domingo, 7 de agosto de 2011

Singularidades sobre a história do bairro de Paciência

Paciência, Imperador, paciência... 


Há uma lenda, caro leitor,  dessas que você não consegue  precisar muito bem como teve origem, que procura explicar a etimologia da palavra paciência, considerando, particularmente o geonomástico, isto é, o significado correspondente aos nomes das localidades geográficas. O historiador Arnaud Pires das Chagas, autor de vários textos curiosos sobre Santa Cruz, escreveu certa ocasião que a denominação "Paciência" teria sido originária durante o Primeiro Reinado. Como se sabe, a antiga Fazenda dos padres jesuítas passou a pertencer ao governo de Portugal após a confiscação dos bens da Companhia de Jesus, em 1759. Com a chegada da Família Real, em 1808, o casarão jesuítico de Santa Cruz foi adaptado para servir como uma espécie de casa de campo. Os historiadores são unânimes em afirmar que o Imperador Dom Pedro I tinha uma certa predileção por essas terras, pois aqui ele vivia "á regalona como um senhor feudal", para usar a expressão de Alberto Rangel. Dom João VI chegava à Santa Cruz usando uma carruagem, o mesmo fazendo seu filho, Dom Pedro I e, bem mais tarde, seu neto, Dom Pedro II, até que fosse inaugurado o ramal ferroviário e a estação de Santa Cruz, que data de 1874. Conta Arnaud Chagas que o nosso primeiro Imperador, nos momentos de maior arrebatamento amoroso pela sua amante, dona Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos, marcava os encontros no antigo palácio imperial, pois aqui o casal ficava muito mais à vontade, distante do burburinho da Corte, das futricas jornalísticas e bem distante do moralismo diplomático, que não concordava com as atitudes comportamentais do marido de dona Leopoldina, filha do imperador austríaco.
 
Em Paciência existia, ainda segundo Arnaud Chagas, um ponto de muda e estalagem. Ali os cavalos cansados da longa jornada de São Cristóvão á Santa Cruz, eram substituídos por outros animais folgados. Enquanto se fazia a troca, os passageiros das diligências e carruagens também aproveitavam para um descanso. Tudo isso demandava um certo tempo. E o Imperador, na ânsia de reencontrar-se com a sua amada, mostrava-se irritadiço, reclamando da demora, exigindo pressa e ouvindo os constantes apelos dos fâmulos que repetiam: " - Paciência, Imperador, paciência..." Teria sido essa, a origem do nome Paciência, segundo Arnaud Chagas. Em Paciência, ainda segundo Arnaud, ficava localizada uma importante fazenda de café, na época em que a plantação da rubiácea se expandia em direção ao oeste, a partir da Serra do Mendanha. Talvez tenha sido a mesma fazenda visitada em 1823 pela escritora inglesa Maria Graham. Segundo ela, que vindo de Campo Grande, dirigiu-se para a Mata da Paciência, onde estava localizado o engenho de dona Mariana, a propriedade era "dominada por um morro íngreme cujo flanco se desbastou bastante: os jardins e os lotes de café dos negros ocupam o terreno da floresta." Maria Graham deve ter sido  muito bem tratada em Paciência, pois registrou em seu diário de 25 de agosto de 1823: "Fiquei muito triste por deixar esta manhã a Mata da Paciência, já que era tempo de voltar. Mas, como chegou a hora, partimos para os Afonsos." No sítio de Paciência, a autora de "Diário de uma Viagem ao Brasil " (Editora Itatiaia) foi recebida, além da dona Marina, filha mais velha da baronesa de Campos, pelo capelão da Imperial Fazenda de Santa Cruz, que, segundo a escritora, era chamado de padre-mestre, por ter sido professor do colégio do Rio de Janeiro. Com uma carta de apresentação destinada à sua anfitriã, Maria Graham diz que teve em Paciência "uma recepção das mais polidas por parte de uma bela mulher, de tom senhoril, que encontramos na direção de seu engenho, o que é de fato interessante." " D. Mariana conduziu-nos ao engenho, onde nos deram bancos colocados perto da máquina de espremer, que são movidos por um motor a vapor, da força de oito cavalos, uma das primeiras, senão exatamente a primeira instalada no Brasil."
 
