quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Renascimento Urbano na Idade Média







Eis aqui, a última peneirada do período: tudo de bom, moçada!









LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO
HISTÓRIA MEDIEVAL


O RENASCIMENTO URBANO




Enfim, o Mediterrâneo ocidental é libertado dos muçulmanos, graças a pisanos, genoveses, catalães e normandos; resulta disso um desenvolvimento das cidades costeiras italianas: Amalfi e Salerno, precursoras, são logo suplantadas em proveito inicial de Pisa e, em seguida, de Gênova e Veneza. Estas últimas encarregam-se da troca entre Ocidente e Oriente, beneficxiando-se dos privilégios monopolistas em algumas nações e impérios – como Veneza em Bizâncio e Gênova no Mar Negro, distribuindo produtos extremamente requiridos no Ocidente quase que com exclusividade, e revendem no norte da Europa. A metalurgia aumenta na Itália ao lado da invenção do tear horizontal, mais eficiente, facilitando a fabricação do tecido de lã, que enriquecerá Florença. Doravante, serão os italianos (denominados de “lombardos”) que atravessam cada vez mais os Alpés para vender seus produtos na França e na Alemanha.É o seu avanço que conduz a situar no centro da Europa a zona de trocas comerciais mais intensas, originando, assim, as feiras de Champagne. Produtos do norte e do sul são ali negociados entre as duas regiões comerciais mais ativas: Itália e Flandres. Feiras de periodicidades fraca, com frequência anual, semestral e, por vezes, trimestral, dotadas de privilégio pela autoridade controladora e estritamente controladas por ela.
O sinal do desenvolvimento das trocas nas feiras é manifesto pelo retorno da cunhagem do ouro, tentada com alguns príncipes após ser abandonada desde Carlos Magno e retomada com êxito pelas cidades italianas: o genovês, em 1252, o florim (Florença, que será modelo de muitas moedas européias no fim da Idade Média) e o ducado, de Veneza, em 1284.

O fenômeno da reafirmação urbana na Idade Média Central associa-se ao desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais; mas não devemos descuidar da presença das autoridades militar (condal ou principesca) e episcopal, que suscita a manutenção de uma corte numerosa e cria um efeito de atração.

As cidades do Ocidente conheceram um forte crescimento durante a Idade Média Central. De início, formam-se burgos em torno das muralhas antigas: símbolo da renovação urbana, eles dão o seu nome aos “burgueses”, até que seja retornado para designar o 'conjunto de habitantes da cidade', nada tendo a ver com o têrmo atual, pois neste contexto medieval ele incide sobre trabalhadores assalarados quanto para cavaleiros, que residem na cidade. O desenvolvimento dá lugar a um fenômeno adotado a gosto pela historiografia do século XIX, a formação das comunas. Erradamente, a concepção de liberdade atual difere em muito a daquele tempo, pois no mundo medieval, liberdade consiste em obter franquias urbanas – por exemplo, a isenção de direitos senhoriais, em especial sobre os mercados e pedágios, ou a possibilidade de cobrar taxas por sua própria conta – e privilégios, permitindo uma organização política autônoma (conselho e representantes eleitos), o exercício de uma justiça própria e a formação de milícias urbanas. As cartas de franquia são, muitas vezes, objetos de negociação sem violência entre mercadores, aristocratas e autoridade condal-ducal. Em outras partes, é o rei quem cede as cartas, mas com frequência ele se reserva o direito de nomear as principais autoridades municipais. A principal hostilidade à formação das comunas vem dos clérigos, e é onde o bispo conserva maior controle das cidades que o movimento leva mais facilmente ao afrontamento violento.

Fortemente hierarquizada, as cidades estão nas mãos dos mais ricos. As comunas do século XII são fruto duma conivência entre a aristocracia cavaleiresca e a elite dos mestres de ofício, ou seja, apenas um punhado de homens – derrubando o conceito também idílico de “democracia” das cidades medievais e seus governos. As famílias aristocráticas detém a posição de destaque na cidade, impõe o respeito pela força militar, impressionam pelos seus palácios, pela abundância de seus servidores domésticos, pelo fausto de suas festas e seus deslocamentos. E embora residam nas cidades, os aristocratas permanecem ligados ao mundo rural pelos seus bens fundiários, cuja gestão delegam a homens de confiança e pelos seus laços familiares ao associação política com os dominantes que controlam as aldeias e os castelos rurais.

