sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Poder do Café e Vida Privada no Império - Brasil Império (P2)





Aqui, a primeira parte da matéria da P2 da Danny Crespo - falta pouco p'rá praia, moçada, vamos lá!


HISTÓRIA  DO  BRASIL  IMPÉRIO  -  P2

O PODER DO CAFÉ 
    A expansão cafeeira ensejou a opulência tão decantada pelos saudosistas do Império, mas que privilegiava apenas as elites, que habitavam o país ideal; o país real – o dos escravos, libertos e brancos pobres – não se beneficiara da pujança do café, produto ignorado até o início oitocentista mas que mudou (de todas as formas) a imagem do Brasil daquele período.
     Atribui-se a Francisco de Melo Palheta a introdução do café no Grão-Pará, em 1727, sementes vindas da Guiana Francesa; e, de fato, Belém já exportava o produto para Lisboa naquele século. Na sexta década do século XVIII surgem as primeiras notícias a respeito de seu cultivo nas cercanias do Rio de Janeiro, e a Tijuca seria, no início do século XIX, o local onde havia as maiores plantações, longe dos brejos e pântanos que haviam no centro carioca da época. A partir dali, o cultivo estendera-se para o Vale do Paraíba – que transformar-se-ia no maior produtor do Império durante quase todo o século XIX.
     A região era quase toda coberta por uma floresta virgem, com caminhos para tropas de muares rumo à região mineira no trecho ocidental, enquanto no oriental os indígenas dominavam a área. Alguns engenhos de açúcar, pousos para tropeiros que forneciam gêneros alimentícios para o Rio completavam a paisagem, pois os centros populacionais ativos estavam no litoral. A serra era praticamente abandonada.  A chegada da Família Real em 1808 deu um impulso enorme à lavoura cafeeira: Dom João beneficiou comerciantes e funcionários, concedendo-lhes enxurradas de sesmarias com o objetivo de ocupar as terras próximas à capital. Antigos mineradores também se estabeleceram às margens dos caminhos que ligavam o Rio às minas, além de gente ligada ao setor mercantil (alimentos e animais) que comercializava com a Corte. Progressivamente, o Vale transformara-se. Indivíduos investidos de títulos nobiliárquicos formaram grandes propriedades repletas de escravos e à medida em que as terras foram sendo ocupadas, um sem-número de indígenas foram dizimados com o aval da Coroa Portuguesa, pois era inadmissível, nos padrões europeus de cultura, a existência de seres humanos que não se preocupavam em acumular excedentes (isso, até hoje).
     Com a expansão cafeeira, os primeiros brancos, pequenos posseiros que viviam na região com suas lavouras de subsistência foram sendo expulsos da mesma forma que os indígenas, ou então se sujeitavam às ordens dos grandes proprietários, recebedores de sesmarias. Estas sesmarias só se concediam para quem dispusesse de trezentos a quatrocentos mil-réis, quantia bastante elevada para um pequeno fundiário. Logo após à posse, o novo (grande) proprietário tomava providências para despachar de suas terras os antigos posseiros contanto com as autoridades locais, que os consideravam elementos indolentes, preguiçosos.  Mas a verdade era outra: não era por causa da preguiça do caboclo a arbitrariedade dos poderosos, mas porque não era interessante para o governo apoiar um pequeno produtor que não veiculava sua produção para a exportação (quantidade); em geral, o pequeno posseiro tinha sua lavoura cafeeira e de subsistência para seu básico de sobrevida, não se inseria no sistema de plantation cafeeira.  A relação entre pequenos e grandes proprietários continuava tensa (pois os pequenos tinham o certificado de posse de suas terras e agarravam-se a ele para mantê-las) até que em 1850 o governo imperial baixou a Lei de Terras: rezava a Lei, que as terras que fossem compradas estariam garantidas DESDE QUE não fossem cultivadas como simples roçados, além de exigir o registro de propriedades irregulares e terminar com os mecanismos de distribuição de terras do Antigo Regime (posse ou doação). Abrira-se o caminho para a transformação das terras em mercadoria. Abrira-se o fim do pequeno produtor do Vale do Paraíba. Mas alguns desses pequenos posseiros ainda tiveram contato com suas herdades pelo sistema de compadrio – relações amistosas com os cafeicultores – virando cabos eleitorais em disputas políticas daqueles. Outros, dedicaram-se a produzir alimentos para as grandes propriedades e muitos foram mortos de forma violenta.


   VALE DO PARAÍBA   X   OESTE PAULISTA
A organização da cafeicultura fluminense prolongava a estrutura econômica herdada do período da colonização: a riqueza dos fazendeiros se media pelo número de pés de café e de cativos. Além de prestígio social que lhes assegurava, as peças de ébano ainda serviam para a obtenção de créditos e terra; afinal, numa fazenda cafeicultora, o item mais valioso no balanço imobilizado não era exatamente o café, mas o número de escravos da fazenda.
As técnicas rudimentares de cultivo (queimadas), o desinteresse em investir na melhoria das técnicas de produção, a abundância de terras virgens para o replantio quando do enfraquecimento e queda das colheitas iniciais, tudo isso contribuiu para que ocorresse a queda da cultura cafeicultora no Vale do Paraíba. O fim do tráfico negreiro em 1850, o gasto com artigos de luxo e compras de mais escravos (agora encarecidos pela queda da oferta estrangeira) levou o Vale do Paraíba à decadência e o Oeste Paulista à ascensão a partir de 1870, este com a gradual substituição da mão-de-obra escrava pela imigrante. O capitalismo em expansão carreou recursos para as regiões exportadoras de matérias-primas, investindo-se em setores de serviços e transportes (malha ferroviária até Santos), e em novas técnicas para o setor cafeeiro, que dispunha, inclusive, de um solo com uma terra vermelha de excelentes nutrientes, a terra roxa.  


A HEGEMONIA FLUMINENSE
No regime monárquico brasileiro (singularidade política no Novo Mundo), o Rio de Janeiro forjou-se com um padrão de comportamento que molda o país pelo século XIX e mais da metade do XX. No decurso dos oitocentos, dois quintos da população da província era de cativos, na cidade que se orgulhava de ser a única representante do ‘sistema europeu’ na América, retalhada por repúblicas. 110 mil dos 266 mil habitantes da urbe eram de escravos; por volta de 1840, quem chegasse no Rio sem saber, vindo de fora, acharia estar num porto ou cidade africana. Numa data em que o tráfico estava proibido há um ano, num censo realizado em 1849 mostrou um habitante em cada três do município havia nascido na África. 


SOTAQUE CARIOCA  E DIALETOS AFRICANOS
Nos anos 1870, metade da população masculina da Corte era estrangeira, vinda principalmente de Portugal. Ana Bittencourt, por volta de 1860, registrava que os baianos podiam distinguir a fala “bastante aportuguesada” do sotaque fluminense.  A imigração portuguesa que desembarcara no Rio dez anos antes colaborou para transformar a linguagem falada no Rio em linguagem mais apurada, escandida numa sintaxe e num vocabulário mais polido que apagava os regionalismos difundidos na imprensa provincial durante os debates políticos das revoluções regenciais. O português, misturados com línguas nativas, foi uma tônica no Norte e em algumas províncias ao sul, como São Paulo, cuja dificuldade em se exprimir nos fonemas inexistentes na língua tupi-guarani (rr, f e l, por exemplo), se mostra até hoje.
   