Havia no engenho da Paciência, naquela época, cerca de 200 escravos que trabalhavam na plantação, no engenho e numa espécie de serraria adaptada aos rolos compressores do motor do engenho. "Enquanto estávamos sentados junto à máquina, D.Mariana quis que as mulheres que estavam fornecendo as canas, cantassem, e elas começaram primeiro com algumas de suas selvagens canções africanas, com palavras adotadas no momento adequadas à ocasião. Ela lhes disse então que cantassem os hinos à Virgem. Cantaram, então,  com tom e ritmo regular com algumas vozes doces, a saudação Angélica e outras canções.

Acompanhamos d.Mariana dentro de casa onde verificamos que, enquanto nos ocupávamos em observar a maquinaria, as caldeiras e a destilaria, preparava-se o jantar para nós, apesar de já estar passada há muito, a hora da família." Conforme prometera à dona Mariana, a escritora inglesa voltou a passar pelo sítio de Paciência, quando retornava da sua visita à Santa Cruz e Vila de São Francisco Xavier de Itaguaí. Como era sábado, os escravos de Paciência estavam de folga. "Depois da missa pela manhã, estão livres para fazer o que quiserem. A maior parte deles corre para o morro para colher o café ou o milho, ou para preparar o terreno para estes, ou outros vegetais.  Estavam exatamente começando a voltar da mata, cada qual com sua cestinha carregada de alguma cousa própria,  cousa em que o senhor não tinha qualquer parte; e cada vez que um passava por mim e exibia com olhos brilhantes o pequeno tesouro, em bendizia o sábado, dia de liberdade do escravo. Apareciam agora os últimos retardatários. O sol neste momento dourava somente os cumes dos morros. O gado acercava-se do pasto e  abaixava-se impacientemente na porteira do curral; abrimo-la, entramos com eles, e cruzamos o pátio em que vivem os negros. Tudo era ali movimento, estavam em  tratos com um espertalhão que, conhecendo a hora oportuna, tinha chegado para comprar o café recém colhido. Alguns venderam-no assim. Outros preferiram guardá-lo e secá-lo e, então, aproveitando a oportunidade de um portador da Senhora à cidade, mandá-lo para alí, onde ele obtém preço mais alto. Não me lembro de ter passado uma tarde tão agradável."
 
A escritora inglesa, que mais tarde seria convidada por D. Pedro e D.Leopoldina para  ocupar o cargo de preceptora das princesas imperiais, aproveitou a última noite que passou em Paciência para conversar com dona Mariana e também com o capelão da Fazenda de Santa Cruz que se encontrava no sítio. "Diz-me dona Mariana que nem metade dos negros nascidos na sua fazenda vivem até alcançar dez anos. Seria importante inquirir das causas deste mal, e se é generalizado." "É inútil dizer que tudo na maneira de viver da Mata da Paciência não é somente agradável, mas ainda elegante. E se as histórias dos velhos viajantes sobre a vida do campo dos brasileiros são verdadeiras, a mudança não só foi rápida, mas completa."
 
Os morros tomados pelos cafezais,  conforme relatos de Maria Graham, dariam lugar, a partir da década de 1930, aos imensos laranjais. Seria o novo êmulo propulsor da economia agro-exportadora da zona rural do antigo Distrito Federal que, no início dos anos 50, ainda tivemos a chance de acompanhar os  últimos estertores, quando ainda menino, caminhávamos pela estrada de Santa Eugênia, na Venda de Varanda, seguíamos cantarolando com os amigos da Escola Rural Professor Artur Tihré; "Somos coleguias da Escola Artur Tihré... Vamos estudar. Pois onde se estuda a alegria há de reinar. Somos Coleguinhas da Escola Artur Tihré... Vamos trabalhar. Pois onde se trabalha a alegria há de reinar." Naqueles tempos de infância vividos em Paciência, o primeiro turno  era dedicado ao trabalho na horta da escola e a tarde é que as turmas iam para as salas de aula.
 



