sexta-feira, 30 de março de 2012

A Comuna de Paris - colaborações dos amigos (Hist.Contemporânea)







Abaixo, a colaboração de nossa colega Monica Santos: um artigo sobre a Comuna de Paris, texto de Peter Kropotkin, publicado pelo Prof. Luiz Arnaut, UFMG.








 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de História
Disciplina: História Contemporânea
Prof. Luiz Arnaut
Textos e documentos
A Comuna de Paris, 1871
Peter Kropotkin   (1)


No dia 18 de março de 1871, o povo de Paris levantou-se contra o governo que desprezava e
detestava e declarou que Paris era agora uma cidade independente, livre e dona do seu destino.
Essa derrubada do poder central aconteceu sem a costumeira encenação teatral que normalmente
acompanha as revoluções. Não houve tiros e o sangue não chegou a correr sobre as barricadas. Quando o
povo armado saiu às ruas, os governantes fugiram, as tropas abandonaram a cidade e os funcionários civis
refugiaram-se apressadamente em Versalhes, levando tudo o que podiam. O governo se evaporou como uma
poça de sangue estagnado em meio à brisa da primavera e no dia 19 de março Paris se viu livre da sujeira
que a havia maculado, sem que tivesse corrido quase nenhuma gota de sangue de seus filhos. Entretanto essa
mudança assim obtida deu início a uma nova era na longa série de revoluções pelas quais os povos
começavam a trocar a servidão pela liberdade. Sob o nome de “Comuna de Paris”, nasceu uma nova idéia
que havia de se tornar o ponto de partida para revoluções futuras.
Como acontece sempre, essa idéia não tivera origem no cérebro de um individuo isolado, nem era
fruto das reflexões de um filosofo. Ela surgiu do espírito coletivo, nasceu no coração de toda a comunidade.
Mas a princípio era algo vago e muitos daqueles que agiram e deram suas vidas para defendê-la não a viam
com os mesmos olhos com que hoje a vemos. Eles não percebiam o alcance da revolução que haviam criado
ou as possibilidades do novo conceito que acabavam de pôr em prática. Só depois é que começaram
lentamente a entender suas conseqüências. Só mais tarde, quando começaram a refletir sobre o novo conceito
é que ele se tornou mais claro e preciso e a beleza, justiça e importância dos resultados obtidos puderam ser
avaliados.
Durante os cinco ou seis anos anteriores à Comuna, o socialismo ganhara novo alento graças ao
rápido desenvolvimento da Associação Internacional de Operários. Em suas filiais regionais ou durante os
congressos que realizava, os trabalhadores da Europa se encontravam e trocavam idéias sobre a questão
social, algo que nunca tinham feito antes. Entre aqueles que percebiam que a revolução social era inevitável
e que se preparavam ativamente para vivê-la, surgiu um problema que deveria ser resolvido antes de
qualquer outro: O atual desenvolvimento da indústria forçará a eclosão de uma grande revolução econômica;
essa revolução abolira a propriedade privada, fazendo com que todo o capital reunido pelas gerações
pregressas passe a ser um bem comum a todos.
Após essas mudanças no sistema econômico, qual seria a melhor forma de organização política?
“Não poderá ser uma agremiação apenas nacional respondeu a Associação Internacional mas deve estenderse
além das fronteiras artificiais e de todos os limites naturais.” Logo essa idéia grandiosa apossou-se do
coração e do cérebro dos homens e, embora venha sendo perseguida desde então pelos esforços conjuntos de
reacionários dos mais variados tipos, permanece viva ainda hoje. E quando as vozes dos povos em revolta
tiverem removido os obstáculos que impedem o seu progresso, ela ressurgira mais forte do que nunca...
Mas ainda faltava descobrir quais deveriam ser os elementos que iriam compor essa gigantesca
associação. A essa pergunta, foram dadas duas respostas que expressavam duas correntes distintas. Uma
falava em estado popular; outra, em anarquia.
Os socialistas alemães defendiam a idéia de que o estado deveria apossar-se de todos os recursos e
riquezas acumuladas, distribuindo-as entre as associações de operários e mais, que estes deveriam tomar a si
as atividades de produção e comércio e, de uma maneira geral, todas as atividades da sociedade.
A isso os socialistas latinos, que tinham atrás de si uma grande experiência revolucionária,
responderam dizendo que seria um milagre se tal estado pudesse um dia existir, mas que, se isso chegasse a
acontecer, certamente ele acabaria por se tornar a pior das ditaduras. Esse ideal de criar um Estado todopoderoso
e bom é apenas uma cópia de algo que existiu no passado, diziam, e confrontavam-no com a idéia
de um novo ideal, a an-arquia, isto é, a abolição total do estado, um sistema em que todas as formas de
organização social, da mais simples à mais complexa, fossem obtidas através de federações livres, reunindo
grupos populares de produtores e consumidores.
Até mesmo os socialistas mais liberais admitiram que a anarquia sem dúvida representava um tipo de
organização bem superior àquela pretendida pelo estado popular. Mas, diziam eles, o ideal anarquista é algo
tão distante, que não podemos perder tempo com ele agora.
Ao mesmo tempo, a verdade é que a teoria anarquista necessitava de uma forma de expressão que
fosse clara e concisa, uma fórmula ao mesmo tempo simples e pratica, em que pudesse demonstrar suas
origens e incorporar suas concepções, onde provasse que era apoiada por uma tendência que já existia antes
entre o povo. Uma federação de associações operárias e grupos de consumidores que não levasse em conta as
fronteiras e se mantivesse independente em relação aos estados já existentes ‘parecia urna idéia demasiado
vaga: e mais, era fácil perceber que ela não poderia satisfazer totalmente a infinita variedade de exigências
humanas. Era preciso encontrar uma fórmula mais simples, mais facilmente compreensível, que tivesse uma
base firme e bem enraizada na vida real.
Se o problema se resumisse apenas a encontrar a melhor forma de elaborar urna teoria, poderíamos
dizer que as teorias, como teorias, não são assim tão importantes. Mas enquanto uma nova idéia não encontra
uma forma de expressão clara e precisa, a partir de fatos concretos, tais como eles existem na realidade, ela
não conseguirá apoderar-se da mente dos homens. Nenhum homem se animará a mergulhar no desconhecido
se não for animado por idéias positivas e claramente formuladas que lhe sirvam, por assim dizer, como um
trampolim quando chegar o momento.
Quanto a esse momento, será preciso que a própria vida o indique.
Durante cinco longos meses, Paris esteve cercada pelos alemães. Durante cinco meses, ela precisou
lançar mão de seus próprios ‘recursos vitais e de toda a força moral de que dispunha. Teve então idéia de sua
capacidade de resistência e percebeu o que ela significava. Percebeu também que o bando de tagarelas que
havia tomado o poder não tinha a menor idéia sobre como organizar a defesa da cidade ou sobre como
promover seu desenvolvimento interno. Viu um governo que se opunha a todas as manifestações de
inteligência daquela metrópole poderosa. Entendeu, finalmente, que qualquer governo é impotente para
proteger-se das grandes catástrofes ë incapaz de preparar o caminho para a evolução. Durante o cerco, a
cidade vira seus defensores, os operários, sofrendo as mais terríveis privações enquanto os ociosos se
regalavam em meio a um luxo insolente e, graças aos esforços do governo central, presenciara o fracasso de
todas as tentativas de acabar com essa situação escandalosa. E cada vez que o povo demonstrava sinais de
um desejo de libertar-se, o governo colocava novos grilhões na corrente. Essas experiencias fizeram com que
se chegasse naturalmente à conclusão de que Paris precisava libertar-se, tornar-se uma comunidade
independente, capaz de satisfazer sozinha todas as aspirações de seus cidadãos.
Mas a Comuna de Paris não podia ser mais do que uma primeira tentativa. Iniciada ao término de
uma grande guerra, espremida entre dois exércitos prontos a dar as mãos para esmagá-la, ela não se atreveu a
enveredar pelo caminho da revolução econômica. Não iniciou um processo de expropriação do capital ou de
organização do trabalho. Não soube ao menos avaliar os recursos da cidade. Também não conseguiu romper
com a tradição de um governo representativo, nem procurou realizar dentro da comuna, o mesmo tipo de
organização que, partindo do simples, chegas- se ao mais complexo, e que fora instaurada externamente pela
proclamação da independência da cidade e a livre associação das federações.
E no entanto, o certo é que se a Comuna de Paris tivesse durado mais alguns meses, ela teria sido
inevitavelmente levada pelas circunstâncias em direção a essas duas revoluções.
Não esqueçamos que a classe média francesa gastou quatro anos (de 1789 a 1793) em ações
revolucionárias, antes que conseguisse transformar a monarquia limitada numa república. Deveríamos pois
surpreender-nos ao ver que o povo de Paris não conseguiu ultrapassar de um salto a distância que separa uma
comuna anarquista de um governo de espoliadores? Além disso, não devemos esquecer que a próxima
revolução que, pelo menos na França e na Espanha deverá ser comunista, vai retomar o trabalho da Comuna
de Paris no ponto que foi interrompido pelos massacres da soldadesca de Versalhes.
