terça-feira, 30 de abril de 2013

O Mundo Às Avessas: A Revolução Russa




Conteúdo destinado à P1 de História do Mundo Contemporâneo; necessita do acompanhamento das apostilas ministradas no 5º período. vamos lá, galera!


PRELIMINARES:

A autocracia feudal russa atravessara meio milênio intocável nas suas instituições e diretrizes: sustentada principalmente pela nobreza rural, os membros dirigentes da Igreja Ortodoxa e do exército saíam desse estamento, enquanto a massacrada maioria dos cento e oitenta milhões de habitantes (1905) viviam numa miséria absoluta - cerca de 70 milhões no campo, em 1860. O Czar e sua corte reinavam, soberanos, sobre as cabeças e vontades de todos, acima de leis e respeitos.

Mas ainda que o braço inflexível das elites mantivesse seus privilégios e poderes, as ideologias liberais e socialistas penetravam gradativamente no país - reflexo de um tempo de questionamentos, iniciados no século passado e que já fulminara tronos e príncipes mais poderosos - , provocando (ao menos) a reflexão de alguns mandatários. Entre 1860 e 1914, o número anual de estudantes universitários crescera de cinco mil para sessenta e nove mil, e o número de jornais diários crescera de treze para oitocentos e sessenta. Apesar de falarmos de uma das nações mais atrasadas da Europa, com 80% de sua população no campo e 90% não sabendo ler nem escrever, ainda agarrados às crendices sobre a divindade dos Romanoff e o inquestionável poder dos descendentes dos boiardos ¹. 

Uma embrionária industrialização avança, sobretudo em Moscou e Petrogrado, e a burguesia nacional pouco se aproveita desse avanço; os estrangeiros detém o capital gerado por esse esboço industrial. 

Em 1861, sucederam-se revoltas, incêndios propositais e diversos crimes; Alexandre II promovera a abolição da servidão, "libertando" quarenta milhões de camponeses que, na prática, continuaram amarrados à indenizações custeadas à nobreza, por quarenta e nove anos. A Reforma Agrária do engodo... Nascem as sociedades marxistas e os partidos políticos: o Partido Social Democrata, criado em 1898 e liderado por Plekhanov e Lênin, tinha, ainda, a presença de Lev Bronstein - Trotsky. No início, uma cisão de idéias agitava o partido: os Mencheviques (Plekhanov) defendiam a chegada ao poder por meio das eleições, enquanto os Bolcheviques (Lênin) desejavam a tomada do poder pela luta armada. Antes disso, o czar reformista Alexandre II fora assassinado em 1881 pelos 'Pervomatovtsky', opositores do governo que responsabilizavam o mesmo pelo caos social. 

A ascensão de Alexandre III (1881 - 1894) promovera também a subida das forças mais conservadoras e repressoras da dinastia reinante: a polícia política do governo (Okhrana) controlava impiedosamente os setores educacionais, os tribunais, a imprensa e os partidos políticos. Sobrou para todo mundo, camponeses e operários. Os empresários industriais impulsionavam o processo de industrialização do país associado a capitais internacionais, notadamente franceses, ingleses e alemães. Somava-se então às miseráveis condições do campesinato as dos operários, obedecendo a um padrão recorrente na Europa da época, doze a dezesseis horas diárias de trabalho, exploração desumana dos capitalistas locais e estrangeiros, sem alimentação e laborando em locais imundos, sujeitos a doenças diversas.


AS REVOLUÇÕES RUSSAS - 1905 / 1921 ²

 1905 - O Domingo Sangrento

As ondas da primeira revolução, de 1905, vieram sem aviso prévio e surpreenderam os homens do poder (que não contavam com ela), os revolucionários (que aspiravam por ela) e os próprios protagonistas (que começaram a fazê-la sem disso ter uma clara consciência.

O galope rápido do capitalismo ao fim dos século XIX irrigara o terreno e amadurecera as contradições. Com o povo extremamente sensível à possibilidade da revolta, o governo do czar Nicolau II enveredou-se por uma guerra puramente imperialista contra o Japão, no Pacífico, em 1904; com a arrogância típica dos que se acham superiores, o Estado-Maior do czar desdenhara a capacidade bélica dos japoneses. Port Artur fora atacada e a esquadra russa destruída. Ofensivas por terra humilhavam ainda mais o moral russo nos campos de batalha. Numa contenda absolutamente desnecessária para a nação, em geral, que sofria com a política externa czarista, na forma de tributos e vidas para serem incineradas tão longe.

Num domingo, 9 de novembro de 1905, milhares de pessoas aglomeraram-se em frente ao Palácio de Inverno do czar (sede e símbolo do poder) para expor pacificamente suas reivindicações, num momento em que, na cidade de São Petersburgo e sob um frio e fome violentos, encontravam-se em greve. Os cossacos e a polícia abriram fogo contra a multidão. Noventa e dois mortos, na contagem oficial. Feridos aos milhares. A partir daí, a passividade dera espaço à atividade. E o povo começou a tecer seu destino.