PAQUETES ENTRE O BRASIL E A EUROPA (marcação do tempo nos relógios)
Horas e minutos da regularidade diurna nos trópicos, cuja medida costumava ser aleatória e desnecessária aos luso-brasileiros, começavam a ser marcados passo a passo, de cebolão na mão, nas casas, fazendas, estradas, rios, portos do litoral. Com a inauguração de uma linha regular de navio a vapor (‘packets’, aportuguesado para paquetes, 28 dias exatos de viagem) entre o Rio de Janeiro e Liverpool, na Inglaterra,  o tempo imperial entra em sincronia com a modernidade européia. Chovesse ou fizesse sol, a linha mantinha o ritmo de seus vapores com uma pontualidade naturalmente britânica.  


CHEGADA DE PRODUTOS EUROPEUS MUDA O HÁBITO DA POPULAÇÃO
Pianos, fogões, instrumentos musicais: a sociedade tropical escravagista aos poucos incorporava hábitos e utensílios usados no Velho Mundo, com o ‘boom’ da Segunda Revolução Industrial e as rotas dos paquetes extremamente regulares; pouco se dá se, na proporção de 5 por 1, os produtos europeus (quase inteiramente industrializados) abarrotam os mercados de subsistência brasileiros ao passo que, na Europa, quando muito, sacas de café e gêneros primários aportam em poucas praças européias. Máquinas de costura, pianos, patins para gelo, burras de ferro, debulhadores de milho, mobílias; o piano tornou-se o feitiche da época, objeto de desejo dos lares patriarcais, um móvel aristocrático que inaugurava um novo cômodo nas casas oitocentistas: o salão, um espaço privado de sociabilidade que torna visível para os observadores selecionados,  a representação da perfeita vida familiar.


O 15 DE NOVEMBRO E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
Embora presente em alguns movimentos até anteriores à Independência, o republicanismo não criou raízes no Brasil até quase o final do século XIX; na realidade, nesses casos, o ideal republicano tendia muito mais a se constituir um meio para questionar o poder de Lisboa ou do Rio de Janeiro em nome duma proposta federalista que assegurasse maior autonomia para as províncias. Mesmo a Regência (1831-1840) fora tido em conta duma experiência republicana para alguns autores. Mas o temor à anarquia devido ás reivindicações de descentralização levou à opção pela ordem com a Maioridade de Dom Pedro II. 


A Guerra do Paraguai pode ser considerado o estopim do questionamento quanto aos rumos que a sociedade e a política brasileira tomava naquela segunda metade oitocentista; o Exército obteve duras porém significativas vitórias no conflito, e compunha seus quadros uma tropa formada por escravos libertos, escravos substitutos de senhores arredios, brancos e mestiços pobres, oficiais acabrunhados pela impressão que os sul-americanos faziam de sua sociedade escravagista e pela indiferença da arma em relação à Guarda Nacional – composta de componentes sem especialização militar básica – como força de defesa do país. A oficialidade, ao retornar da guerra, viu-se imbuída de participar dos destinos políticos da nação.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Grécia Antiga - resumo para a P2




O Período Homérico e parte do Período Arcaico. dando tempo, postarei o restante - vamos que vamos, moçada!


HISTÓRIA   ANTIGA  -   Resumo para a P2

GRÉCIA ANTIGA:
O conjunto de traços que se articularam para compor o que chamamos de Grécia Clássica desenvolvera-se a partir  do século X a.C, aproximadamente (Época Homérica, 1100 – 700) . A formação da ‘pólis’ grega data do Período Arcaico (700 – 500, aproximadamente). O Período Clássico corresponderia ao século V e parte do IV (499 – 350) e o declínio, a partir do restante do século IV (340 – 146), sob a Era Helenística.
Podemos admitir que a Ilíada e a Odisséia remetem-nos a três períodos históricos específicos: A Idade do Bronze, dos palácios micênicos; o mundo estabelecido após a chegada dos dórios na Grécia; a época de Homero (séc. VIII a.C).
ÉPOCA HOMÉRICA:
O mundo que se seguiu à destruição de Micenas é também conhecido pelo nome de “Idade das Trevas”; uma civilização florescente ser substituída por um período de declínio acentuado do nível de vida, seguido por uma reestruturação sócio-econômica, onde os alicerces da futura Grécia Clássica foram inicialmente assentados. Os dois poemas  supracitados de Homero fornece-nos uma informações importantes sobre a economia e a sociedade.
Oikos, seria traduzido como casa, família. Em Homero, seu significado se amplia: seria uma unidade econômica, humana, de consumo e produção. Um chefe guerreiro e sua família, escravos e servidores, bens imóveis, terra, casas, ferramentas, armas, gado,etc. O trabalho produtivo dum oikos era realizado por escravos, obtidos geralmente em atividades de pilhagem e saque. Outro modo de obter os escravos era através de compra. Mesmo com os escravos realizando tarefas produtivas, nada impedia que o chefe de um oikos participasse dessas atividades; Aristóteles diria mais tarde que “[...] o que faz a condição de um homem livre é que ele não vive sob o constrangimento de outrem[...]”.
Todas as atividades domésticas , desde banquetes até a tecelagem, eram supervisionadas pelas senhoras da casa. O tratamento aos escravos era diferenciado para alguns, dependendo de sua fidelidade ou boa vontade no cumprimento das tarefas. A condição do escravo num oikos era muito melhor que a de muitos livres pobres, relatados na Odisséia. O caso do escravo Eumeu é significativo nesse ponto. Abaixo dos escravos em condição social, está o teta: homem sem posses ou especialização alguma, solto no mundo, não contava com a proteção de ninguém. Outra categoria entre os homens livres é o demiurgo, traduzido aqui como sendo indivíduos com alguma especialização ou habilidade manual, artesãos itinerantes que, por ocasião de alguma necessidade que fuja às capacidades do oikos, o chefe do mesmo manda-os vir. Sua destreza numa atividade confere-lhes uma posição mais privilegiada entre os homens livres.
    Apesar da importância destes ‘technoi’, o grego daquela época nutria um sentimento  de desprezo por aquele trabalhador e pelo trabalho: a figura do grande proprietário de todo oikos, que detinha o poder político, fazia parte de uma aristocracia fechada cujos membros se identificavam graças a uma mesma posição social e econômica, reforçando sua união por laços de parentesco, fidelidade e amizade – esta era a figura de proa da sociedade Greco-homérica, e o sentimento de desprezo pelos demiurgos encontra eco no panteão olímpico que veneravam: Hefaísto ou Hefestos, o Artesão Divino, que forjava as mais belas armas e baixelas para os deuses era, ao mesmo tempo, um ser horrendo , deformado; por ser artesão, jamais poderia igualar-se em beleza e perfeição aos outros deuses.
     Segundo Homero, esta aristocracia reunia-se em Assembléias e deliberava sobre os destinos da comunidade; dentre eles, um era nomeado rei. Sua nomeação derivava de sua habilidade guerreira e sabedoria além da riqueza material. Nas Assembléias deliberativas, o “povo” participava também, mas apenas para encorpar a reunião, sem poder de decisão ou sequer deliberação sobre quaisquer questões. Mesmo antes do nascimento da ‘pólis’, nota-se uma relativa tensão entre o poder individual do rei e o poder da aristocracia. Parece existir de igual forma um conflito entre o oikos econômico e o resto da comunidade.  
    A autarquia econômica dos oikos pressupõe um ideal caro à civilização grega: cada oikos procurava bastar-se a si próprio em tudo o que fosse necessário, embora dois produtos indispensáveis vinham de fora: metais e escravos. E como o comércio era uma atividade mal vista, relegada a segundo plano na sociedade grega, próprio para bárbaros, somente em casos extremos é que os gregos trocavam objetos necessários, mas estritamente equivalentes, de modo que nenhuma das partes sairia lesada na transação. O que faltava (metais e escravos, além de tecidos finos) em sua sociedade era obtido através de pilhagens, saques e dos sistemas de dom e contra-dom.