Paciência, que não passava de uma estação intermediária entre Santa Cruz e Campo Grande, vai hoje tomando feições de uma cidade, com o seu próprio distrito industrial, comércio relativamente próspero, plano
urbanístico traçado e uma população que vai aumentando além dos índices demográficos medianos
 
Estão localizados em Paciência as unidades do SESI (Serviço Social da Indústria) e do SENAI (Serviço Nacional da Indústria) vinculados ao Sistema FIRJAN, que desempenham um importante papel na educação de futuros profissionais da indústria.
Também se localiza em Paciência o RioRural e o cemitério Jardim da Saudade, empreendimento que contribuiu para oferecer uma concepção moderna e ecologicamente correta da antiga necrópole. Texto de Sinvaldo do Nascimento Souza 

      sinvaldo.souza@infolink.com.br  

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Nas trilhas da História - Santa Cruz



   Sob o cruzeiro fincado pelos jesuítas ainda no século XVI, a enorme gleba enflorestada habitada pelos índios tamoios acompanhou a lenta e pulsante transformação operada pelos descendentes dos europeus, conservando, apenas, seu nome de origem: SANTA CRUZ. Quase cinco séculos depois, ainda é possível identificar as pistas deixadas pelos pioneiros, em cada praça, rua, campo do imenso bairro da Zona Oeste carioca.


   Não é preciso a desenvoltura dum Indiana Jones ou o acurado faro dum investigador para perceber a importância do passado local na historiografia da cidade; algumas vezes esbarramos com trechos sutis de História, ou semidestruídos pela especulação imobiliária ou generosamente imponentes, apesar do vergonhoso descaso das autoridades - e mesmo, de alguns de seus moradores. Salva-se aquilo que convém à campanha eleitoreira de sumidades (ou seja, quase nada) e, muitas das vezes, negligencia-se o grosso dum acervo valioso para a pesquisa acadêmica e memória popular. Basta, para isso, caminhar pelo bairro em quaisquer direções para que se tenha uma idéia do esquecimento quase criminoso.


   Por exemplo: quem de nós, moradores do local, saberia existir este desenho do imperador Pedro II, antes mesmo de declarada sua maioridade, no mirante do supracitado cruzeiro do bairro? Benjamin Mary, que foi o primeiro embaixador da Bélgica no Brasil, retratou D. Pedro II sentado em uma cadeira sob a proteção de um guarda-sol segurado por um dos áulicos, no dia 6 de novembro de 1837. Não fosse uma feliz coincidência num sítio de busca , e jamais saberíamos de tão relevante registro para nossa memória local. Essa é a verdadeira alma da história, a que se faz de modo aleatório e por puro e sincero amor à cultura. Não apenas para os lucrativos eventos da mídia ou os saraus das elites enfastiadas.


   A História que pode estar num quintal de periferia, sob os entulhos duma obra ou de camadas de asfalto, ou reduzida a milhares de cacos vitrificados na borda de piscinas. A História que você nem mesmo sabe que existe - mas está lá, assombrando-nos para que descubramos e revele num testemunho a sua serventia de outrora. E esquecida no presente para que desapareça de vez de nossa memória.  




                                 Jorge Luiz da Silva Alves - História - UCAM/Santa Cruz

Testemunhando a aventura humana pelos séculos




    Neste blog, como amantes da História e todo o processo que envolve a dinâmica humana neste planeta, entraremos em contato com fatos, locais e eventos, pequenos e grandes, decisivos ou rotineiros, que mudaram o rumo do Homem ao longo da História. Um modo pomposo, verdade, em apresentar a logística de nossa atividade neste humilde cantinho. Mas também uma afirmação: sempre que houver uma pista do passado humano - por mais simples que seja - lá estaremos. Pois esse é o nosso compromisso, como historiadores: testemunhar a aventura humana pelos séculos em cada vestígio cultural descoberto, conservado, no descaso ou mesmo suspeito.


    Sejam bem vindos! 




   
     (Essa é a turma de História da UCAM/Santa Cruz - noite, povo bom de matéria!)