sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Poder do Café e Vida Privada no Império - Brasil Império (P2)





Aqui, a primeira parte da matéria da P2 da Danny Crespo - falta pouco p'rá praia, moçada, vamos lá!


HISTÓRIA  DO  BRASIL  IMPÉRIO  -  P2

O PODER DO CAFÉ 
    A expansão cafeeira ensejou a opulência tão decantada pelos saudosistas do Império, mas que privilegiava apenas as elites, que habitavam o país ideal; o país real – o dos escravos, libertos e brancos pobres – não se beneficiara da pujança do café, produto ignorado até o início oitocentista mas que mudou (de todas as formas) a imagem do Brasil daquele período.
     Atribui-se a Francisco de Melo Palheta a introdução do café no Grão-Pará, em 1727, sementes vindas da Guiana Francesa; e, de fato, Belém já exportava o produto para Lisboa naquele século. Na sexta década do século XVIII surgem as primeiras notícias a respeito de seu cultivo nas cercanias do Rio de Janeiro, e a Tijuca seria, no início do século XIX, o local onde havia as maiores plantações, longe dos brejos e pântanos que haviam no centro carioca da época. A partir dali, o cultivo estendera-se para o Vale do Paraíba – que transformar-se-ia no maior produtor do Império durante quase todo o século XIX.
     A região era quase toda coberta por uma floresta virgem, com caminhos para tropas de muares rumo à região mineira no trecho ocidental, enquanto no oriental os indígenas dominavam a área. Alguns engenhos de açúcar, pousos para tropeiros que forneciam gêneros alimentícios para o Rio completavam a paisagem, pois os centros populacionais ativos estavam no litoral. A serra era praticamente abandonada.  A chegada da Família Real em 1808 deu um impulso enorme à lavoura cafeeira: Dom João beneficiou comerciantes e funcionários, concedendo-lhes enxurradas de sesmarias com o objetivo de ocupar as terras próximas à capital. Antigos mineradores também se estabeleceram às margens dos caminhos que ligavam o Rio às minas, além de gente ligada ao setor mercantil (alimentos e animais) que comercializava com a Corte. Progressivamente, o Vale transformara-se. Indivíduos investidos de títulos nobiliárquicos formaram grandes propriedades repletas de escravos e à medida em que as terras foram sendo ocupadas, um sem-número de indígenas foram dizimados com o aval da Coroa Portuguesa, pois era inadmissível, nos padrões europeus de cultura, a existência de seres humanos que não se preocupavam em acumular excedentes (isso, até hoje).
     Com a expansão cafeeira, os primeiros brancos, pequenos posseiros que viviam na região com suas lavouras de subsistência foram sendo expulsos da mesma forma que os indígenas, ou então se sujeitavam às ordens dos grandes proprietários, recebedores de sesmarias. Estas sesmarias só se concediam para quem dispusesse de trezentos a quatrocentos mil-réis, quantia bastante elevada para um pequeno fundiário. Logo após à posse, o novo (grande) proprietário tomava providências para despachar de suas terras os antigos posseiros contanto com as autoridades locais, que os consideravam elementos indolentes, preguiçosos.  Mas a verdade era outra: não era por causa da preguiça do caboclo a arbitrariedade dos poderosos, mas porque não era interessante para o governo apoiar um pequeno produtor que não veiculava sua produção para a exportação (quantidade); em geral, o pequeno posseiro tinha sua lavoura cafeeira e de subsistência para seu básico de sobrevida, não se inseria no sistema de plantation cafeeira.  A relação entre pequenos e grandes proprietários continuava tensa (pois os pequenos tinham o certificado de posse de suas terras e agarravam-se a ele para mantê-las) até que em 1850 o governo imperial baixou a Lei de Terras: rezava a Lei, que as terras que fossem compradas estariam garantidas DESDE QUE não fossem cultivadas como simples roçados, além de exigir o registro de propriedades irregulares e terminar com os mecanismos de distribuição de terras do Antigo Regime (posse ou doação). Abrira-se o caminho para a transformação das terras em mercadoria. Abrira-se o fim do pequeno produtor do Vale do Paraíba. Mas alguns desses pequenos posseiros ainda tiveram contato com suas herdades pelo sistema de compadrio – relações amistosas com os cafeicultores – virando cabos eleitorais em disputas políticas daqueles. Outros, dedicaram-se a produzir alimentos para as grandes propriedades e muitos foram mortos de forma violenta.


   VALE DO PARAÍBA   X   OESTE PAULISTA
A organização da cafeicultura fluminense prolongava a estrutura econômica herdada do período da colonização: a riqueza dos fazendeiros se media pelo número de pés de café e de cativos. Além de prestígio social que lhes assegurava, as peças de ébano ainda serviam para a obtenção de créditos e terra; afinal, numa fazenda cafeicultora, o item mais valioso no balanço imobilizado não era exatamente o café, mas o número de escravos da fazenda.
As técnicas rudimentares de cultivo (queimadas), o desinteresse em investir na melhoria das técnicas de produção, a abundância de terras virgens para o replantio quando do enfraquecimento e queda das colheitas iniciais, tudo isso contribuiu para que ocorresse a queda da cultura cafeicultora no Vale do Paraíba. O fim do tráfico negreiro em 1850, o gasto com artigos de luxo e compras de mais escravos (agora encarecidos pela queda da oferta estrangeira) levou o Vale do Paraíba à decadência e o Oeste Paulista à ascensão a partir de 1870, este com a gradual substituição da mão-de-obra escrava pela imigrante. O capitalismo em expansão carreou recursos para as regiões exportadoras de matérias-primas, investindo-se em setores de serviços e transportes (malha ferroviária até Santos), e em novas técnicas para o setor cafeeiro, que dispunha, inclusive, de um solo com uma terra vermelha de excelentes nutrientes, a terra roxa.  