PERÍODO ARCAICO:
Bem mais documentada e com apontamentos mais fiéis sobre problemas pessoais, sentimentos ante situações concretas, esse período contém uma boa gama de informações de tal sorte que, mesmo nenhum documento escrito em prosa, lei, texto cotidiano ou decreto, podemos obter mais apontamentos da poesia do período arcaico do que dos poemas homéricos: Hesíodo (séc.VIII a.C), Alfeu, Safo, Arquíloco, Teognis, Sólon (Sécs. VIII – VII a.C).
     A mais importante criação do Período Arcaico foi, sem dúvida, a pólis, uma comunidade autônoma politicamente, auto-suficiente no plano econômico. Para que a polis existisse, do ponto de vista material, deveria ter um lugar central para reuniões  dos cidadãos, edifícios religiosos e públicos – a ágora. Uma acrópole (cidade alta) era necessária, como medida defensiva. Afora esses dois itens,  cada cidade-estado (polis) desenvolvia-se de um modo diferente, tinha dimensões diversas, etc.
    As causas do desenvolvimento de pequenas comunidades isoladas e politicamente autônomas tem sido explicada, muitas vezes, pela geografia: a Grécia é toda dividida por montanhas e pequenos vales, de difícil comunicação entre as comunidades. Para o historiador Finley,  “A tenacidade das pequenas comunidades independentes só pode ser explicada como um hábito resultante de uma profunda e enraizada convicção a respeito de como resolver o ‘viver junto’ (Ancient Greeks, pg 33). E é no Período Arcaico que os traços da cidade-estado vão se consolidando e se define o estatuto do cidadão, a prática da comunidade igualitária e, portanto, da democracia.
     A medida que o cidadão vai se liberando do exercício direto das atividades econômicas (essencialmente o trabalho no campo) para se dedicar às tarefas políticas, vai sendo substituído pelo escravo como força de trabalho. Como ressalta Austin: “Passa-se do domínio do pré-direito ao do direito”. Essa transição foi repleta de crises (stáseis); o poder da aristocracia residia na posse de terras, das melhores, inclusive. Hesíodo reflete uma tensão entre a aristocracia governante e a noção de comunidade que brota aos poucos.  Os grandes proprietários tendiam a aumentar ainda mais a quantidade de terras, expandir suas posses; num país pobre de terras como a Grécia, o pequeno proprietário não conseguia suprir seus sustento e o de sua família e, por isso, recorria a empréstimos (não em dinheiro,mas  geralmente em espécie)ao mais rico. Chamado de hectomoro, o devedor tinha que entregar um sexto de sua colheita e, no caso de insolvência, o indivíduo entregava-se ao credor de modo a ser escravizado ou ser vendido como tal. Ao morrer, suas terras eram repartidas igualmente entre os filhos, tornando os lotes, além de exíguos e pobres, insuficientes para o sustento de uma família. Resumindo: não havia terras para todos, o solo não produzia suficiente alimento para todos e as boas terras estavam nas mãos de poucos, que usufruíam do poder político.
     Uma das saídas para essa crise foi a colonização (sécs. VIII – VII a.C): com recursos fornecidos pelo Estado, grupos de colonos deixavam suas cidades e partiam em direção a oeste: Itália do Sul e Sicília. Ali, fundavam novas póleis e tentavam reconstruir o seu mundo como na Grécia, à procura de terras novas, onde pudessem plantar o que lhes faltavam.

     A apoikia era o tipo mais freqüente de colônia:  colônias autárquicas, eram cidades independentes que mantinham ainda laços religiosos e de aliança com suas metrópoles; estabeleciam-se numa localidade para morar e conseguir o seu sustento. O emporion era um tipo de coônia comercial, que estabelecia contato com regiões que pudessem fornecer mercadorias indispensáveis para os gregos como, por exemplo, metal. Esta era nitidamente um entreposto comercial.
      Outra saída para a crise foi a importação maciça de trigo: para facilitar essa importação, muitas colônias  foram fundadas no Mar Negro, através das quais tiveram acesso aos ricos campos da Criméia. 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Colonização francesa na América, Encomienda e Mita (P2)





COLONIZAÇÃO FRANCESA NA AMÉRICA
O processo de colonização francesa da América iniciou-se no século XVI, no contexto das grandes navegações e da descoberta de novos territórios e rotas marítimas pelos europeus.
Seguindo-se a onda  colonialista  inaugurada   por espanhóis e portugueses, os franceses,ingleses e holandeses buscaram se instalar em regiões nas quais os primeiros colonizadores ainda não se estivessem estabelecidos, causando muitos conflitos e guerras entre os países colonizadores.
Os franceses conseguiram se fixar na América do Norte, nas regiões do Rio São Lourenço e dos Grandes Lagos. A partir de 1603, formaram as colônias de Terra Nova, Nova Escócia (Acádia) e Nova França (Canadá). Em 1608 foi fundada Québec e em 1643 Montreal. Em 1682 surgiu a cidade de Nova Orleans, localizada no vale no Rio Mississippi no Estado da Louisiana.
Assumiram o controle de algumas ilhas do Caribe (Hispaniola (República Dominicana e Haiti),Guadalupe, Martinica, Santa Lucia e Tobago) e de uma parte da América do Sul, que ficou conhecido como Guiana Francesa. As colônias comerciavam açúcar, peixe e frutas.
Para manter o controle das colônias, a Coroa francesa utilizou-se de autoridades locais. O povoamento foi pequeno, e as colônias acabaram servindo apenas como postos comerciais e estratégicos.
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A participação francesa na corrida colonialista nas Américas teve inicio em 1555, no Brasil, com a ocupação de um pequeno trecho do litoral fluminense, no qual foi estabelecida a França Antártica. A colônia serviu de refúgio para os calvinistas franceses, que estabeleceram boas relações com os nativos. Registro deixado por Jean de Lery, que esteve no Rio de Janeiro em 1557, informa que, se não fosse a preciosa ajuda dos tupinambás, os franceses não conseguiriam carregar um navio de porte médio com toras de pau-brasil em menos de um ano.
Mas os franceses e os tupinambás acabaram vencidos pelos portugueses e seus aliados indígenas. Uma investida francesa em terras maranhenses, em 1612-1615, também foi derrotada.
A ocupação efetiva de parte da América pela França só ocorreu no século XVII, nos moldes de um projeto mercantilista. Na América Latina, foram ocupadas partes das Guianas e das Antilhas – algumas dessas áreas até hoje fazem parte dos territórios franceses ultramarinos. Nas duas regiões, a colonização foi incentivada com o cultivo da cana-de-açúcar e do aproveitamento de plantas nativas, como a mandioca e o tabaco. A produção dos gêneros tropicais favoreceu o desenvolvimento de uma economia de plantation, com o uso de mão-de-obra escrava.
Na América do norte, o ponto de partida foi a fixação francesa no Quebec (Canadá), no início do século XVII. Na década de 1680, os franceses também ocupavam os vastos territórios da Louisiana, junto ao Golfo do México. Ali foi fundada, trinta anos depois, junto ao Mississipi, a cidade de Nova Orleans, até hoje a “metrópole francesa” dos Estados Unidos. Entre o Canadá francês e a Louisiana estendiam-se as pradarias do centro do continente, percorridas por caçadores e mercadores de peles franceses.
Mas a presença francesa era tênue. Como a metrópole se recusava a assumir as despesas da colonização, o projeto foi impulsionado pela iniciativa privada, por meio de companhias de comercio. Em muitas áreas, os franceses se dedicaram à caça, à pesca e à extração de madeiras, atividades nômades ou seminômades, que favoreciam a dispersão dos colonos. Em resumo, a França não empreendeu uma colonização efetiva como aconteceu na América inglesa, por iniciativa dos próprios cidadãos que migravam para o Novo Mundo.
A América francesa recebeu um serio golpe com a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), travada entre duas coalisões europeias lideradas respectivamente pela França e pela Inglaterra. Em 1759, os britânicos conquistaram o Quebec. Em 1763, com o fim do conflito, as duas nações assinaram o Tratado de Paris, que determinou a entrega do Canadá e de parte das Antilhas francesas à Coroa inglesa. O tratado ainda estabeleceu que a região a leste do Rio Mississipi passaria a fazer parte do império colonial inglês e que a Louisiana seria entregue a coroa espanhola, que havia perdido a Flórida para os ingleses. Em 1800, a Louisiana foi devolvida à França, que a vendeu aos Estados Unidos três anos depois.