A Comuna foi enfim derrotada e sabemos muito bem como a classe média se vingou do susto que o
povo lhe havia pregado ao tentar soltar as cordas que seus senhores mantinham em torno dos seus pescoços.
Isso veio provar que a sociedade moderna é, na verdade, composta por duas classes: de um lado, o homem
que trabalha e cede mais da metade daqui- lo que produz aos que detêm o monopólio da propriedade e que,
no entanto, parece indiferente aos males que os patrões podem fazer-lhe; de outro, o ocioso, o espoliador que
odeia o seu escravo e que está sempre pronto a matá-lo, como se ele fosse uma caça qualquer, um homem
animado pelos mais selvagens instintos sempre que vê ameaçada a sua propriedade.
Depois de ter cercado o povo de Paris e fechado todas as vias de saída, o governo soltou sobre eles
um bando de soldados embrutecidos pelo vinho e pela vida na caserna, homens que haviam sido
publicamente instruídos para “acabar logo com os lobos e suas crias”.
Depois dessa orgia louca, dos corpos empilhados após esse extermínio em massa, veio a vingança
mesquinha, o chicote, os ferros, os golpes e insultos dos carcereiros, a quase morte pela fome, enfim todos os
requintes da crueldade. Poderá o povo esquecer esses fatos?
Derrubada mas não vencida, a Comuna renasceu. Já não é mais um sonho dos vencidos, acariciando
na imaginação a bela imagem da esperança. Não! A comuna se tornou hoje o objetivo visível e definido da
revolução que ruge sob os nossos pes. A idéia penetrou fundo entre as massas, que a recebe com gritos de
entusiasmo. Contamos com a geração atual para fazer com que a revolução aconteça dentro da comuna, para
pôr um fim ao ignóbil sistema de exploração nas mãos da classe média, para livrar o povo da tutela do
Estado e iniciar uma nova era de liberdade, igualdade, solidariedade.
Dez anos nos separam do dia em que o povo de Paris derrubou o traidor que subira ao poder no
crepúsculo do Império; por que será que as massas oprimidas do mundo civilizado ainda hoje sentem uma
irresistível atração pelo movimento de 1871? Por que a idéia representada pela Comuna de Paris ainda
fascina os operários de todos os países? A resposta é fácil. A revolução de 1871 foi, antes de mais nada, uma
revolução popular, feita pelo próprio povo, surgindo espontaneamente da massa e nela encontrando seus
defensores, seus heróis e seus mártires. E exatamente por ser tão “baixa”, a classe média jamais pode perdoála.
E ao mesmo tempo, o que a tornava tão popular era seu caráter de revolução social, uma idéia certamente
um tanto vaga, talvez inconsciente, mas ainda assim um esforço no sentido de obter enfim, depois de séculos
de luta, a verdadeira liberdade, a verdadeira igualdade para todos os homens. Era o levante das camadas mais
baixas buscando a conquista dos seus direitos.
Muitas foram as tentativas feitas para mudar o verdadeiro significado dessa revolução,
representando-a como um simples esforço para retomar a independência de Paris e desse modo constituir um
pequenino Estado dentro da França. Mas nada pode ser mais falso. Paris não procurou se isolar da França,
nem muito menos conquistá-la pela força das armas; a ela não agradaria a idéia de permanecer encerrada
dentro de suas próprias fronteiras, como uma monja num convento: o que a inspirava não era o espírito
limitado do claustro. Se ousara reclamar sua independência, se tentara evitar a interferência do poder central
em seus assuntos, foi porque vira nessa independência uma forma de elaborar com tranqüilidade as bases da
futura organização política e de provocar uma revolução social dentro de seus próprios limites. Uma
revolução que teria alterado completamente todo o sistema de produção e troca, dando-lhe como base a
justiça; que teria modificado totalmente as relações humanas colocando-as em pé de igualdade; que teria
renovado a nossa moral social baseando-se na igualdade e na solidariedade. Para o povo de Paris, a
independência da cidade era apenas um meio, seu objetivo maior era a revolução social.
E esse objetivo poderia ter sido atingi-lo se a revolução de 18 de março tivesse seguido seu curso
natural, se o povo de Paris não tivesse sido trucidado pelos assassinos de Versalhes. A verdadeira
preocupação do povo de Paris, desde os primeiros dias de sua independência, foi encontrar uma idéia precisa
e clara, algo que pudesse ser facilmente entendido por todos e que resumisse em poucas palavras o que era
necessário para que a revolução se tornasse uma realidade.
Mas uma grande idéia não pode germinar num só dia, por mais rápida que seja a elaboração e a
difusão de idéias durante os períodos revolucionarios. Ela precisa sempre de um determinado tempo para que
possa desenvolver-se, para que penetre na massa, transformando-se finalmente em ação e a Comuna de Paris
não lhe deu tempo suficiente. Ela fracassou principalmente porque, como já observamos antes, há dez anos
atrás o socialismo passava por um período de transição. O comunismo autoritário e semi-religioso de 1848 já
não conseguia conquistar as mentes mais práticas e mais livres da nossa época. O coletivismo que tentará
juntar o sistema de salários com a propriedade privada era incompreensível, despido de atrativos e cheio de
falhas que dificultavam a sua aplicação na prática. O comunismo livre ou anarquista recém começava a
tomar forma no cérebro dos operários e ainda não tinha coragem de provocar as críticas daqueles que
defendiam o governo. Estavam todos indecisos. Os próprios socialistas, sem um objetivo definido em vista,
não se atreviam a lançar-se sobre a propriedade privada; eles se iludiam com a desculpa que já impedira a
ação de muitos outros em épocas anteriores: “Precisamos ter primeiro a certeza de que venceremos e só
depois será possível ver o que pode ser feito”.
Certeza na vitória! Como se houvesse alguma forma de criar uma comuna livre sem acabar com a
propriedade privada. Como se fosse possível vencer o inimigo quando as massas não estão diretamente
interessadas na vitória da revolução, percebendo que ela poderá trazer bem estar moral, material e intelectual
para todos! Eles tentaram consolidar a Comuna e só depois tratar da revolução social sem perceber que a
única forma correta de agir seria consolidar a Comuna através da revolução social.
O mesmo aconteceu com respeito ao conceito de governo. Ao proclamar a Comuna livre, o povo de
Paris proclamara também um princípio básico do anarquismo, ou seja, a derrubada do estado. Mas como o
conceito de anarquismo recém começava a surgir, não tardou para que fosse contido, e logo o velho princípio
da autoridade ressurgiu e o povo se outorgou um Conselho nos moldes dos conselhos municipais já
existentes.
Entretanto, se admitimos que a existência de um governo central que regule as relações entre as
comunas e algo totalmente desnecessário, por que deveríamos admitir que necessitamos dele para regular as
relações mútuas dos vários grupos que constituem a comuna? E se deixamos que as próprias comunas
diretamente interessadas decidam sobre as questões que interessam várias cidades ao mesmo tempo, por que
recusar esse direito aos vários grupos que compõem cada comuna? Assim como nos parece desnecessária a
existência de um governo fora da comuna, deveríamos também perceber a inutilidade de um governo dentro
dela.
Mas em 1871, o povo de Paris, que já derrubou tantos governos, recém fazia a sua primeira tentativa
de revolta contra o próprio sistema: conseqüentemente, deixaram-se levar pela admiração fetichista que os
governos inspiravam então e criaram o seu próprio governo.
O resultado todos conhecem. Paris enviou seus filhos mais dedicados para a Câmara Municipal. Lá,
perdidos entre pilhas de velhos documentos, obrigados a legislar quando o instinto lhes dizia que deveriam
estar agindo entre a massa, obrigados a discutir quando era necessário agir, a acomodar-se quando a melhor
política teria sido lutar e, finalmente, perdendo a inspiração que so e renovada pelo contato continuo com as
massas, eles se viram reduzidos à impotência. Paralisados pela distância que os separava do povo – o centro
e coração da revolução – eles próprios acabaram paralisando a iniciativa popular.
Assim, a Comuna de Paris, fruto de um período de transição, nascida sob a mira das armas
prussianas, estava destinada a desaparecer. Mas pelo seu caráter eminentemente popular. ela deu origem a
uma nova série de revoluções e pelas idéias que lançou tornou-se a precursora de todas as revoluções sociais.
O povo aprendeu a lição e, quando surgirem mais uma vez na França os protestos das comunas revoltadas,
ele já não esperara que o governo tome atitudes revolucionárias. Quando tiverem se libertado dos parasitas
que os devoram, tomarão posse de toda a riqueza social disponível de acordo com os princípios do
comunismo anarquista. E quando tiverem abolido totalmente a propriedade privada, o governo e o estado,
irão se organizar livremente, de acordo com as necessidades indicadas pela própria vida. Rompendo as
correntes, derrubando seus ídolos, a humanidade marchará em direção a um futuro melhor, desconhecendo
senhores e escravos e venerando ainda os mártires que pagaram com seu sofrimento e o seu sangue naquelas
primeiras tentativas de emancipação que iluminaram a nossa marcha pela conquista da liberdade.