É preciso considerar que, ao menos, nos séculos XII e XIII, o poder de alguns governos urbanos passe pelas mãos dos principais mercadores e mestres de ofício (na Itália, denomina-se esse estamento superior de popolo grasso, apoiado ao popolo minuto para afastar antigos aliados aristocráticos); afinal, mercadores e artesãos não formam um grupo à parte, separados dos aristocratas milites, pois eles estão amplamente misturados e se fundem, ao menos parcialmente, no seio de uma elite urbana que combina atividades artesanais e mercantis com reinvidicação de 'nobreza', espírito contábil e ética cortês. Alguns conflitos urbanos, a despeito de etiquêtas enganadoras, põem em confronto facções da elite embora distintas, sociologicamente muito próximas. E essas refregas acabam oferecendo um espaço ao popolo minuto. O verdadeiro poder é retido pelos ofícios mais influentes (joalheiros, cardadores ou fabricantes de peles) , excuindo os ofícios inferiores (açougueiros, pedreiros, carpinteiros e trabalhadores de couro). Algumas famílias chegam a encampar cargos municipais constituindo verdadeiras dinastias – como em Flandres, por exemplo – e apenas ao fim dos séculos XIII e XIV é que o popolo minuto dos ofícios inferiores adquire mais força, obtendo um espaço de participação no seio das instituições urbanas. Mas, ao fim da Idade Média, os popolo grasso retomam o controle.

As atividades produtivas das cidade medievais são organizadas em ofícios, cujos regulamentos detalhistas fixam as normas de produção, qualidade dos produtos, preços, salários e condições de trabalho. Distante de qualquer noção competitiva e capitalista que viria com o advento da racionalidade econômica dos setecentos, a exigência de qualidade, definida pelas normas dos ofícios, permanece mais importante que o aumento da produção; há uma preocupação com a maximização dos rendimentos e do tempo de atividade, investimentos limitados e as considerações não econômicas determinam largamente a utilização dos lucros – poupança para prevenção de crises, aquisição de terras, fundações piedosas, investimentos no além-túmulo.

Estado de espírito novo, a cidade é também, em alguns casos notáveis, uma atividade intelectual animada que se concentra em torno de escolas de catedrais, colégios e, mais tarde, universidades. Estas sustentam uma produção de livros manuscritos nos ateliês laicos que logo superam os scriptoria monásticos. A efervescência intelectual é tão intensa que toma facilmente a forma de discussões públicas que animam praças e ruas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BASCHET, Jerome. A Civilização Feudal – do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2012

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Aristocratas Versus Burgueses - páginas 27 e 28, e da 30 a 33 (P2)






O conteúdo peneirado da prova de História do século XVIII (Eduardo Afonso) - é hoje, futuros historiadores!








LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO
HISTÓRIA MODERNA - SÉC XVIII




ARISTOCRATAS VERSUS BURGUESES
A REVOLUÇÃO FRANCESA

T. C. W. Blanning


Nas páginas 27 e 28, constatamos que a origem dos filósofos era nobre: nomes respeitáveis do enciclopedismo vinham das melhores famílias francesas; outros eram parte de um grupo que dera as costas às suas origens através da compra de seu acesso à nobreza. L'Enciclopédie inclui uma grande proporção de nobres antigos e novos, um número surpreendente de clérigos e revela um entrecruzamento das classes altas e médias. A Enciclopédie não atraía os setores economicamente progressistas da sociedade francesa, mas os tradicionais: nobres, oficiais, advogados e clérigos. Segundo Robert Darnton, “Os leitores do livro provinham de setores sociais que mais rapidamente se desintegrariam em 1789”. Estudos sobre a atividade iluminista em dois dos principais centros de atividade – as academias provinciais e as lojas maçônicas – mostraram exemplos similares. De uma forma desigual mas muito ampla, os consumidores do Iluminismo estavam distribuídos de ponta a ponta na sociedade letrada. Nas academias, o índice de nobres e clérigos era substancialmente maior do que nas lojas maçônicas, reduto mais sólido de burgueses capitalistas, enquanto nas academias, a burguesia de profissionais liberais vicejava com maior ênfase.