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     Mita,termo hispanizado, uma vez que o vocábulo não possui origem espanhola, mas sim Quíchua - Mit'a, era uma forma de trabalho compulsório herdada dos Incas pelos Espanhóis (à época colonial) no qual se baseava principalmente na exploração da mão de obra Indígena. Nesse sentido, os Índios eram deslocados de suas respectivas comunidades (geralmente por um prazo de 4 meses ou 6) e enviados a regiões onde ocorreria a extração de minérios, em especial a prata e ao mercúrio. A prática desse ato trouxe inúmeras consequências negativas para à saúde daqueles que eram sorteados ao trabalho compulsório e, além disso, acelerou de sobremodo a desestruturação de inúmeras comunidades indígenas.
Seguindo de perto o que Peter Bakewell expõe no seu texto sobre a América Espanhola, percebemos o predomínio da exploração da mão de obra indígena na mineração, ou seja, “a mineração apoiava-se no trabalho indígena.” De um modo geral, pode-se dizer que, entre os variados tipos de trabalho criados e/ou modificados pelos espanhóis, quatro “ modelos” são proeminentes, a saber::Encomienda , a Escravidão, o recrutamento forçado e os contratos contra salários. Nesse sentido, é fundamental ressaltar que à medida que os espanhóis conquistavam novos territórios tanto a encomienda quanto a escravidão tornavam-se comuns na América Central e Sul. E, não menos importante, está a questão de diversos povos nativos resistirem aos ataques espanhóis, o que consequentemente ocasionavam elevados números de mortandade indígenas.
Por volta do ano de 1570, sob o nome de Repartimiento (do espanhol partición) na Nova Espanha (seria o que hoje se entende como
México) e Mita (em quíchua: rodízio) no Peru, ocorrera uma espécie de reformulação nas formas de recrutamento que até então eram utilizadas. Neste cenário, a Coroa Espanhola se beneficiou de sobremaneira pelo fato que conseguira a um só tempo implementar na América uma força de trabalho nativa assalariada – fato que não existia até então – e ainda reduzir a participação dos encomenderos no trato com os indígenas; isso significa dizer que neste último caso, o poder de influência que os encomenderos detinham sobre determinadas regiões nativas aos poucos iam se perdendo, o que, de certa forma, aumentava o poder da Coroa nos seus intentos nas Américas. Don Francisco De Toledo , que assumira o posto de vice rei Peruano no ano de 1569, fora um dos principais mentores daquilo que é considerado como um “modelo” de recrutamento visando a mineração nas Américas Espanholas. Conhecida como a Mita de Potosí, ela desprendeu de mais da metade das 30 províncias daquela área, homens entre 18 a 50 anos que estivessem aptos ao trabalho deveriam ser deslocados para Potosí todos os anos. “Segundo o Censo realizado por Toledo, isso proporcionaria mão de obra suficiente para Potosí: cerca de 13 500 homens por ano.” Fato curioso: Toledo era conhecido por ter uma personalidade extremamente arraigada a conceitos morais cristãos da reforma protestante.
Dentre as implicações negativas para a população indígena, a mita subjugou-os a um excesso de trabalho e, por conseguinte acabou tornando-os suscetíveis a uma gama variadas de doenças, mormente doenças relacionadas a respiração. Os "Mitayos", termo utilizado para aqueles que trabalhavam nas minas, eram obrigados a deslocamentos extensos e, durante o trajeto, não era raro que alguns não resistissem e, portanto, morressem no caminho; Quando da chegada aos locais de trabalho, por geralmente trabalharem nas minas, é de se depreender as condições insalubres nas quais estavam sendo impostos, ou seja, ausência de luz, pouca ventilação, esparsas condições de locomoção dentro dos veios etc. Basicamente, existiam dois tipos de divisão da mão de obra nas minas: "os barreteros", que se utilizavam de barras e picaretas e, em certo sentido, eram mais especializados e angariavam melhores salários; e os "carregadores" que por serem destituídos de conhecimentos técnicos eram empregados no carregamentos daquilo que era encontrado nas prospecções.

A encomienda, originalmente aplicada na região das Antilhas em 1503, com posterior projeção em outras porções da América espanhola, constando nos registros legislativos coloniais até o século XVIII, foi uma instituição jurídica imposta pela coroa com vistas a regular o recolhimento de tributos e circunscrever a exploração do trabalho indígena. Estabelecida a partir de um arranjo contratual, caracteriza-se pela submissão de um número variável de indígenas “pagadores de impostos” a um encomendero, – inicialmente os mais notáveis soldados espanhóis nas guerras de conquista – responsável por viabilizar sua incorporação aos moldes culturais, econômicos e sociais europeus. No âmbito da circunscrição territorial, a encomienda não é uma concessão de terras, mas uma concessão de recolhimento de tributos. Diferentemente do que ocorre com a escravidão, não é perpétua nem transmitida hereditariamente, já que os nativos, ao menos juridicamente, foram tomados não por propriedade, mas por homens livres, embora seja possível uma aproximação entre ambas, dado que são expressões da forma de trabalho compulsório.
 As origens institucionais da encomienda remontam, ainda, ao século V d.C., quando, diante da reconfiguração territorial do Império Romano, por meio da commendatio, ou patrociniun, o senhor oferecia proteção militar e apropriava-se de forma extra-econômica dos produtos resultantes do trabalho servil.



terça-feira, 27 de novembro de 2012

Reforma Urbana e a Revolta da Vacina - Texto 7 (P2)




O texto de Jaime Benchimol sobre a Revolta da Vacina e antecedentes; urge acompanhar-se da apostila para mais esclarecimentos. Abração e até logo mais, povo bom!


3 => REFORMA URBANA E REVOLTA DA VACINA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (Texto 7, mesmo título)