(1) WOODCOCK, George (org.) Grandes Escritos Anarquistas. Porto Alegre, LP&M, 1977.


quinta-feira, 29 de março de 2012

Liquidificando e Peneirando - História Contemporânea







As Revoluções  -  A Era das Revoluções (Hobsbawm II)
(na dúvida, releia a apostila original de aula)





LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
(As Revoluções)



Por : Jorge Luiz da Silva Alves (UCAM/Santa Cruz – noite)


a) INCAPACIDADE DE CONTER A ONDA REVOLUCIONÁRIA (Propaganda / “contágio espontâneo) => Todas as potências que combateram os ideais da Revolução Francesa por mais de vinte anos, entre a queda da Bastilha e o Congresso de Viena (1815), foram incapazes de conter o curso da história. Mesmo os britânicos, que não simpatizavam com as monarquias reacionárias do continente europeu, nocivos ao seu desenvolvimento e expansionismo, mas que viam na expansão franco-jacobina uma poderosa concorrência político-financeira internacional.
Houve três ondas revolucionárias no Ocidente entre 1815 e 1848: a primeira, entre 1820 e 1824; a segunda, entre 1829 e 1834; e a terceira – e mais intensa de todas -, em 1848. Nunca houve nada tão próximo da 'primavera dos povos', um desenho nítido e de firmes traços do que seria uma revolução mundial do que essa época do século XIX, onde até as nações do Novo Mundo aproveitaram para se emancipar ao som da “Marselhesa” de Valmy.

b) O LEGADO DA REVOLUÇÃO FRANCESA - PADRÕES PARA VARIAÇÕES => A Revolução de 1789 determinou o padrão de insurreições européias contra os modelos conservadores pós-Waterloo/1815; e, ao contrário daquelas, estas foram intencionais, planejadas. A restauração monárquica que se seguiu após o Congresso de Viena era completamente inadequada às mudanças sociais cada vez mais rápidas, e as difusões das idéias revolucionárias uniram a Europa numa corrente subversiva de grandes proporções.
Essas correntes foram moldadas em vários modelos:
Liberal-moderado, ou se preferirem, da classe média superior e da aristocracia liberal (ou como no livro de T.C.W.Blanning ,[aula de História do Século XVIII, Eduardo Affonso], uma variante dos “notáveis”) ;
Democratas-Radicais ( ou os da classe média inferior, parte dos novos industriais, intelectuais e pequena nobreza descontente);
Socialista (“trabalhadores pobres”, novas classes operáriais industriais).
c) A MOBILIZAÇÃO NÃO SE DEU POR GRANDES CONSPIRAÇÕES => Inicialmente, a onda de insurreições ocorridas nos períodos acontecera ao sabor de minúsculos grupos de ricos e de pessoas cultas; os pobres que estavam conscientemente na esquerda aceitavam os slogans revolucionários da classe média, embora em sua versão radical-democrata do que em sua versão moderada, mas ainda sem um certo tom de desafio social. Todos os revolucionários consideravam-se, com certa justiça, pequenas elites de emancipados e progressistas atuando entre – e para o eventual benefício de – uma vasta e inerte massa do povo ignorante e iludido.

