
       Ao longo da primeira metade do século XIX, o café produzido na província do Rio de Janeiro sustentou a demanda mundial com 60% da produção. Principal produto de exportação brasileiro e dono do porto maior desta produção,  o dinamismo cafeeiro acelerara tanto a oferta da rubiácea no mercado – este criado em âmbito global por conta desta mesma oferta – que o café deixara de ser bem de luxo e barateara a ponto de se incorporar ao consumo básico da população operária internacional.       
 O  ÁPICE  E  O  DECLÍNIO => Mesmo assim, o dinamismo desse sistema dependia da oferta contínua de escravos para a mão-de-obra; os ganhos do capital mercantil com o café retornavam sempre ao circuito ampliado da lavoura cafeeira. Com a interrupção da chegada de escravos (1850), a cafeicultura drenou escravaria de outras regiões, principalmente do Nordeste. Face à valorização dos escravos por conta das limitações no tráfico, criara-se também uma folga cambial pela redução de gastos com esse mesmo tráfico, mobilizando-se capital para o consumo suntuário e o ciclo ferroviário. Empresas ferroviárias privadas foram fundadas e capitalizadas pelo complexo cafeeiro a partir de 1854/1858, a ferrovia liberou muitos escravos comprometidos com o transporte do café para a lavoura, e, com isso, intensificando a demanda de alimentos na agricultura fluminense neste ‘boom’ de meio de século XIX. A infraestrutura do Rio de Janeiro começara a receber insumos derivados da folga escravagista e moldando aos poucos o aspecto da capital imperial, ao passo que as lavouras do Vale do Paraíba aproximam-se do início de seus esgotamentos, cedendo espaço para a proliferação cafeeira no oeste paulista, na segunda metade do século XIX; embora até à Abolição, o Rio liderará a produção cafeeira nacional e mundial.