Nas galerias de arte, desde 1730, o acesso baseava-se mais no mérito que na posição social, a nobreza progressista relacionava-se socialmente com plebeus num processo facilitado por uma educação comum aos escalões superiores, tanto dos nobres quanto burgueses - uma vez que compunham, ambos escalões, uma elite singular unificada pela opulência e capacidades (“notáveis”).

Páginas 30 a 33 => O Iluminismo atraía a maior parte das atenções da nobreza, era basicamente composta por ela e desenvolvia uma liberdade de ação do homem num ethos saudável e construtivo, “liberdade do homem moral de seguir seu próprio caminho”. Naturezas diametralmente opostas como as de Montesquieu e Rousseau encontravam-se nos princípios do Iluminismo. O que parece ausente nas linhas iluministas é o conceito de “igualdade”, pois os filósofos não eram igualitários, mas meritocratas – o suficiente para torná-los hostis aos privilégios de nascimento, mas compassíveis com as idiossincrasias aristocráticas. Algo que nos leva a crer que dificilmente o Iluminismo fosse hostil ao Antigo Regime como um todo ou mesmo aos interesses da nobreza, devendo-se condicionar este último à natureza do nobre em questão. A hostilidade de fato voltava-se mais para os abusos do Antigo Regime do que para a sua essência, e um espelho reluzente destes abusos era refletido para a Igreja Católica, mentora de privilegiados e grande trava na consciência humana. O despotismo dos fundamentos ideológicos do regime (baseado na Cristandade e no direito divino dos reis) fazia com que os filósofos permanecessem alienados ao governo, mas não à alta sociedade, a qual desfrutavam com todos os seus haveres e pensões – e olhando o Regime com um olhar cada vez mais crítico.

domingo, 10 de junho de 2012

A Origem da Revolução Industrial





O início da Revolução Industrial (no que tange à matéria de século XVIII) e a resposta dissertativa da frase da página 45 - tudo, Eduardo Afonso. É amanhã, povo!




LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO
HISTÓRIA MODERNA - SÉC.XVIII



PARA A PROVA 2 DO PERÍODO



ORIGENS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL



Frase da página 45, “Assim, a vantagem do mercado interno pré-industrial era sua dimensão e sua constância”: => A Revolução Industrial foi um crescimento acelerado decorrente de transformações econômicas e sociais. Mudanças que não levaram em conta a quantidade, mas a qualidade produtiva; do contrário, Birmingham seria o foco inicial do processo por ocasião de um século (1750-1850) de produção dinâmica porém nos moldes antigos, e hoje sabe-se que era Manchester que produzia por um modo obviamente revolucionário. Eliminemos as teorias que versam sobre algumas naturezas da origem: clima, geografia, mudança biológica, acidentes históricos. As pré-condições para a industrialização já existiam ou poderiam ser criadas facilmente na Grã-Bretanha. Não houve maiores dificuldades para a transferência de mão-de-obra de atividades não-industriais para as industriais, pois em meados dos setecentos seria muito difícil crer que houvesse um campesinato dono de terras no reino ou mesmo agricultura de subsistência. Substancial acúmulo de capital no país e dimensões suficientes incentivaram o investimento no progresso econômico; grande parte de homens de iniciativa detinham generosa parte dos equipamentos para tanto e outros poucos detinham os mesmos para ostentação ou outros usos alternativos. Não se exigira qualquer classe de homens cientificamente qualificados, apenas os de escolaridade simples familiarizados com mecanismos simples e dotados de habilidade em metal, mais praticidade e iniciativa.