   Dos escombros gerados pela Revolta da Vacina em 1904 não emergiu um Rio de Janeiro idealizado por seus proponentes reformistas; ao contrário, suscitaram novas contradições e expuseram as chagas de históricas enfermidades sócio-políticas, desta vez agravadas pela política “racional” daquela época.
    O processo de capitalidade ocorrido no Rio de Janeiro a partir da sua transformação em sede de diversos governos nacionais (Vice-Reinados, Reino Unido, Primeiro e Segundo Império e República Oligárquica) trouxe não apenas a preponderância ante um universo luso-brasileiro  mas também os problemas concernentes à metrópole singular que era. Cidade colonial escravista, entrara em meados do século XIX na fermentação da Segunda Revolução Industrial em passos trôpegos, com sua economia ainda fortemente atrelada à escravidão paralela às mudanças do capitalismo burguês,  sobretudo na Europa. A cidade sofrera mudanças estruturais à fórceps, com drenagens de pântanos, brejos e a ocupação de áreas desabitadas na periferia, desafogando-se do crescimento desordenado com a incipiente malha viária expandindo a população para freguesias ermas. Mas no centro da cidade (a Cidade Velha, freguesias originais) tropeçava-se entre a antiga estrutura material e as novas relações econômicas; Uma multidão flutuante, heterogênea, morava e labutava na área central, ruas estreitas e sinuosas e uma miríade de cativos e libertos, nacionais e estrangeiros, produtos importados e gêneros primários para consumo e exportação, abafamento e desordem urbana que contribuíam fartamente para a proliferação de epidemias mais ou menos mortíferas , dependendo do período (sobre)vivido.
       Mesmo existindo evidências da presença da febre amarela no Brasil desde 1694, somente a partir de meados do século XIX que a questão desta doença tornou-se nacionalmente relevante. Os médicos brasileiros (com pouco tempo de especializados, a partir de 1829) depararam-se com uma epidemia em 1850 que atingira 90.658 dos 266 mil habitantes da cidade, causando 4.160 mortes (Chalhoub fala em até 15 mil mortes). A partir de então, diversas Juntas e Inspetorias foram instituídas para debater o assunto, mas não só tinham reduzidos recursos estruturais para resolver o assunto da saúde pública (a epidemia extinguira-se no final daquele ano) e o raio das ações desses órgãos restringia-se às cidades litorâneas, especialmente ao Rio. A maioria das cidades interioranas e províncias ficaram fora do projeto. Grosso modo, as epidemias acompanhavam as estações: varíola, no inverno; febre amarela, no verão. E os especialistas estacionavam em argumentos sobre a “natureza” das latitudes tórridas e  a insalubridade do ambiente . O cólera atingiu o Rio em 1855-56 e na década de 1890, pouco antes do Brasil ser alcançado por outra pandemia, a da peste bubônica. Três pontos principais eram ressaltados por eles na tarefa de “restaurar o equilíbrio humano”. Entre  os pontos  morbígenos sobressaíam as habitações, especialmente as “coletivas”, onde se aglomeravam os pobres (e seus hábitos, a ignorância e as sujeiras físicas e morais), os pântanos (foco de exalação de miasmas) e os morros (que impediam a circulação dos ventos capazes de dissipar esses maus ares).
   A partir desses apontamentos, surgiu um discurso ‘higienista’ por parte de simpatizantes da monarquia onde urgia diminuir os infectados (salubridade), alongamento das vias de circulação de ar (comodidade) e dar à cidade uma aparência burguesa (beleza), discurso esse que entranhou-se no senso comum das elites e camadas médias, voz ativa e influente na opinião pública, favorável a todo tipo de melhoramento que transformasse a capital do Império numa cidade salubre e moderna.
      Vem a República e os problemas estruturais da cidade – e as epidemias – continuam. Apesar do crescimento de bairros residenciais para onde segmentos da classe média (subúrbios) e alta (Zona Sul) escapavam e se fixavam, o epicentro  da crise ainda era o centro do Rio, a chamada Cidade Velha e adjacências, lugar de cortiços e ruas estreitas onde a população mais pobre se espremia e sobrevivia. Pereira Passos assumiu a prefeitura do Rio em 30 de dezembro de 1902.  E o projeto de modificação estrutural da cidade, enfim, tem início; não sem um significativo número de oposições, boa parte delas por conta da draconiana política fiscal do governo, atingindo pesadamente as camadas menos favorecidas da população – algumas infrações a título de multas regravam sobre licenças, cães e até posturas – , incomodadas com a regulação da vida pessoal dos habitantes, levando as medidas para o lado pessoal. Oswaldo Cruz apresenta ao Ministro da Justiça em abril de 1903 o plano da campanha contra a febre amarela; o sucesso das campanhas de vacinação dependeu de regulamentações jurídicas que ampliaram o poder das autoridades sanitárias, sobretudo em relação à notificação obrigatória dos casos de doenças infecciosas, face à resistência da população desinformada. Para isso, foi criada uma instância do Judiciário (Juízo de Feitos da Saúde Pública); o projeto que a regulamentava foi apresentado em maio de 1903 e foi duramente atacado por opositores ao governo, sendo aprovado com mutilações apenas no ano seguinte. Mas antes disso, o prefeito Pereira Passos havia intensificado uma polícia sanitária nas habitações, vistoriando energicamente as moradias com o apoio sistemático da polícia para o cumprimento da determinação contra as reações desfavoráveis. Num aparato autenticamente militar, Oswaldo Cruz utilizou os instrumentos legais de coação e, em menor medida, meios de persuasão (“Conselhos do Povo”) contra os porta-vozes da oposição. Em junho de 1904, o projeto que reinstaurava a obrigatoriedade da vacinação e revacinação contra a varíola foi submetido ao Congresso com todo tipo de cláusulas rigorosas incluindo multas e exigência de atestados diversos. Reacendeu-se a oposição, agora reforçada com líderes operários, militares descontentes do Exército, (estes, descontentes com a república de oligarcas renegados do Império) e monarquistas. Em 5 de novembro foi criada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória.
     A lei foi aprovada em 31 de outubro de 1904. A 9 de novembro, a cidade foi paralisada pela revolta, por mais de uma semana, segundo Sevcenko (1984)(6) Chalhoub (1996)(7) e Carvalho (8). Ao invés de um choque entre as massas incivilizadas e a imposição inexorável da razão e progresso, na verdade foi protagonizada a revolta por forças sociais heterogêneas que gerou duas revoltas numa só: a revolta dos populares contra a vacina e as medidas segregadoras das forças do aburguesamento  da cidade sob a capa de “embelezamento”; e a revolta militar, deflagrada dias depois, com o objetivo de depor Rodrigues Alves da presidência.
    Debelada em suas duas faces, a popular e a militar,  apenas a parcela civil sofrera com a dureza do estado de sítio promulgado pelo Congresso para abafar a Revolta da Vacina, que sacudiu a capital da República e servira de sangrento  ritual  de passagem da antiga cidade colonial e escravista para a metrópole burguesa da ‘Belle-Èpoque’; À tribuna, subiam parlamentares governistas e opositores (antes beligerantes) para invectivar os rebeldes pobres, postos a ferros e despachados para o Acre, cumprir suas penas.
   Para Sevcenko, a Revolta da Vacina foi a mais explosiva manifestação da resistência dos grupos populares cariocas ao processo autoritário de transformação do Rio em capital burguesa, reagindo à modernidade cosmopolita de fito europeu como símbolos de um poder opressor. Cukierman (2001) (9), considera-a como o resultado da prática autoritária de cientistas convencidos da superioridade de seu conhecimento técnico e de seu direito de exercer “um poder tutelar ao qual todos teriam de se submeter, obrigatoriamente”.  Carvalho sustenta que a hostilidade popular ao regime republicano, externada já em outras rebeliões, contribuiu para os acontecimentos de 1904. E Chalhoub recupera uma dimensão da Revolta oculta tanto nos relatos da época como nas fontes historiográficas mais conhecidas, a tradição negra no combate à varíola: “Um dos mananciais da revolta seria o culto a Omolu, orixá que tinha o poder de espalhar a doença e, ao mesmo tempo, defender seus devotos de estragos maiores [...] por meio de material varioloso”. Criar obstáculos à ação desta divindade ou impor a vacina animal preparada no Instituto Vacinogênico significava morte e devastação para esse grupo social.
    
   
(6) SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo, 1993: Scipione
(7) CARVALHO, José Murilo de.Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República Que Não Foi.São Paulo, 1987: Companhia das Letras
(9) CUKIERMAN, Henrique Luiz. Manguinhos,outras histórias: a tecnociência em terras brasileiras. Tese submetida ao Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro: novembro, 2001 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Texto 8: A Subversão Pelo Riso - História do Rio de Janeiro (P2)




Texto da Rachel Soihet. Abração, povo!