As revoluções de 1830 mudaram a situação inteiramente. A política e a revolução de massa com base em 1789 tornaram-se possíveis, deixando cada vez mais de lado a dependência das irmandades secretas na instigação desses eventos. Exemplo foi a queda dos Bourbons na França, típica combinação de crise do que se considerava a política da monarquia restaurada e de intranquilidade popular devido à depressão econômica.
Anteriormente, em alguns levantes, como os do 'carbonarios', as irmandades estavam sempre à sombra, secundando e motivando alguns movimentos com seus rituais altamente coloridos e uma hierarquia derivada ou copiada dos movimentos maçônicos. Uma onda de insurreições 'carbonárias' ocorreu em 1820-21, fracassando na França e tendo êxitos temporários na Itália e na Espanha e também na Rússia.
Outro veio possível para 1830 foi que com o progresso do capitalismo, o “povo” e os “trabalhadores pobres” - ou seja, os homens que construíram as barricadas – podiam ser mais identificados com o novo proletariado industrial (classe operária). E este ano também introduziu uma cisão na política de esquerda, separando moderados de radicais, criando uma nova situação internacional: não só segmentos sociais, mas nacionais.

d) QUE ONDA ESTAVA DISPOSTA A PAGAR O PREÇO DA REVOLUÇÃO SOCIAL? => Talvez a pergunta não seja essa, e sim: “Estaria a base da nova pirâmide social preparada para conquistar sua liberdade?” . O descontentamento dos pobres por toda a Europa Ocidental era flagrante, movimentos socialistas eram visíveis nos países da revolução dupla, Inglaterra e França. Os camponeses e a classe operária eram os novos sinais de perigo para o sistema moderado-conservador que conduzia os destinos das nações européias. A questão da revolução social dividira os radicais da classe média: a pequena burguesia descontente deste grupo simpatizavam com os pobres contra os ricos, assim como pequenos proprietários simpatizavam com os ricos.
e) CARÁTER EXPLOSIVO DO CAMPESINATO => longe dos centros pioneiros das revoluções sociais, o problema era bem maios sério: a baixa nobreza rural e os intelectuais descontentes eram o centro do radicalismo local, e as massas eram o campesinato. E um campesinato internacionalizado – eslavos e romenos na Hungria; ucranianos na Polônia Oriental; eslavos em partes da Áustria. Um campesianto sem quaisquer modernizações das áreas interioranas, vivendo ainda em regimes próximos à servidão. E, uma vez atingido o estágio de atividade, de alguma forma as exigências desse campesinato teriam de ser satisfeitas, pelo menos onde os revolucionários lutavam contra o domínio estrangeiro; pois, se eles não atraíssem os camponeses para seu lado, os reacionários o fariam. E os reis legítimos, imperadores e as igrejas já possuíam nesas regiões uma vantagem tática: camponeses tradicionalistas confiavam mais neles do que nos senhores de terras, e em princípio ainda aguardavam que eles fizessem justiça.
Para resumir ainda mais esse trecho da apostila II hobsbauana, os radicais da Europa subdesenvolvida nunca resolveram eficazmente o seu problema, em parte devido à relutância dos que os apoiavam em fazer adequadas concessões ao campesinato, em parte devido à imaturidade política dos camponeses.

f) CARACTERÍSTICAS COMUNS DA 2ª E 3ª ONDAS => Em primeiro lugar, eles continuaram sendo em grande parte organizações miniritárias de conspiradores da classe média e intelectuais, frequentemente exilados ou limitados ao mundo relativamente pequeno dos letrados. Em segundo lugar, eles mantiveram um padrão comum de procedimento político, de idéias estratégicas e táticas, etc., derivadas da experiência/herança de 1789, e um forte sentido de unidade internacional.
Um fator acidental que reforçou o internacionalismo de 1830-1848 foi o exílio. A maioria dos militantes políticos de esquerda continental foram expatriados durante certo tempo, muitos durante décadas. Nos centros de refúgio – poucas zonas, como a França, Suíça, Grã-Bretanha e Bélgica – os emigrantes se organizavam, debatiam, discutiam, frequentavam-se e denunciavam-se uns aos outros e planejavam a libertação de seus ou outros países. Um destino e um ideal uniam estes expatriados e viajantes. A maioria deles enfrentavam os mesmos problemas de pobreza e vigilância policial, de correspondência ilegal, espionagem e do onipresente agente provocador.
Nem sempre eles se admiravam ou se aprovavam mutuamente, mas se conheciam e sabiam que seus destinos eram os mesmos. Juntos, prepararam-se e esperaram a revolução européia, que veio – e fracassou – em 1848.


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segunda-feira, 26 de março de 2012

Resumo bem resumido do Capítulo X - Paris no Tempo do Rei Sol







Apenas para seguir, com a apostila em mãos; uma compreensão por alto do que foram aqueles tempos.


Abraço!






LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO

                                       Por: Jorge Luiz da Silva Alves.


                        HISTÓRIA DO SÉCULO XVIII
                        PARIS NO TEMPO DO REI SOL



Com frequência, veremos a citação de um episódio que, embora não fosse relevado em aula, foi de extrema importância para o desenvolvimento do Absolutismo francês: Fronda. E não é para menos. A origem da força absolutista veio basicamente desta revolta de nobres, (1648) revoltados com o então primeiro-ministro francês, o cardeal italiano Giulio Mazzarino; sob o pretexto de ajeitar as finanças francesas após o fim da Guerra dos Trinta Anos, o cardeal – que já era odiado pela maioria dos franceses por ser estrangeiro em posição de poder, outorgado pela mãe de Luis XIV, a rainha Ana – impôs uma taxa aos membros do Parlamento (em sua maior parte composto pela nobreza e alto clero) que não só recusara-se a pagar como anulara todos os editos promulgados por Mazzarino. E começou a revolta chamada Fronda; não só nobres, mas mesmo príncipes de sangue real participaram desta verdadeira caçada à Mazzarino e à família real que deixou o governo e os membros deste governo sem quaisquer perspectivas de segurança. Desconfianças, atentados, reuniões infrutíferas entre os beligerantes e, após muito ir-e-vir, Mazzarino saíra-se vitorioso. E muito mais fortalecido.

Nesse tempo, Luís XIV subira ao trono. Mazzarino ainda cuidaria dos negócios de Estado até sua morte, em 1661, quando Nicolas Fouquet, ministro das finanças, era aguardado como novo primeiro-ministro. Porém, sérias denúncias de enriquecimento ilícito e má administração do erário régio levaram Fouquet não ao governo mas aos tribunais, por Jean-Baptiste Colbert, um dos pilares do Mercantilismo francês e europeu. A partir daí, Luis XIV decidira centralizar as decisões dos poderes do reino em sua pessoa, diminuindo progressivamente o poder das mais poderosas famílias da nobreza francesa, reduzindo homens que fizeram reis tremerem a meros cortesãos palacianos. Colocou membros da burguesia como funcionários do governo, para evitar novas Frondas. Colbert passou a ser seu superintendente de finanças, e o próprio rei decidiria tudo enquanto fosse vivo.

O Absolutismo entrava em seu estágio máximo.


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CAPÍTULO X - POLÍCIA, JUSTIÇA E DELINQUÊNCIA

(Página 235 a 237)

Fechando cada vez mais a esfera de mobilidade dos estamentos, Colbert, em nome do Rei Sol, suprimira os diversos tribunais que atediam diversas categorias sociais. Reunidos no Grand-Châtelet, eram dirigidos por um tenente-general de polícia, que, na verdade, deliberava muito mais sobre os desvalidos do que qualquer outra categoria que já tivesse seus meios judiciais próprios de apelação.