Todo o segredo está na relação entre a obtenção de lucro e a inovação tecnológica.
Uma economia de iniciativa privada, ao contrário do que se imaginava quanto à inovação como tendência, só tenderá para o lucro. As revoluções das atividades econômicas só acontecerão se puderem multiplicar a margem habitual de qualquer lucro.
Mas num mercado pré-industrial não é esse o caso. Nele, os ricos exigem bens de luxo em pequenas quantidades mas com uma alta margem de lucro; e os pobres (os que estão inseridos na economia de mercado), que tem pouco dinheiro, são avessos a novidades e provavelmente estejam longe dos centros acessíveis aos produtores nacionais.
A industrialização transforma tudo isso, ao permitir à produção (dentro de certos limites) expandir seus próprios mercados, senão realmente criá-los. Não vamos aqui entrar em exemplos da época pioneira da industrialização para não estender o texto, mas sabemos que a produção em série de artigos baratos (vide Henry Ford e o 'Modelo T') pode multiplicar seus mercados, acostumar as pessoas a comprar produtos melhores do que os usados pelos seus pais e descobrir necessidades antes desconhecidas.

Efetuado esse prelúdio, voltemos à assertiva da página 45: no tocante à dimensão e constância, esbarramos em três necessidades imperiosas daquele momento histórico: bens de capital, transporte e alimentação. Problemas que hoje são graves em países subdesenvolvidos que alçam a industrialização eram brandos na Grã-Bretanha do século XVIII. Os transportes e as comunicações eram baratos, uma vez que nenhuma parte do país achava-se a mais de 112km do mar, e menos ainda de algum curso de água navegável. Havia uma pressão dos diversos fabricantes pela redução dos altos custos de transporte das mercadorias através do país e o investimento proporcionado pelo mercado interno neste setor certamente influiu para tanto: a construção de canais (por exemplo) reduzira o custo por tonelada entre Liverpool e Manchester em 80%, o que não é, definitivamente, pouca coisa.
É fato que a primeira onda revolucionária industrial devera-se com o advento da mecanização têxtil. Mas com a facilidade alfandegária nos transportes, a agilidade no mesmo e o número de trabalhadores afluindo ao momento industrial das cidades, as manufaturas alimentares competiam com as têxteis como fixadoras do ritmo da industrialização em regime de iniciativa privada – por mais pobres que sejam, todos comem, bebem e usam roupas. Além disso, os produtos alimentares são muito mais imunes à concorrência externa do que os têxteis, favorecendo futuramente um excelente pólo de exportação para países subdesenvolvidos.
Tido como o grande da industrialização britânica, o carvão passou para a condição de valioso bem de capital com o aumento das lareiras urbanas; curiosamente, a superioridade do carvão sobre o ferro na economia citadina inglesa devera-se à ineficiência da lareira britânica em comparação com o fogão (ferro) da Europa Continental. E um hábito arraigado da cultura inglesa solidificara a indústria do carvão em detrimento à indústria do ferro. Mesmo antes da Revolução Industrial, sua produção já podia ser medida em milçhões de toneladas, sendo o primeiro produto ao qual podiam ser aplicadas tais cifras astronômicas. A verdadeira revolução Industrial para o ferro e carvão juntos teve de esperar até que a era das estradas de ferro abrisse um mercado de massa, não somente para bens de consumo como para bens de capital.


Referências bibliográficas: HOBSBAWN, Eric J., Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. São Paulo: Forense Universitária, 2009.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O descobrimento do ouro e seu impacto na economia colonial

O descobrimento do ouro nas Gerais propiciou a ascensão da elite mercantil ao topo da sociedade colonial brasileira do século XVIII. E ao topo de todo o império português, também.









LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO
HISTÓRIA DO BRASIL COLONIA



O DESCOBRIMENTO DO OURO E SEU IMPACTO
NA ECONOMIA COLONIAL




O setecentos é uma época de novos equilíbrios na sociedade colonial da América portuguesa. Não seria nenhum exagero falar que, com o descobrimento do ouro no meio das montanhas do que seria chamado mais tarde de “Minas Gerais”, o Portugal-Metrópole era fatalmente dependente de sua colônia sul-americana. No seicentos anterior, Dom João IV, o rei bragantino da Restauração, já intitulara o Brasil como “a vaca de leite de Portugal”, o mesmo Portugal dilapidado pelas questões externas dos Habsburgos espanhóis e pelos acordos firmados com os Países Baixos para reconhecer seu senhorio sobre o Pernambuco açucareiro (ver mapa sobre as extensões das partes do Brasil nos períodos citados, 1709 - 1789).