2 =>  RELAÇÃO ENTRE AS AUTORIDADES DO SAMBA E O ESTADO NOVO (A Subversão pelo Riso, Texto 8)
   A organização das Escolas de Samba no início do século passado é o mais significativo exemplo de como manifestações de cunho popular conquistaram o seu espaço, sobrepondo-se às determinações dos estratos elitistas duma sociedade a partir da negociação com o Estado e suas vertentes sociais. Diferentes versões historiográficas(4) induzem ao raciocínio de que esta organização só acontecera por conta de um ‘beneplácito’ das esferas superiores, uma ‘tolerância’ que trocava vantagens (para os sambistas) por votos (para o poder). Acompanhando, porém,  os estudos da historiadora Rachel Soihet, percebemos que os segmentos populares que por tanto tempo estiveram condenados à segregação, garantiram, por meio de sua cultura, a legitimação de uma identidade própria, promovendo sua participação na vida pública da cidade.
      Todos os esforços para estigmatizar a cultura e os valores populares desde o início da Primeira República por parte do segmento social dominante foram inúteis; os populares engendraram as mais diversas formas de resistência para fazer frente à opressão e à intolerância. E não só resistiram como também se difundiram e se entrelaçaram com a cultura dominante, dando lugar à circularidade cultural.
     Mas, até que ocorresse tal circularidade, os expedientes para a resistência contra a intolerância eram diversos. Uma concentração maior de população pobre nos morros e nas áreas suburbanas em fins da década de 20 encorpara o processo de predomínio da cultura popular no Carnaval, consolidado com o advento das Escolas de Samba, nesta mesma década. Desta população é que vieram os componentes das agremiações. Pessoas que trabalhavam como fiandeiras, tecelões, carpinteiros, empalhadores, lustradores, pintores e pedreiros. Haviam também, os “malandros”, pessoas que não se vinculavam formalmente ao mercado de trabalho. Afinal, a música e a composição não eram considerados como trabalho, e ainda atraía a desconfiança policial.
     Algumas residências dos componentes tornaram-se pontos de encontro por qualquer motivação artística ou religiosa: manifestações religiosas e profanas se associavam constantemente. Muitos desses ‘festeiros’ eram líderes de cultos afro-brasileiros. O próprio local dos ensaios chamava-se terreiro, termo idêntico ao das cerimônias de candomblé.  Monarco, da Velha Guarda da Portela, lembrava da crença na proteção dada ao samba por esse culto, e o fato de ambos serem vítimas da repressão policial.

    A ascensão de Getúlio Vargas ao poder (1930) significa uma quebra no poder das oligarquias cafeeiras no país e, no Distrito Federal, o rompimento com um modelo de civilidade burguesa, de discursos ufanistas mas mentalidades europeizantes, onde manifestações de cunho popular eram tachadas como barbarismo e atraso. Vargas, dissidente das elites após derrota em pleito e gaúcho por substância num Rio de Janeiro desconhecido, valera-se da música popular e das agremiações carnavalescas como veículo para a integração dos populares ao seu projeto de construção da nacionalidade. Paralelamente, toma vulto o esforço de líderes populares para afirmar sua participação no sistema, garantindo a presença reconhecida de suas manifestações nas ruas da cidade. Paulo da Portela(5) ilustra essa tendência, preocupando-se em desfazer a imagem de marginal do sambista e vislumbrando a possibilidade em dar a essa atividade recreativa uma verve profissional, insistia que todos, na apresentação da Portela, estivessem vestidos com a roupa da escola e se comportassem muito bem, a fim de demonstrar que eram adeptos da lei e da ordem, “...todos de gravata e sapato, impondo a arte e cultura de nossa raça, respeitando e fazendo respeitar as leis, cultivando a união e afastando-se da violência...” Dessa coincidência de interesses resulta o predomínio popular no Carnaval. O carnaval da Praça Onze, até então abominado e visto como reduto de marginais, passa a merecer espaço nos jornais. E ocorre uma articulação entre as elites e a massa da população, até então divorciadas, patrocinada pelos novos detentores do poder e perseguida com tenaz habilidade pelos antigos perseguidos.

(4) Maria Isaura Pereira de Queiroz versus Rachel Soihet: “dominados pela elite, que aceita a sua participação em troca de voto”, “construção da nacionalidade”.
(5) O caso de Paulo da Portela, página 145 da apostila 8 – A Subversão Pelo Riso, Rachel Soihet    





Texto 6 de História do Rio de Janeiro: A Representação Ideológica do Espaço


Primeiro texto da prova de amanhã, resumido: urge acompanhar-se da apostila para esclarecimentos. Vamos que vamos, historiadores!