Três ondas de greves, nucleadas pelos operários, arrastaram os trabalhadores aos milhões, em torno da realização do programa que a Social-Democracia já concretizara nos países capitalistas mais avançados do ocidente e do centro da Europa. E numa cidade ao norte de Moscou, os operários de Ivanovo-Voznesensk criaram, em 1905, uma organização original, o soviet (conselho), constituído por representantes (deputados) dos operários eleitos nas próprias fábricas, sem mandato fixo, revogáveis a qualquer momento. Uma nova e poderosa onda quebrava-se nas arruinadas falésias do sistema servil imperial, esfarelando-as ainda mais.

No campo, desde a primavera, os mujiques, principalmente nas províncias do centro da Rússia,  movimentavam-se reinvindicando e invadindo as terras. Organizaram reuniões e punham em questão os impostos e a mobilização militar. Marinheiros revoltavam-se nas bases navais do Mar Negro (episódio perenizado pelo filme 'Encouraçado Potemkin')e do Golfo da Finlândia (Kronstadt), exigindo o fim dos castigos corporais melhores soldos, condições de trabalho e o respeito pelos seres humanos sob as fardas. A desagregação era geral: nacionalismo diversos explodiam em várias partes do Império, poloneses, finlandeses, povos bálticos, do Cáucaso, Ásia Central, Sibéria. Mesmo entre as próprias elites, o descontentamento tomava corpo, formando uniões profissionais com programas que exigiam, entre outras medidas, uma Assembléia Constituinte. O czar ainda negociava e negaciava, formulando concessões pífias na esperança que a sorte na guerra do Extremo Oriente pudesse mudar o quadro político. Mas a derrota de outra esquadra, mandada ao Oriente dando a volta ao mundo apenas para ser aniquilada pelos japoneses, mostrou a precariedade do poder imperial face aos ventos de mudança que sopravam as cortinas dos vacilantes e surreais césares russos. Acuado, reconheceu as liberdades fundamentais do povo no chamado Manifesto de Outubro e a criação de um Parlamento (Duma), mas não firmando nada em definitivo sobre uma Constituição definidora de poderes.

Os partidos de orientação liberal burguesa deram-se por satisfeitos com as promessas do czar, deixando os operários e suas organizações isoladas. Mal a guerra com o Japão terminara, o governo mobilizara os Cossacos para reprimir os principais focos de revolta dos trabalhadores. Desmantelando o soviete de São Petersburgo, o czar assumiu o comando da situação e deixou as promessas liberais do Manifesto, voltando ao governo autoritário, mantendo, apenas, a Duma. Mas, por mais que o 'Domingo Sangrento' tenha sido ministrado pelas forças imperiais, Lênin considerou uma espécie de 'ensaio geral' para a segunda fase da Revolução que mudaria não só a Rússia como o mundo.

A QUEDA DO CZAR E O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO (1917)

A revolução branca (fevereiro)

E para que essa mudança se processasse - e vingasse - arestas precisavam ser aparadas, ajustes precisavam ser feitos, constatações confirmadas. Uma delas é que a burguesia e seu universo político de referência, os constitucionalistas-democráticos (Kadetes) não possuíam pulso e vocação para assumir a liderança de um processo revolucionário que levasse à derrubada da autocracia e instalasse uma república democrática na Rússia. Caberia ao proletariado (Trotsky) e à aliança operário-camponesa (V. Lênin), a direção desse processo.

Os partidos socialistas, empurrados para a clandestinidade, exílio e cadeia,  não resistiram à pressão dos múltiplos fatores desfavoráveis, numa fase de profundo refluxo, e tenderam à desagregação. O desencanto contaminou quase todos, impondo um processo de decomposição às oposições revolucionárias. Entretanto, a disseminação de formulações heréticas circulavam no exílio e na Rússia, fermentando alternativas para quando a oportunidade aparecesse. A 'revolução permanente' de Trotsky, a ditadura democrática e revolução ininterrupta de Lênin, além das diversas propostas bolcheviques sobre a questão nacional eram algumas das bombas em estoque, enquanto a Social-Democracia russa, dividida, turbulenta, com excelentes propostas de uma progressiva revolução burguesa para um aparelho socialista estruturado em bases políticas, econômicas e jurídicas, não passavam de falácias e teorias.

Nesse ínterim, o tempo avançava, mas o quadro não se alterava: o parlamentarismo estava desacreditado, com o czar manipulando-o ao seu bel prazer, os projetos modernizadores das estruturas agrárias, empacara; e a Primeira Grande Guerra explodira, oferecendo a chance que Lênin tanto ansiara, em meio a greves gigantescas, protesto de estudantes e operários...e a repressão dos Cossacos.