Portugal e Espanha procuravam metais preciosos pelo interior da América do Sul desde o século XVI. Algumas descobertas no final dos quinhentos estimulara a Coroa de Madri a recriar a “Repartição Sul”, na tentativa de reproduzir nos domínios ex-portugueses a experiência da parcela espanhola americana; mas, no fim, o que prosperou de fato no período que vai até meados do século XVII fora a captura de índios. A mineração, embora existente, quase nenhum impacto provocou na economia colonial. Após a Restauração (1640), intensificou-se as buscas por conta do empobrecimento da Metrópole e da própria colônia: fracassos em 1658 e 1671 acabaram por estimular a fundação da Colônia do Sacramento (1680), em frente a Buenos Aires, como forma de se ter acesso à prata espanhola. E embora a Coroa não mais financiasse expedições para achar os metais preciosos, estimulava aos paulistas em troca de privilégios caso os descobrissem. Assim, no apagar do século XVII, descobrira-se as “minas do ouro”, e posteriormente denominadas de Minas Gerais.


Compreendamos os impactos provocados pela descoberta do ouro na sociedade colonial setecentista: os diretos, na economia; e os indiretos, no tempo e no espaço.

Os preços sofreram o primeiro impacto. Houve um forte aumento decorrente da mineração. A obtenção de escravos para a região sofre um acréscimo no preço de compra em até 200% na Bahia e 135% no Rio de Janeiro. Nessas mesmas regiões, a carne e a farinha de mandioca subira progressivamente até a década de quarenta daquele século. Com a passagem dos anos houve uma estabilização nos preços, e um mesmo produto em várias partes da América portuguesa variava muito, pois ainda não existia aquilo que chamamos hoje de um “mercado nacional”. Voltando aos escravos, a demanda subiu muito a ponto de se considerar o primeiro exemplo de um 'rush' migratório por conta da mineração nos tempos modernos.

O afluxo do ouro nas Gerais avolumou sobremaneira o tráfico de escravos, determinando um novo patamar nas relações comerciais atlânticas. Mas a expansão deste comércio de almas não era somente consequência da demanda gerada pelo ouro, também fora o resultado da utilização do ouro nos circuitos negreiros, criando uma expansão na oferta de cativos no litoral africano e modificando alguns cenários financeiros internacionais: Angola, por exemplo, tivera sua realidade econômica (baseada num dinheiro cunhado em cobre) bastante afetada com a enxurrada de ouro e prata luso-americana em seu mercado; na África Ocidental, uma rede de contrabandistas de ouro por escravos envolvia alguns dos maiores negociantes do Rio de Janeiro; e Lisboa, sede do império português, ficava parcialmente de fora deste eixo mercantil entre Brasil e África, uma vez que, mesmo com proibições incisivas do rei quanto ao comércio entre o Rio de Janeiro e a Costa da Mina, o mesmo prosseguia, até mesmo adquirindo cativos com comerciantes de outras nações européias, lá também fundeados para esse fim. A cidade carioca, que se tornaria ainda no século XVIII a capital da colônia (1763), paulatinamente ultrapassaria Salvador como o principal destino de escravos oriundos da África Centro-Ocidental.

Criada em 1680 , a Colônia do Sacramento, que viera ao mundo para tirar partido das proximidades da zona produtora de prata de Potosí, transformara-se numa das vias de contrabando do ouro das Gerais, numa troca com a prata espanhola: tanto um como o outro apossavam-se dos metais numa via clandestina farta e compensadora. Até mesmo para evitar reclames espanhóis quanto ao suspeito circuito de sua prata em terras luso-brasileiras, sugerira-se comprar a mesma no mercado negro e cunha-las como moedas provinciais – apenas para mostrar o ponto em que a riqueza dos diversos veios de metal do continente havia alcançado nos setecentos.

Até mesmo as naus da Carreira da Índia foram afetadas pela presença do ouro. No último terço do século XVII aproximadamente a metade das embarcações que iam do Oriente para Portugal faziam escala no Brasil para aumentar suas cargas e vender produtos orientais, e a Bahia era o ponto principal desta escala, pois a prioridade era encher os porões com o tabaco e o açúcar locais. Já no século seguinte, o ouro que chegava a Portugal possibilitara ao reino o acesso a recursos suficientes para garantir uma expansão mercantil sem a correspondente expansão produtiva.