1 => REPRESENTAÇÃO IDEOLÓGICA DO ESPAÇO (O Rio de Janeiro do século XIX, Texto 6)
     A primeira metade do século XIX testemunha o início de mudanças no espaço ideológico da capital do império. Cidade de cunho colonial e escravista, a população indistintamente espremia-se à época no que hoje chamamos de Zona Portuária e Centro: as freguesias da Candelária, São José, Santa Rita, Sacramento e Santana possuíam  desde então, sensíveis divisões sociais: na Candelária e São José, os sobrados das estreitas ruas abrigavam elementos da elite reinante (que por vezes escapavam para as chácaras nas regiões das atuais Glória e Catete), enquanto as demais classes, por reduzido poder de mobilidade, aglomeravam-se nas freguesias de Santana e Santa Rita – atuais Bairro da Saúde e Gamboa. Por conta da gradual ocupação do Arraial de São Cristóvão pelos mais abastados, graças ao aterro em parte do Saco de São Diogo, o acesso ficou melhor para esses grupos e, com a implantação do primeiro serviço de ‘gôndolas’ (ônibus de tração animal) em 1838, outras freguesias foram servidas e ocupadas – Lapa, Botafogo. Trabalhadores livres e escravos de ganho, com pouco ou nenhum poder de mobilidade, ainda abrigavam moradias no Centro, próximos aos locais de trabalho. 
      A partir de 1850, com a decisão da Câmara de intensificar os trabalhos de aterro do Saco de São Diogo e a construção de um canal de escoamento a partir da região da (ainda hoje) Cidade Nova, a ocupação de novos terrenos com o retalhamento das fazendas locais  e a criação de nova freguesia (Estácio) iniciou o espraiar da cidade para oeste, enquanto as antigas chácaras de fim-de-semana da aristocracia em Botafogo, Catete e Glória foram se transformando em residência fixa da mesma; e de tal forma foi a fixação que em 1843 inaugurara-se uma linha de barcos a vapor ligando o local ao Centro. A elitização da Zona Sul iniciava-se, a pleno vapor: Noronha Santos¹ , em seus registros sobre o transporte no local, revela o dinamismo atingido pelo bairro de Botafogo, a ponto de atrair comerciantes portugueses para áreas do bairro menos valorizadas a fim de expandir seus negócios. No Centro, graças a investimentos do governo e de capitais estrangeiros, o aspecto das freguesias mudava sensivelmente, ajudando as atividades produtivas com as melhorias urbanísticas; calçamentos com paralelepípedos, iluminação à gás, esgotos sanitários ( o Rio passou a ser a quinta cidade do mundo servida por esse serviço) , o anacronismo da época residia na população que habitava os logradouros; a população mais miserável da cidade ainda se espalhava pelo local. Os cortiços disseminavam-se pela periferia do núcleo financeiro da capital; eram estes, habitações coletivas insalubres onde epidemias diversas – notadamente a febre amarela – grassavam frequentemente.
     O espaço ideológico carioca obteve contornos mais fortes a partir de 1858 (um marco para as definições sócio-geográficas da cidade) com o advento da malhas viárias: neste ano ocorrera a inauguração da Estrada de Ferro Dom Pedro II (Central do Brasil), importante para a ocupação acelerada das freguesias suburbanas. Dez anos depois, a implantação das linhas de bondes de burro facilitou  ainda mais a expansão citadina para a Zona Sul.  Ferreira dos Santos ² fora preciso sobre o papel desempenhado por trens e bondes no desenho da dicotomia núcleo-periferia, quando relata que “...o bonde fez a Zona Sul porque as razões de ocupação seletiva da área já eram ‘realidade’...Já o trem veio responder a uma necessidade de localização de pessoas de baixa renda e de atividades menos nobres, como, por exemplo, a indústria”. A pesada especulação imobiliária nas áreas servidas pelos bondes teve o capital nacional proveniente da aristocracia cafeeira como guia; o capital estrangeiro não só veio a reboque das linhas de bonde como também fora responsável pela provisão de infra-estrutura urbana, além de fomentar a incipiente expansão ferroviária para as freguesias suburbanas.
     Ao contrário dos bondes, que penetraram em áreas que já vinham sendo urbanizadas ou retalhadas em chácaras desde a primeira metade do século, os trens (pode-se dizer que) transformaram freguesias que, até então, eram ruralizadas. O processo de ocupação dos subúrbios tomou, a princípio, uma forma linear, localizando-se as casas ao longo da ferrovia e, com maior concentração,  em torno das estações. Gradativamente, ruas secundárias (perpendiculares à via férrea) foram sendo abertas pelos proprietários de terras ou por pequenas companhias loteadoras, iniciando a um processo de crescimento radial; em lugares como Cascadura, pequenas olarias curtumes ou núcleos rurais transformaram-se em pequenos vilarejos e a atrair pessoas em busca de uma moradia barata, resultando numa considerável elevação da demanda por transporte, aumentando assim o número de composições e de estações. Até 1890, foi tamanha a demanda, que surgiram as estações de Engenho de Dentro, Piedade, Rocha, Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier, Mangueira, Encantado e, por último, Madureira.
    A modificação da infra-estrutura urbana mudava realidades de décadas. Grande rival de Botafogo como área residencial das classes abastadas, São Cristóvão beneficiava-se, na segunda metade do século XIX de vantagens que a estância balneária não possuía, como melhores fornecimentos de água e esgoto, além do status de morada da família imperial; mas, a medida em que a aristocracia nacional e estrangeira ocupava espaços botafoguenses e o Centro era procurado para o estabelecimento de indústrias próximas ao eixo ferroviário (escoamento de produtos do porto para o mercado), a importância de São Cristóvão para a elite diminuía. Seu nadir fora a difusão definitiva da ideologia que associava o estilo de vida “moderno à localização à beira-mar.
     Contrapondo-se às transformações rápidas ocorridas sob a égide do capital privado e do estado em áreas praticamente desabitadas da cidade, a forma urbana das freguesias centrais pouco se modificara, apesar da industrialização e das novidades viárias: a força de trabalho, baseada em escravos, libertos e trabalhadores pobres ocupavam inúmeros e insalubres cortiços da área. Manufaturas, casas comerciais, trapiches e estaleiros, além da imensa gama de empregos sem lugar fixo ocupavam toda a área central da cidade. A proliferação dos cortiços já preocupava as autoridades públicas, que os combatiam através de um discurso sanitarista³ . Em 1893, o então prefeito Barata Ribeiro empreendera verdadeira guerra aos cortiços, dentre os quais o célebre “Cabeça de Porco”, para cuja destruição fora necessário planejar todo um esquema policial-militar. Começava aí um processo de intervenção direta do estado sobre a área central da cidade, que viria a se intensificar sobremaneira a partir do início do século XX, e que seria responsável pelo aumento da estratificação social do espaço carioca.  
  

      
       
¹ NORONHA SANTOS, Francisco Agenor. Meios de Transporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typographia do Jornal do Commercio, 1934 vol 1, p.262
² SANTOS, Carlos Nélson Ferreira dos. Transportes de Massa – Condicionadores ou Condicionados? Revista da Administração Municipal, 24 (144), setembro/outubro, 1977, p. 25
³ Página 50 da apostila 6 desta matéria, segundo parágrafo em itálico – Pareceres sobre os meios de melhorar as condições das Habitações Destinadas às Classes Pobres. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886. Conselho Superior de Saúde Pública.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sociologia da Educação - Resumo para a P2






Aqui, Marx, Althusser,  Mészáros e Gramsci. Dentro em pouco, Bourdieu. E que São Mérida nos ajude, pessoas! "Simbora"!








SOCIOLOGIA  DA  EDUCAÇÃO



M  A  R  X:
A educação que recebemos tem por objetivo enquadrar-nos às expectativas do meio social em que vivemos – classe, profissão, meio moral. Karl Marx definiu a sociedade como um processo contínuo de lutas entre classes, especificamente entre os que detém os meios de produção e aqueles que vendem sua força de trabalho.
Como o proletariado não tem consciência de que é explorado, para Marx a educação, neste sentido, deve ser adaptadora e emancipatória, como um processo de transformação; o trabalhador necessita juntar o trabalho intelectual ao trabalho manual.


    “ A união entre o trabalho, instrução intelectual, exercício físico e treino politécnico elevará a classe operária”. Marx não era contra o Capitalismo, ele achava que, mesmo com desigualdades, era o melhor sistema. A ideologia é que era a verdadeira adversária do proletariado, pois beneficiava as classes dominantes sob a ilusória égide que se lutar, trabalhar e se esforçar, venceriam as dificuldades. Uma relação entre alienados: o que trabalha crê que o trabalho manual está distante do trabalho intelectual, enquanto quem emprega desconhece (em geral) todo o processo de produção.  

    Um indivíduo que vive sob essa sociedade percebe, no plano das idéias, como algo normal o mecanismo do sistema: o trabalhador acha normal que certas pessoas tenham que trabalhar em troca de um salário para sobreviver, reconhece no dono dos meios de produção a parte dirigente e o exercício do lucro sobre o trabalho de outrem (mais-valia); o conceito de burguesia e proletariado assentam-se na percepção das pessoas como elementos básicos da única sociedade tida no possível, tal como na era medieval e na era escravista antiga, seus contemporâneos achavam  essas sociedades as únicas viáveis, possíveis. Segundo Marx, a consciência sobre esse estado de coisas na era capitalista é a suprema ironia do Capitalismo, ou seja, o dominado pensa com a cabeça do dominador, que atua de forma coercitiva (burguesia sobre o proletariado) , fazendo-o ver a “lógica” por trás da realidade, do cotidiano alienante e massacrante.

    Para Marx, a educação deve ser libertária para que, de posse deste conhecimento, o proletariado reconheça o VERDADEIRO e COMPLETO fruto de seu trabalho, e não apenas uma compensação padronizada chamada SALÁRIO.

ALTHUSSER:
Segundo Louis Althusser, para manter o “status quo” da Sociedade, o Estado utiliza-se de aparelhos reguladores dos indivíduos: os repressores – polícia, tribunais, presídios, manicômios – e ideológicos – igreja, família, partidos, propaganda e escola. Segundo Althusser, a escola funciona como um aparelho ideológico do Estado, o mais importante deles, por incutir desde à tenra idade os valores próprios das classes dominantes até o momento em que se formam para o ingresso no mercado de trabalho como seres submissos às ordens dos dirigentes. Há um posto para cada um na divisão social do trabalho ocupando uma posição na hierarquia da sociedade, dividida em classes sociais, cada função atua em benefício da ordem social capitalista, transformados e equipados para reagir às exigências de suas condições de existência.