(Página 237 a 239)

Não foram poucas as vezes que esses intendentes de polícia amenizaram as ordens reais de punição para as camadas inferiores estamentais. Porém, o monarca mostrava-se indulgente com os de sua classe e com membros da Casa Militar, muitas vezes com provas reais de culpabilidade. A população parisiense vivia dias de minuciosa vigilância pelas autoridades policiais. Porém, via-se uma relativa segurança (decorrente de tanta monitoração) e razoável profilaxia urbana , principalmente após a Fronda;

(Páginas 240 a 242)

Sucessivas ondas de fome assolaram a França; a massa miserável de Paris, junto com soldados dispensados e uma incontável ralé vinda das províncias afluíam à “Capital do Rei Sol”, na esperança que as migalhas do faustio cortesão chegassem-lhes às mãos. O Procurador Real tomava medidas duras para conter os excessos provenientes da situação. Singular é a passagem de um caso em que um burguês endinheirado protestara em alta voz pelo encarecimento do trigo. Condenado ao chicote e ao desterro, o intendente de polícia teria abafado o caso com base na situação financeiro-social do condenado. Entretanto, muitos burgueses, soldados e várias pessoas de posição cuidavam de muitos desvalidos, impedindo que as autordades conduzissem-os ao famigerado “Hospital Geral”.

( Página 243 a 245)

Embora a lei só permita o andar armado entre a fidalguia e os militares da ativa, uma boa parte da população – sobretudo os mais pobres – protegiam-se como podiam. Milícias burguesas desfilam armadas pelas ruas. Mas uma boa quantidade de militares dispensados após às guerras e revoluções formavam bandos de delinquentes difíceis de controlar pelo poder público. Abusos de militares eram cometidos, especialmente, contra os burgueses; não raro, provocações de praças armadas contra qualquer pessoa não nobre, e não raro eram rapidamente perdoados ainda mais se fossem oficiais.

(Página 249 a 250)

As prisões eram arbitrárias; muitos definhavam nos cárceres por causa de dívidas ou mesmo por autoria de delitos de apenas 24 horas de detenção – mas que podia, simplesmente, ser esquecido ali dentro. As condições de manutenção dos prisioneiros era abominável, mas o superintendente Colbert não se esforçava para mudar o que fosse de tal situação. (*)

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(*) = carece de mais leitura da apostila.



domingo, 25 de março de 2012

Aula de História Contemporânea, apostila Hobsbawm I: A Era Das Revoluções









A primeira resenha da apostila 1 de História Contemporânea (Danielle Crespo); a segunda sairá na quinta-feira, antes da aula à noite.


Abraços a todos, bom fim de domingo.



HOBSBAWM, Eric J., A Era das Revoluções (Europa, 1789 – 1848), cap. 3, 16ª Edição Revista. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2004


Resenhado por: Jorge Luiz da Silva Alves, terceiro período de História, UCAM/Santa Cruz


A estruturação político-financeira da Europa do século XIX fora pautada pelas linhas nada tortuosas das revoluções inglesa e francesa: a primeira, o explosivo econômico que rompeu com vários modelos tradicionais do mundo não-europeu, com suas ferrovias e fábricas; a segunda, com sua política e ideologia revolucionária, de propostas liberto-igualitárias.

Mas foi a França Revolucionária de 1789 quem fornecera o vocabulário e os temas da política liberal e radicalmente democrática para a maior parte do mundo. O final do século XVIII foi uma época de crises para os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos. Uma revolução social de massa e a única, de todas as revoluções contemporâneas, de caráter ecumênico. As idéias dos fisiocratas e iluministas que tanto fermentaram os princípios das novas forças sociais ascendentes não eram assim, tão inéditas; tiveram ampla difusão nessa época entre os chamados “déspotas esclarecidos”. Mas na maiorias dos domínios desses “déspotas” essas reformas eram inaplicáveis e, portanto, meros floreios teóricos incapazes de mudar o caráter geral de suas estruturas político-sociais, que também fracassaram por força da resistência dos aristocratas locais e de outros interesses estabelecidos, deixando o país recair numa versão um pouco mais limpa do seu antigo Estado. E na França, especialmente, fracassaram mais rapidamente do que em outras partes pois a resistência dos interesses estabelecidos era mais efetiva.Tanto que Turgot, economista fisiocrata alçado ao comando das finanças do Estado, lutou por uma exploração eficiente da terra, comércio e empresa livres e uma administração padronizada e eficiente em todo o país, mas fracassou por conta das resistências e interesses supracitados. Tudo era uma questão (infelizmente, para a monarquia, nobreza e o alto clero) de tempo, pois as forças da mudança burguesa eram poderosas demais para cair na inatividade. Elas simplesmente foram transferidas de uma monarquia esclarecida para o povo ou a “nação”.

A centelha que servira para explodir o barril de pólvora francês foi a chamada “reação feudal”, como foi discutido no último parágrafo. A nobreza fora destituída de sua independência política e responsabilidades governamentais com o fortalecimento da monarquia absolutista e sua gradual preferência pelos homens da classe média nas posições estratégicas da administração estatal. À nobreza, tudo que restara na prática (salvo detalhadas exceções) foram as rendas de suas propriedades, o privilégio da isenção de quaisquer impostos, entre outras formalidades que oficialmente impediam-nos de possuir profissão. Em sua esmagadora maioria, eram homens de etiquêta e tradição, não preparados para administrar a máquina pública; mas no século XVIII eles invadiram os postos oficiais que a monarquia preferia ocupar com os da classe média. Isso na capital e centros urbanos pois, nas províncias, os cavalheiros de poucos recursos e posses (se comparados aos parisienses) extorquiam pesadamente o campesinato. No fim das contas, a nobreza exasperava não só a pequena burguesia e a classe média alta como também o camponês.


Muito se justificara sobre a exorbitância dos gastos da Corte como a pedra angular da crise que levara à França à revolução. Mas foi provado que a extravagância de Versailles significavam, em 1788, apenas 6% dos gastos totais do erário francês. As guerras e o serviço da dívida sobre elas, levavam mais de ¼ das finanças públicas ralo abaixo, partindo a espinha da monarquia. Sobretudo duas delas, a Guerra dos Sete Anos e a Guerra da Independência Americana (ambas contra a Inglaterra).

A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado, nem contou com “líderes” como as revoluções do século XX. O que deu ao movimento uma unidade efetiva foi um surpreendente consenso de idéias gerais entre um grupo social bastante coerente, chamado “burguesia”. Suas idéias eram as do liberalismo clássico, conforme formuladas pelos “filósofos” e “economistas” e difundidas pela maçonaria e associações informais.Pode-se dizer, com justiça, que os “filósofos” são os responsáveis pela Revolução. Ela até poderia ocorrer sem eles; mas eles provavelmente constituíram a diferença entre um simples colapso de um velho regime e a sua substituição rápida e efetiva por um novo.

O burguês liberal clássico de 1789 – assim como seria o liberal de 1789-1848 – não era exatamente um democrata mas sim um devoto do constitucionalismo, um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de contribuintes e proprietários. E as exigências do burguês foram delineadas na famosa Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, um documento que é um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática. “Os homens nascem e vivem livres perante as leis”, mas neste mesmo documento ela prevê a existência de diferenças sociais, ainda que “somente no terreno da utilidade comum”. Vários são os pontos da famosa Declaração que exprime, além da vontade geral do “povo”, o interesse de uma determinada faixa estamental.