O duplo significado do metal – como moeda e mercadoria – abria enormes possibilidades mercantis no interior do império. Desenvolvia as relações internas de mercado e gerava uma nova geografia econômica. Colonizava-se novas áreas, pouco ou nada integradas ao espaço colonial e, ocupando-se tais áreas, gerava eixo mercantil específico voltados para as regiões produtoras do minério e sistemas agrários destinados à produção de artigos primários para essas mesmas áreas. O Rio de Janeiro despontou como principal centro administrativo e econômico.
Embora a importância do ouro seja esmagadora nesse período, há uma certa relatividade nessa supremacia comercial, pois quando começa o processo de declínio da mineração no fim do século XVIII, não ocorreu uma crise na economia colonial, pois muitas culturas ainda sustentavam diversos setores e espaços geográficos do Brasil; por exemplo, a agropecuária instalada nas regiões das Minas estruturaram-se tanto para atender ao consumo do produtor como para produzir excedentes destinados ao mercado dentro (e fora) da capitania. E em regiões não-mineradoras, a produção de alimentos era um pressuposto para a existência das atividades de exportação. Essa estruturação teve um modelo significativo nas antigas áreas açucareiras do Rio de Janeiro, decadentes canaviais que souberam transitar para uma enorme produção de alimentos graças ao crescimento da população como a importância de seu porto, focos de uma população flutuante que precisava ser alimentada. Bahia e Pernambuco também tiveram a produção de alimentos de subsistência consideravelmente acrescida nesse período.

Por conta do poder obtido pelo ouro das Minas, todo um lucrativo circuito favorável ao Brasil acontecera naquela época. A colônia sul-americana ultrapassara Portugal no quesito econômico, a ponto de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, juntos, possuírem mais navios que toda a frota portuguesa. Sob o comando dos negociantes do Brasil, o comércio de panos asiáticos interligou diferentes áreas do Império português, colocando-as em rota de colisão com os administradores lisboetas. E era tal a inversão de papéis que os gerenciadores lusos diziam que “era a América portuguesa que representava o país dominante de Portugal, ao invés do contrário”.

Um novo perfil social dominante surgiu de dentro de toda essa fermentação: a elite mercantil. Mesmo que a sociedade colonial tenha surgido fortemente vinculada à atividade mercantil, a antiga elite senhorial, pelos mecanismos das redes clientelares de poder e sua simbologia espalhadas por todo o mundo luso, tinha sua preponderância política garantida. Além disso, a existência de um significativo mercado interno gerava eixos de atuação com agentes dedicados a eles de forma integral ou parcial, levando a participação da própria elite senhorial na mercancia. Mas a partir da primeira metade dos setecentos, essa elite mercantil começou a compreender o seu papel no contexto do império lusitano. Controladores do crédito e da mão-de-obra (escravos), os homens de negócio tinham acesso – por conta de adiantamentos cedidos a senhores de engenho ou contratadores de zonas auríferas – aos valiosos produtos coloniais, seja o açúcar, o ouro ou os escravos.

As relações entre a antiga elite senhorial e a nova elite mercantil foi bastante diversa em seus aspectos complicadores e facilitadores. Há respostas distintas em vários cantos da colonia que merecem cuidadosa análise.

Em Pernambuco, a tensão produzira um confronto direto entre a nobreza da terra e a elite mercantil: a elevação de Recife à condição de vila em 1709 resultou a chamada “guerra dos mascates”, não havendo a absorção, nem mesmo parcial, da elite mercantil pela antiga elite local. Na Bahia, ao contrário, os dois grupos uniram-se desde o século XVII, como se comprova com a conversão de grandes comerciantes em proprietários de terras e homens, seja via investimentos diretos, seja pelo casamento com filhas da tradicional elite terratenente. E no Rio de Janeiro foi, de certa forma, um meio termo entre os pólos. A tensão entre os grupos foi clara no início dos setecentos mas não houve disputas sangrentas como em Pernambuco e nem mesmo um fechamento do grupo antigo senhorial às negociações pelo poder. As duas concepções distintas de poder político (a elite senhorial forjada nas guerras contra franceses e tamoios e os grandes negociantes responsáveis pelo giro do comércio na principal encruzilhada do império português) disputavam o símbolo histórico de supremacia política do bem comum: a Casa da Câmara. No que pesem as diferenças, no entanto, em todos os casos, o desfecho teve grandes semelhanças: a elite mercantil tornara-se de forma irreversível a elite de fato da sociedade da América portuguesa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(baseadas em O Antigo Regime nos Trópicos, organizado por João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa)
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Os Homens de Negócios do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império Português, págs 73 a 105