A escola reproduz as lógicas de produção capitalista, como condicionamento e premiação.
Os aparelhos ideológicos  de estado são agências sociais  de condicionamento e disciplina sem o concurso da força; esta se manifesta em última instância com os aparelhos repressivos do estado. A Igreja já foi o principal aparelho ideológico; mas, após 1889, o Estado, sendo laico, representaria a classe burguesa, fazendo do estado o seu instrumento.

MÉSZÁROS:

     No Capitalismo, as competências são forjadas pelos processos educativos para garantir o funcionamento das empresas e difundir os valores individualistas, consumistas, competitivos e hierárquicos que orientam o indivíduo no  cotidiano.  Segundo essa concepção crítica de Mészáros, a educação promovida pelos sistemas escolares produz e transmite saberes que, postos em prática pelos trabalhadores assim educados, contribuem para a reprodução ampliada do capital.

   A educação torna-se profundamente problemática para o sistema capitalista, pois desumaniza os seres humanos, subordinando o processo educativo à racionalidade da lógica competitiva por lucro e propriedade. Mészáros denomina esse processo de “interiorização”, seres alienados em seus sentidos físicos e mentais, preocupados individualmente com o ‘ter’ (posse de propriedades) em detrimento do cultivo do ‘ser’ (convivendo e desenvolvendo livremente seus sentidos originais).


   Mas, diferente das concepções althusserianas, que pontificam a ideologia capitalista como a definitiva forja para a elaboração dos padrões educativos, Mészáros apresenta uma perspectiva construtora de uma sociabilidade livre da alienação, diferente de observar a educação sobre o ponto de vista mercadológico (um serviço vendido no mercado como qualquer mercadoria). Em Mészáros, investiga-se a causa da construção deste modelo e as alternativas para sobrepô-lo, “para além do capital”. 




GRAMSCI:
Nascido na Sardenha em 1891, Antonio Gramsci levou ao extremo as concepções de Marx e Engels: “As idéias dominantes não são outra coisa senão a expressão ideal das relações materiais concebidas como idéias, ou seja, as relações que fazem de uma determinada classe a classe dominante são também aquelas que conferem o papel dominante às suas idéias”. 
    Fins do século XIX, as discussões sobre a promoção de uma generalização do ensino básico e a obrigação do Estado supostamente democrático em prover uma educação pública esbarrou num dilema para a burguesia: qual educação oferecer à classe trabalhadora? Gramsci apresentou seu parecer a esse impasse analisando a dicotomia atividade intelectual X atividade manual, refinando este raciocínio para o  similar educação cultural X instrução profissional.
   Uma escola gramscista proporcionaria ao educando o completo conhecimento de suas possibilidades, comum, única e desinteressada, ‘...que equanimize o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente e o desenvolvimento do intelecto...” . Gramsci sugeriu ainda que o modo unificado desse tipo de escola permeasse o estágio inicial de ensino, passando-se, então, à etapa especializada mais tarde, quando o indivíduo, já imbuído de ambas as vertentes, “...possa tornar-se um ‘governante’ e que a sociedade o ponha, ainda que abstratamente, nas condições gerais de poder fazê-lo [...]”.
      A prática deste modelo unitário dependeria da ampliação física, em si: de prédios, material científico e corpo docente. Afinal, a intensidade em que gravitaria essa modalidade de ensino – além das noções “instrumentais” de instrução, desenvolveria a parte relativa ao conhecimento do que seriam de fato ‘direitos e deveres’, além do conceito burguês – levaria à formação da chamada ‘escola-colégio’, com bibliotecas especializadas, salas para trabalho de seminários, dormitórios e refeitórios, pois a relação professor/aluno envolvendo a totalidade do que se necessitaria para forjar um indivíduo consciente, limitaria a formação de turmas reduzidas por professor. A proposta de escola unitária fundamenta-se na busca pela emancipação humana e pela aquisição de maturidade intelectual. E posto desta forma, Gramsci discordava do formato de ensino nos liceus (última fase escolar antes do ingresso na universidade, em sua época); uma vez que, na última fase de uma escola unitária, o indivíduo estaria desenvolvido a ponto de,”... com disciplina intelectual e autonomia moral, definir as indicações orgânicas para a sua orientação profissional” , a forma dogmática e autoritária dos liceus para ingresso nas universidades seriam desnecessárias e (de fato o eram) excludentes aos estamentos subalternos.


BOURDIEU:
Fundamentos:
   Afirmando que a escola não seria uma instância neutra na transmissão do conhecimento e não avaliaria os alunos em bases universalistas, o sociólogo francês Pierre Bourdieu, fugindo da linha marxista, aproximou-se de uma concepção antropológica de cultura – nenhuma cultura pode ser objetivamente definida como superior a outra. Por extensão, o mesmo ocorreria na escola, onde a cultura ali transmitida não seria objetivamente superior a nenhuma outra, não estando fundamentado em nenhuma verdade inquestionável. Apesar disso, a escola, em seu significado social, seria reconhecida como a única universalmente válida, legítima. A conversão de um arbitrário cultural em cultura legítima (escola) só se compreenderia quando se considerasse a relação entre os vários arbitrários em disputa em determinada sociedade e as relações de força entre os grupos ou classes sociais presentes nesta mesma sociedade. Para minimizar: a cultura escolhida/legitimada seria, basicamente, a imposta como legítima pelas classes dominantes.  
     E para que essa legitimação ocorresse, o caráter arbitrário e socialmente imposto desta cultura precisa ser ocultado. Ou seja, apresentar uma capa de neutralidade.
    Uma vez reconhecida como legítima, portadora de um discurso universal (não arbitrário), a escola (segundo Bourdieu) exerceria suas funções de reprodução e legitimação das desigualdades sociais sob essa mesma capa de neutralidade. A chamada “violência simbólica”: um processo de imposição dissimulada de um arbitrário cultural.
   Bourdieu baseou seus estudos no sistema educacional francês, que direcionava as classes mais pobres para uma educação de especialização técnica e as classes mais ricas para uma educação mais preparada para a universidade, de acordo com as notas.

As noções de capital segundo Bourdieu:
   O poder explicativo da noção de capital dissecada por Marx não é suficiente para compreender certos fenômenos sociais. Assim, Bourdieu amplia a noção para que se compreenda as trocas simbólicas existentes em outros campos, guardando alguma analogia com a economia na medida em que o capital é definido como recurso que rende alguns tipos de lucros para quem o possui.
   


    Para compreendermos o que Bourdieu chama de Mundo Social (e que conjuga estruturas, indivíduos, grupos, habitus e diversas modalidades de capital) devemos entender que para este autor o espaço social é composto por campos, os quais se compõe de diversas forças sociais atuantes, forças estas encarnadas nas estruturas e nos agentes.  A posição dos elementos do campo, ao contrário das teorias que pressupõe uma linearidade estrutural (como a teoria marxista, que pressupõe a existência de classes sociais), se apresenta definida pelo modo como estes se relacionam entre si, e que varia em função do volume global e da estrutura dos diversos tipos de capital (como capital cultural, econômico, simbólico, informacional...) de acordo com a natureza do campo em que tais relações se desenvolvem.  Por exemplo, em um campo que se pode chamar acadêmico, as regras de valorização dos indivíduos e estruturas se dá a partir da posse de capital cultural dos mesmos, em detrimento, por exemplo da posse de outro tipo específico de capital (como o capital econômico).
Deste modo o conceito de classes sociais perde totalmente o sentido, substituído porém por recursos de poder explicativo muito maiores, como por exemplo, a perspectiva que relaciona indivíduos, estruturas, habitus e tipos de capital com regras pertinentes a cada campo do mundo social.