A HEGEMONIA FLUMINENSE
No regime monárquico brasileiro (singularidade política no Novo Mundo), o Rio de Janeiro forjou-se com um padrão de comportamento que molda o país pelo século XIX e mais da metade do XX. No decurso dos oitocentos, dois quintos da população da província era de cativos, na cidade que se orgulhava de ser a única representante do ‘sistema europeu’ na América, retalhada por repúblicas. 110 mil dos 266 mil habitantes da urbe eram de escravos; por volta de 1840, quem chegasse no Rio sem saber, vindo de fora, acharia estar num porto ou cidade africana. Numa data em que o tráfico estava proibido há um ano, num censo realizado em 1849 mostrou um habitante em cada três do município havia nascido na África. 


SOTAQUE CARIOCA  E DIALETOS AFRICANOS
Nos anos 1870, metade da população masculina da Corte era estrangeira, vinda principalmente de Portugal. Ana Bittencourt, por volta de 1860, registrava que os baianos podiam distinguir a fala “bastante aportuguesada” do sotaque fluminense.  A imigração portuguesa que desembarcara no Rio dez anos antes colaborou para transformar a linguagem falada no Rio em linguagem mais apurada, escandida numa sintaxe e num vocabulário mais polido que apagava os regionalismos difundidos na imprensa provincial durante os debates políticos das revoluções regenciais. O português, misturados com línguas nativas, foi uma tônica no Norte e em algumas províncias ao sul, como São Paulo, cuja dificuldade em se exprimir nos fonemas inexistentes na língua tupi-guarani (rr, f e l, por exemplo), se mostra até hoje.
   

PAQUETES ENTRE O BRASIL E A EUROPA (marcação do tempo nos relógios)
Horas e minutos da regularidade diurna nos trópicos, cuja medida costumava ser aleatória e desnecessária aos luso-brasileiros, começavam a ser marcados passo a passo, de cebolão na mão, nas casas, fazendas, estradas, rios, portos do litoral. Com a inauguração de uma linha regular de navio a vapor (‘packets’, aportuguesado para paquetes, 28 dias exatos de viagem) entre o Rio de Janeiro e Liverpool, na Inglaterra,  o tempo imperial entra em sincronia com a modernidade européia. Chovesse ou fizesse sol, a linha mantinha o ritmo de seus vapores com uma pontualidade naturalmente britânica.  


CHEGADA DE PRODUTOS EUROPEUS MUDA O HÁBITO DA POPULAÇÃO
Pianos, fogões, instrumentos musicais: a sociedade tropical escravagista aos poucos incorporava hábitos e utensílios usados no Velho Mundo, com o ‘boom’ da Segunda Revolução Industrial e as rotas dos paquetes extremamente regulares; pouco se dá se, na proporção de 5 por 1, os produtos europeus (quase inteiramente industrializados) abarrotam os mercados de subsistência brasileiros ao passo que, na Europa, quando muito, sacas de café e gêneros primários aportam em poucas praças européias. Máquinas de costura, pianos, patins para gelo, burras de ferro, debulhadores de milho, mobílias; o piano tornou-se o feitiche da época, objeto de desejo dos lares patriarcais, um móvel aristocrático que inaugurava um novo cômodo nas casas oitocentistas: o salão, um espaço privado de sociabilidade que torna visível para os observadores selecionados,  a representação da perfeita vida familiar.


O 15 DE NOVEMBRO E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
Embora presente em alguns movimentos até anteriores à Independência, o republicanismo não criou raízes no Brasil até quase o final do século XIX; na realidade, nesses casos, o ideal republicano tendia muito mais a se constituir um meio para questionar o poder de Lisboa ou do Rio de Janeiro em nome duma proposta federalista que assegurasse maior autonomia para as províncias. Mesmo a Regência (1831-1840) fora tido em conta duma experiência republicana para alguns autores. Mas o temor à anarquia devido ás reivindicações de descentralização levou à opção pela ordem com a Maioridade de Dom Pedro II. 


A Guerra do Paraguai pode ser considerado o estopim do questionamento quanto aos rumos que a sociedade e a política brasileira tomava naquela segunda metade oitocentista; o Exército obteve duras porém significativas vitórias no conflito, e compunha seus quadros uma tropa formada por escravos libertos, escravos substitutos de senhores arredios, brancos e mestiços pobres, oficiais acabrunhados pela impressão que os sul-americanos faziam de sua sociedade escravagista e pela indiferença da arma em relação à Guarda Nacional – composta de componentes sem especialização militar básica – como força de defesa do país. A oficialidade, ao retornar da guerra, viu-se imbuída de participar dos destinos políticos da nação.

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