Os últimos anos da década de 1780 tinham sido, por uma complexidade de razões, um período de grandes dificuldades para a economia francesa. Além da extorsão progressiva do campesinato pela nobreza provinciana, as más safras e um inverno muito rigoroso tornaram a crise mais aguda. A maioria dos homens em suas insuficientes propriedades tinham provavelmente que se alimentar do trigo reservado para o plantio ou então comprar cereais a preços fome pelos grandes produtores. Obviamente, as más safras faziam sofrer os pobres das cidades, cujo custo de vida podia duplicar por conta das intempéries. O empobrecimento do campo reduzia o mercado de manufaturas e portanto também produzia uma depressão industrial. Os pobres de interior viravam-se para os distúrbios e o banditismo e os da cidade desesperavam-se pois o trabalho cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente.

Somemos as coisas e concluamos: uma grande convulsão no reino mais uma extensa campanha de propaganda e eleição dos “esclarecidos”deram ao “povo” uma perspectiva política. Apresentava-se, assim, a tremenda e abaladora idéia de se libertar da nobreza e da opressão. Uma onda de pânico em massa e os levantes provincianos mergulhou o país no que se convencionou chamar de O Grande Medo (Grande Peur), entre julho e agosto de 1789. Nesse período, a estrutura do feudalismo rural francês e a máquina estatal da França Real viraram escombros, destroços. Uma dispersão de regimentos pouco confiáveis, uma Assembléia Nacional sem força coercitiva e uma multiplicidade de administrações municipais ou provincianas de classe média (criadoras das diversas “Guardas Nacionais”burguesas, seguindo os moldes parisienses) foi o que desenhou o mapa político da França Revolucionária de então. E a peculiaridade da Revolução Francesa é que a facção da classe média liberal que estava pronta a continuar revolucionária até o limiar da revolução antiburguesa era a dos Jacobinos, cujo nome veio a significar “revolução radical” em toda parte. Isso porque a burguesia francesa ainda não tinha o que temer da própria Revolução; depois de 1794 ficaria bem claro que os jacobinos levaram a Revolução longe demais para os objetivos e comodidades burgueses. Os Jacobinos podiam sustentar o radicalismo pois, à época, ainda não existia uma classe que fornecesse uma solução social coerente como alternativa à deles. E quem poderia servir para tanto seriam os “sansculottes um misto de trabalhadores pobres, pequenos artesãos, lojistas, artífices, pequenos empresários, etc. Organizados nas “seções” de Paris e nos clubes políticos locais, foram a principal força de choque da Revolução, manifestantes, agitadores, construtores de barricadas que, através de jornalistas como Marat e Hébert, e de porta-vozes locais, eles eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava expressar os interesses da grande massa de “pequenos homens” existentes entre os pólos do “burguês” e do “proletário”, mais para o segundo que para o primeiro pois eram em maioria, pobres de fato. Longe de ser também aquela solução social coerente, os sanculottes não conseguiram realizar o dourado ideal de pequenos fazendeiros e artífices não perturbados por banqueiros e milionários; mas conseguiram erguer obstáculos preciosos à sua passagem na conquista do poder, dificultando o crescimento econômico francês daquela época e décadas depois.

Quando um leigo instruído pensa na Revolução Francesa, são os acontecimentos de 1789, especialmente a República Jacobina do Ano II , que vêm à sua mente. Robespierre, Danton, Saint-Just, Marat, o Comitê de Salvação Pública, o tribunal revolucionário e, principalmente, a guilhotina, são as imagens que vemos mais claramente. Para um francês daqueles tempos, o da sólida classe média que estava por trás do Terror, ele não era nem patológico nem apocalíptico: era, sobretudo, o único método efetivo de preservar seu país. Inimigos invadiam a França por todos os lados, o país achava-se desamparado e falido. Quatorze meses depois, toda a França estava sob controle, os invasores foram expulsos, os exércitos franceses ocupavam a Bélgica e estavam próximos de iniciar um período ininterrupto e fácil de vinte anos de vitórias militares (Napoleão). Para a maioria da Convenção Nacional (que detinha o controle político durante todos aqueles meses), a escolha era simples: ou o Terror – com todos os seus defeitos do ponto de vista da classe média – ou a desintegração do país. Fácil deduzir a escolha, pois as perspectivas da classe média francesa dependiam de um Estado nacional centralizado, forte e unificado. E como a Revolução, que criara os têrmos de “nação” e “patriotismo”, abandona-los-iam?

A primeira tarefa do regime jacobino foi mobilizar o apoio da massa contra a dissidência dos notáveis e girondinos provincianos e preservar o já mobilizado apoio da massa dos sansculottes de Paris. Uma nova Constituição um tanto radicalizada, e até então retardada pela Gironda (ala revolucionária mais moderada) foi proclamada. Foi a primeira constituição genuinamente democrática proclamada por um Estado moderno. Os jacobinos aboliram sem indenização todos os direitos feudais remanescentes, aumentaram as oportunidades para o pequeno comprador adquirir as terras confiscadas dos emigrantes e – meses mais tarde – aboliram a escravidão nas colônias francesas. Estabeleceram em França essa inexpugnável cidadela de pequenos e médios proprietários camponeses, pequenos artesãos e lojistas, economicamente retrógrados mas apaixonados pela Revolução e pela República, o que condenou a um longo anonimato todos os grandes negócios como os movimentos trabalhistas. A aliança de jacobinos e sansculottes no centro do governo inclinou-se, portanto, para a esquerda. A perda de Danton e a adoção salvadora de Maximilien Robespierre foi o sinal desta inclinação. Fanático, frio e com seu senso excessivo de monopolizador da virtude, Robespierre é o único indivíduo projetado pela Revolução sobre o qual se desenvolveu um culto. Seu poder era o do povo, as massas parisienses; ele não possuía poderes ditadoriais, era apenas um membro do Comitê de Salvação Pública, um mero subcomitê da Convenção. Quando as massas o abandonaram, ele caiu. O constante silvo da guilhotina lembrava a todos que, naquele período sangrento, ninguém estava a salvo. Por volta de 1794, tanto a direita quanto a esquerda tinham ido para a guilhotina, e os seguidores de Robespierre estavam politicamente isolados. Somente a crise da guerra que sustentavam contra várias nações os mantinham no poder. Quando, ao final de junho de 1794, os novos exércitos da República ocuparam a Bélgica e derrotaram firmemente os austríacos, o fim aproximara-se. Em julho daquele ano, a Convenção derrubou o (agora) dispensável Robespierre. Ele, Sain-Just e Couthon foram executados com outros aliados.

O Termidor é o fim da heróica e lembrada fase da Revolução, dos esfarrapados sansculottes e dos corretos cidadãos de bonés vermelhos que viam-se a si mesmos como Brutus e Cato. Os jacobinos terminaram por perecer frente ao golpe político burguês que se denominou de Diretório. Em 1795 projetaram uma nova constituição feita para se resguardarem do jacobinismo e de uma possível reação aristocrática com surdo apoio das nações beligerantes à França. A inatividade era a única garantia segura de poder para um regime fraco e impopular como este, mas a classe média necessitava de iniciativa e expansão. O exército acabou resolvendo este problema, resgatando o governo mas cobrando um preço alto, com a ascensão de um de seus mais significativos ícones.