FERREIRA, Roquinaldo. Dinâmica do Comércio Intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos, págs 339 a 377.          


quarta-feira, 6 de junho de 2012

Pernambuco Holandês (resumão do Evaldo)






Segue o texto liquidificado e peneirado sobre o período que antecede a Revolta dos Mazombos em Pernambuco (1666-1715). Vamos lá, povo da História!









LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO
HISTÓRIA DO BRASIL COLONIA

O PÓS-PERNAMBUCO HOLANDÊS
1 6 5 4 - 1 7 1 5


(...)Os vínculos coloniais entre Pernambuco e Portugal foram assim redefinidos a partir do papel exercido pela açucarocracia na liquidação do domínio holandês(...)” . A restauração sob a égide dos Bragança acontecera em pleno andamento das contendas entre os holandeses e os países ibéricos agora separados; a estrutura montada pelo aparato batavo em terras de Pernambuco ocasionara a ascenção de Recife – então capital do Brasil Holandês, com todo requinte nassoviano de direito – em detrimento à Olinda. O antagonismo entre os mercadores reinóis e a nobreza da terra pernambucana ganhara viço quando a Coroa, observando a pujança da comunidade mercantil que mantinha a antiga sede fundada por holandeses, seus monumentos civis, militares e religiosos, assentara-se ali graças à superioridade militar e comercial do sítio bem como o ponto de partidas e chegadas da frota lusa a serviço do Rei. Mesmo que, em 1663, a decisão real após a consulta ao Conselho Ultramarino fixara a transferência do governo da capitania em Olinda – pois, apesar de representar a fachada urbana de uma nobreza inteiramente ruralizada, mantinha duas instituições citadinas de inequivoca presença da autoridade imperial portuguesa, a Santa Casa de Misericórdia e a Casa da Câmara - , os agentes d'El Rei não tinham a menor intenção de se privar do conforto, dos recursos e da sociabilidade reinol que lhes podia oferecer a ex-capital do Brasil holandês, inclusive investindo pesado em sua manutenção.
Com isso, foram os pernambucanos solicitar ao Rei honras, mercês e cargos em troca de seu empenho na expulsão dos holandeses, “à custa de nosso sangue, vidas e fazendas”, revelando exemplos práticos que levou vassalos reinóis e ultramarinos a se constituírem em sujeitos políticos nas tessituras das redes de poder e negociações no império português. Os mesmos senhores de engenho que se endividaram com os sucessores de Nassau (WIC), já arruinados pela nova direção, terminaram por pegar em armas nas duas sedições dos Guararapes e na Campina do Taborda (1654) que formalizara a rendição holandesa. Mas a indenização aos Países Baixos fora parcelada em quarenta anos e saíra dos bolsos arruinados dos senhores de terras pernanmbucanos, somando-se a isso a baixa do preço do açúcar na Europa e a destruição dos muitos engenhos durante os conflitos. Entre 1654 e 1710, a dificuldade passada pela açucarocracia aumentara com a chegada paulatina de renóis ao Recife; vendo aqueles usufruírem de privilégios e honrarias cabíveis (segundo estes) apenas aos descendentes dos defensores da terra, promoveram uma insurreição por parte dos mazombos que geraria uma reação dos mascates recifenses, reprimida duramente pela Coroa (1711-1715), chamada geralmente de Revolta dos Mazombos.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CABRAL DE MELLO, Evaldo. Rubro Veio – O Imaginário da Restauração Pernambucana. págs 105 a 122. São Paulo: Editora Alameda, 2008.

BICALHO, Maria Fernanda, professora-adjunta da Universidade Federal Fluminense. Cidades e Elites Coloniais – Redes de Poder e Negociação. Rio de Janeiro: artigo da revista Varia História, nº 29, jan 2003.