Novamente, aconteceram derrotas humilhantes, crises de abastecimento alimentar nas cidades, e no pano de fundo, os protestos cada vez mais intensos de todas as partes da nação contra o estado das coisas. Quatro grandes vertentes sobre a questão da guerra digladiavam-se em debates: os partidários da guerra, que criam numa vitória sobre os alemães para debelar o comunismo internacional de vez (Plekhanov e Kropotkin); outros que achavam que o povo desejava a defesa da pátria; outros que se batiam pela luta mas sem desejos de anexações ou indenizações, como o grosso dos mencheviques e Trotsky com uns poucos bolcheviques; e os radicais, que propunham que a luta deveria ser contra seus governos em seus países, convertendo a guerra imperialista em guerra civil, contra o capitalismo (Lênin, a maioria dos bolcheviques, muitos anarquistas e alguns socialistas revolucionários).

E nesse quadro de completa convulsão social, cinco dias de fevereiro em Petrogrado bastaram para derrubar uma dinastia eterna de três séculos de existência. O czar Nicolau II, devidamente demonizado, fora removido, abrindo os horizontes para todos os sonhos. Isso após o mesmo monarca ter cometido a mesma vesânia de 1905, ordenando aos militares que atirassem contra uma multidão de revoltosos com a situação do país. No dia 27 de fevereiro (calendário juliano), um mar de soldados e trabalhadores com trapos vermelhos invadira o Palácio Tauríde, local de reunião da Duma. Formaram-se dois comitês em salões diferentes do palácio. Um, formado por moderados da Duma, se tornaria o Governo Provisório. O outro era o Soviete de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados, e militantes de várias correntes políticas. A 2 de março o czar, cercado por amotinados, assinara sua abdicação. O Governo Provisório, de caráter burguês, comprometia-se com a propriedade privada e a manutenção da Rússia na guerra; enquanto o Soviete de Petrogrado reivindicava para si a legitimidade do poder, querendo dar terra aos camponeses, um exército com disciplina voluntária, oficiais eleitos democraticamente e o fim da guerra - objetivos muito mais ao feitio do povo. Regressando à Rússia em abril, Lênin pregava a nacionalização dos bancos, da propriedade privada, sob um só mote: "Todo o poder aos Sovietes".  

A revolução vermelha (outubro)

Na madrugada do dia 25 de outubro, os bolcheviques liderados por Lênin, Radek e Zinoviev, cercaram a capital, onde estavam sediados o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado. Muitos foram presos, mas Kerensky conseguiu fugir. À tarde, o Soviete delegou o poder governamental ao Conselho dos Comissários do Povo, dominado pelos bolcheviques. 

Caberia agora à sociedade dar forma e cor aos anseios para que pudessem ser concretizados pelo novo governo. O Soviete de 1905 emergira da névoa do passado e tinha, enfim, o canal para que as vozes do povo se manifestassem. A palavra estava concedida a todos que desejassem dela dispor. Jamais ocorrera algo semelhante. Operários desejando o reconhecimento da jornada de trabalho de oito horas, segurança no emprego, livre organização inclusive nas fábricas e um salário justo; camponeses querendo a terra para quem nela trabalhasse; soldados desejando um tratamento respeitoso, o controle dos comitês de soldados sobre o movimento das tropas e munições; nações não-russas desejando o reconhecimento de sua personalidade em autonomia cultural e/ou política. Muitos excessos ocorreram com esse arroubo inédito de liberdade e democracia, levando o governo a pedir serenidade aos grupos. 

O novo governo agiu em esferas mais audazes e imediatas para a solidificação das conquistas da Revolução: pedido de paz imediata, assinando com a Alemanha o tratado de Brést-Litovski, onde a Rússia abria mão de sua dominação sobre as nações bálticas, Ucrânia e Finlândia; o confisco das propriedades privadas, notadamente da Igreja Ortodoxa e da nobreza; estatização da economia, intervendo o governo diretamente na vida econômica. 


Durante o curto período em que os territórios cedidos no tratado de Brest-Litovski estiveram em poder do exército alemão, as várias forças antibolcheviques puderam organizar-se e armar-se. Estas forças dividiam-se em três grupos que também lutavam entre si: czaristas, liberais-esseritas e anarquistas. Ao mesmo tempo, Trotsky se ocupou em organizar o Exército Vermelho; lutando em várias frentes, o exército bolchevique venceu a guerra civil em 1921, consolidando de vez o domínio bolchevique (agora denominado de Partido Comunista desde 1918) em todo o território russo. 


¹ - Boiardos: antiga nobreza fundiária imperial russa, oriunda dos tempos de Pedro, O Grande
2  - FILHO, Daniel Aarão Reis. As Revoluções Russas e o Socialismo Soviético. São Paulo: Editora UNESP, 2002