Napoleão Bonaparte é fruto deste exército, cujas origens jacobinas foi o mais formidável substrato a anima-lo. Reteve as características da revolução e adquiriu as características do interesse estabelecido, a típica mistura bonapartista. De uma mistura mal enjambrada de cidadãos revolucionários, transformara-se numa força de combatentes profissionais, onde a maioria eram aqueles que ficaram nas tropas por possuírem talento para o militarismo após numerosas deserções. Recrutas mal treinados adquiriam treinamento mediante exercícios velhos e cansativos, a promoção era por mérito em batalha (e não por inteligência) e o senso arrogante de missão revolucionária amalgamava tudo na formação dos batalhões franceses. O generalato napoleônico, sem o seu excepcional líder e estrategista, era, via de regra, medíocre: Napoleão vencia batalhas, seus generais, sozinhos, perdiam-nas. A origem destes generais vinham mais do campo de batalha do que das academias, era certo que um marechal napoleônico tivesse sido um primeiro-sargento ou uma espécie de oficial promovido antes por bravura que por estratégia. Seu precário sistema de abastecimento de tropas bastava nos países ricos e saqueáveis como Bélgica, norte da Itália e Alemanha; mas nos espaços áridos da Polônia e da Rússia, como veremos, ele ruiu. Por isso, a velocidade e precisão espantosa de suas tropas em batalha explicava-lhes o sucesso: Napoleão vencia em curtas e vigorosas rajadas não porque podia fazê-lo mas porque tinha que fazê-lo.
Por outro lado, o exército era uma carreira como qualquer outra das muitas abertas ao talento pela revolução burguesa, e os que nele obtinham sucesso tinham um interesse investido na estabilidade interna como qualquer outro burguês. Foi isto que fez do exército – a despeito do seu jacobinismo embutido – um pilar do governo pós-termidoriano e de seu líder Bonaparte uma pessoa adequada para concluir a revolução burguesa e começar o regime burguês. Como homem, ele era inquestionavelmente muito brilhante, versátil, inteligente e imaginativo. Foi um homem civilizado do século XVIII, racionalista, curioso, iluminado, mas também discípulo de Rousseau o suficiente para ser ainda o homem romântico do século XIX. Ainda assim, o extraordinário poder deste mito não se pode explicar apenas pelas vitórias napoleônicas nem pela propaganda napoleônica. Foi o homem da Revolução e o homem que trouxe estabilidade. Para os franceses, foi algo bem mais simples: o mais bem sucedido governante de sua longa história.

Mas seu mito não foi superior ao da República Jacobina, o sonho de igualdade, liberdade e fraternidade, do povo se erguendo na sua grandiosidade para derrotar a opressão. Este foi um mito muito mais poderoso que o dele, pois, após a sua queda, foi isso e não a sua memória que inspirou as revoluções do século XIX, inclusive na própria França.    

sábado, 24 de março de 2012

A Comuna de Paris/1871: esclarecimentos para a aula de História Contemporânea (P1)





Amigos da História/UCAM, atenção: este artigo não busca elaborar conteúdo para complemento de estudo da Comuna de Paris, matéria importante para a nossa P1, em abril; mas visa clarear um pouco mais o caminho até onde a Profª Danielle Crespo quer chegar para a prova. Há detalhes que precisam ser conhecidos antes de mergulhar na apostila "Os Assaltantes do Céu" - e creio que a maioria (assim como eu) ainda procura mais informações básicas sobre o assunto.


Aqui está o link. Lembrem-se: isto é só uma "bússola" até o cerne do assunto:


http://pt.wikipedia.org/wiki/Comuna_de_Paris


Abraço - e espero contribuir positivamente.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Aula do dia 22 Mar, Prof. Alexandre Mérida, As Invasões Bárbaras do Século V





Da apostila referente ao livro de Maria Sonsoles Guerras, "Os Povos Bárbaros", a resenha para o grupo de estudo da sexta-feira, 23 mar 2012 - última aula antes da P1. Vamos lá, galera! Tutano, já!









GUERRAS, Maria Sonsoles, Professora-Adjunta de História da UFRJ.


OS POVOS BÁRBAROS, Rio de Janeiro: Editora Ática, 1987, cap.2, 3 e 5.


Resenhado por: Jorge Luiz da Silva Alves, terceiro período de História, UCAM/Santa Cruz.


No capítulo 2 (Os “Bárbaros Germânicos”), registra-se que os romanos desconheciam, até fins do século IV a.C., tudo sobre os germânicos; viviam estes à retaguarda dos Celtas, seus inimigos fidagais, que ocupavam as terras fronteriças ao que hoje chamamos de França, Bélgica e Alemanha. Tanto que usavam as denominações 'celta' e 'galo' para quaisquer povos que habitassem o centro e o norte do continente. A origem real dos germanos é incerta: a mais aceita é que suas origens estejam ligadas às costas do Mar Báltico, entre a Escandinávia e o que hoje seria a Polônia e Lituânia.

Tácito, no século I da nossa era, faz o primeiro registro destes povos com fontes contemporâneas, o que permite-nos traçar, neste capítulo 3 (A Civilização dos “Bárbaros”) um quadro relativamente compreensível do que seriam aqueles povos. Os germanos desconheciam Estado e Cidade; suas vidas eram centradas nas comunidades (tribo, família, clã). Sippe significava uma comunidade de linhagem que assegurava a proteção às pessoas sob sua autoridade. Sociedade patriarcal, o pai era inquestionável na família, a mulher era a guardiã da pureza e sua infidelidade era castigada com o repúdio ou a morte; as filhas passavam da autoridade paterna para a do marido através da venda e em troca de um dote; a solidariedade familiar era também comprovada pelo pagamento das dívidas, liquidação do wergeld (preço do sangue) ou compensação pecuniária – quando criminosos - , e vingança, através da guerra privada – quando eram vítimas.

O elemento fundamental da sociedade eram os homens livres, os guerreiros, cuja morte implicava uma indenização elevada. Tinham o direito de expôr suas idéias nas assembléias. Logo abaixo, os semilivres, oriundos dos povos vencidos. Por último, os escravos: cativos das guerras ou devedores insolventes, que estavam ligados à cultura do solo. A guerra era a razão de ser dos germanos, que devia sempre estar pronto para qualquer ataque. A organização dos exércitos germanos descansava no serviço de todos os homens livres em estado de combater, equipar e alimentar-se. A metalurgia das armas era a principal e mais nobre atividade germânica. Os chefes e seus jovens companheiros eram organizados para o combate por tribos. O mando estava nas mãos de chefes hereditários ou ricos, que se achavam à frente de um importante comitatus. O enriquecimento dos chefes favorecera sua transformação em proprietários, e, deste setor, surgiram os dirigentes políticos das tribos – desta pseudonobreza gerou-se o embrião dos cheges militares da época vindoura. Em tempos de paz, os poderosos só possuíam o poder daqueles que fossem-lhes fiéis e ao alcance de sua influência social. O verdadeiro poder deste período estava nas mãos da assembléia local dos homens (mallus), que celebrava-se periodicamente, ao ar livre. Nos tempos de guerra, os chefes gereditários ou escolhidos (duces) tinham um poder quase absoluto, exceto no que diz respeito aos direitos elementares, como o botim.

No que concerne às atividades econômicas, os germanos possuíam uma particularidade: embora circulassem moedas romanas e de outros povos na Germânia e na Escandinávia, elas não eram utilizadas para troca; o escambo realizava-se ainda com o gado, argolas ou barras de metal precioso. A região continuava refratária à vida urbana. A metalurgia ocupava lugar de destaque na economia, por causa do mister da guerra. Seu artesanato era modesto, mas a ourivesaria destacava-se pelo seu caráter decorativo, sobretudo com representações zoomórficas ou de batalha. Viviam da pecuária (bois, cavalos e ovelhas), agricultura, pesca e caça. O rebanho era uma especié de bem comunal e pastava na terra em pousio. Instalavam-se em clareiras por alguns anos e, esgotadas as terras, procuravam novas. Há quem considere este seminomadismo como um motivo do fracasso germânico na constituição dum estado estável. Eles utilizavam prisioneiros de guerra para o cultivo do solo, transformando-os em escravos ou semilivres. Somente homens livres possuíam a terra, mas esta era explorada coletivamente.

Provavelmente, não havia uma unidade religiosa entre os povos germânicos. Já no século I a.C., César mostrava a diferença entre gauleses (celtas) e os germanos na existência dum corpo sacerdotal . Os gauleses possuíam os druidas, enquanto os germânicos dispunham dos pais de família ou chefes de tribo quando das assembléias ou libações rituais de vinho. As mulheres destacavam-se como profetisas ou mágicas. Não haviam templos, os rituais ocorriam nos bosques sagrados, picos de montanhas ou próximos de fontes ou árvores, em certa data (solstícios, lua nova). Eram comuns os sacrifícios de animais ou humanos. Adoravam a natureza e suas forças; o espírito belicista deste povo reproduzia em suas manifestações religiosas, o caráter combativo de suas origens: Wotan(Odin), presidia o comércio, as tempestades e os combates; Tiwaz, dirigia o céu e presidia as assembléias; Donnar ou Thor, senhor dos raios e invocado antes de qualquer guerra; Freya, deusa do amor e do fogo.

Toda e qualquer manifestação artística dos povos germânicos ressaltavam seu espítito guerreiro. Durante os banquetes, cantores entoavam loas aos heróis germânicos, sempre algum deles descendente de um personagem divino. Cada tribo ou clã tinha sua saga, fazia-se uma recordação gloriosa dos antepassados.


No Capítulo 5, entramos no derradeiro momento em que Roma esfarelava-se sobre seus excessos e gigantismos e, impossibilitada de se manter, principia sua queda justamente no contato mais direto e dramático com esses povos germânicos que, no século IV, já se espraiam sobre as fronteiras imperiais (As Grandes Invasões Germânicas). A partir da pressão dos hunos sobre os estabelecimentos godos entre o rio Don e o Danúbio no fim deste século, acontece uma penetração a princípio pacífica para dentro das fronteiras imperiais; os ostrogodos, quase todos dispersados ou subjugados pelos hunos, juntam-se aos também expulsos visigodos, que pediram asilo ao imperador romano-oriental Valente. Este alojou-os na Trácia, onde os romanos exploraram sua miséria, abusavam deles de todas as formas. Revoltados, ergueram-se em armas na batalha de Adrianópolis (378), vencendo os romanos e matando, inclusive, o imperador. Mas estes bárbaros não tencionavam fazer uma guerra de conquista, e sim lutavam para sobreviver condignamente.

Teodósio, novo imperador do Oriente, decidiu aceitar os visigodos de forma pacífica como federados (fœdus), em 382. Tencionava, com isso, resgatar um pouco da força militar romana com o substrato bárbaro mas temia, também, que eles se insurgissem no seio do estado romano, uma vez que seus costumes e direitos seriam respeitados pelos anfitriões. Diferentes de outros bárbaros assentados em várias partes do império, os visigodos tinham ciência de sua força e da debilidade romana principalmente após Adranópolis. O filogoticismo do imperador facilitou o acesso desses homens enérgicos e militarmente capazes em altos postos do império, o que melindrou parcelas importantes do povo romano do Oriente. Mas Teodósio conseguiu dominar seus competidores no Ocidente (Eugênio) e unificar o império pela última vez, ainda que a fidelidade germânica fosse dirigida a Teodósio, e não à instituição Império Romano. Quando Teodósio faleceu, os problemas com os godos retornaram, bem maiores. A certa altura, generais bárbaros eram eminências pardas na administração do governo, o que descontentou sobremaneira membros do patriciado imperial. Em 400, no reinado de Arcádio, foram assassinados vários auxiliares godos. Com isso, o acordo entre eles e o Império do Oriente fora rompido; e Alarico, chefe godo, iniciou uma série de incursões, obrigando o governo a pagar vultosa quantia para afastá-los de Constantinopla.

Se, por um lado, a presença destas eminências bárbaras no Império contribuiam para arrefecer o vigor gótico (Estilicão foi um desses eminentes, nos contatos com Alarico), por outro lado, a política de retirar tropas de um ponto da fronteira para outro a fim de combater incursões germânicas só facilitou ainda mais a desagregação do lado ocidental do Império Romano. A Gália ficou exposta ao saque de várias etnias bárbaras, assim como a Espanha; Estilicão só possuía forças para defender a Itália e, para piorar, o antigermanismo aliado às intrigas palacianas acabaram por decretar a morte de Estilicão. Alarico, então, invadiu a indefesa Itália, fez uma série de exigências, obteve resultados em algumas mas, em outras, fora logrado. Com isso, em 24 de agosto de 410, a Cidade Eterna, mais de mil e tantos anos invictam fora humilhantemente saqueada. O chefe bárbaro, entretanto, poupou os templos cristãos e todos que neles estivessem.

E enquanto Alarico espraiava-se pela Itália (morrendo logo a seguir ao saque) e os visigodos elegiam outro chefe (Ataulfo) para continuar devastando o império pela orla mediterrânea, Roma se deu conta da urgência (e gravidade) da presença bárbara em seu território, o quanto deles necessitavam. E a regra do jogo mudou: antes, os bárbaros pagavam para viver e retirar víveres dos armazéns militares romanos; e com os novos federados a terra e seus meios de exploração era divididos em regime de “hospitalidade”. Embora não aceitassem a nova realidade naqueles séculos V e VI, o fato é que o domínio romano sobre seu próprio chão era, a cada dia, mais efêmero, ilusório. Mesmo com arremedos de soberania e um pouco de vigor- como na aliança com vários povos bárbaros comandados pelo romano Aécio para deter o huno Átila na Gália – o desmembramento do Império do Ocidente entre as várias etnias bárbaro-federadas era irreversível.




Referências:

FOURNIER, Gabriel. L'Occident de la fin du V siécle a la fin du IX siécle. Paris, Armand Colin, 1970 (Série Histoire Mediévale, dir. Georges Duby.)

LOT , Ferdinand. O fim do mundo antigo e o princípio da Idade Média. Lisboa, Ed. 70, 1980.