Aqui, a primeira parte da matéria da P2 da Danny Crespo - falta pouco p'rá praia, moçada, vamos lá!
HISTÓRIA DO
BRASIL IMPÉRIO - P2
O
PODER DO CAFÉ
A expansão
cafeeira ensejou a opulência tão decantada pelos saudosistas do Império, mas
que privilegiava apenas as elites, que habitavam o país ideal; o país real –
o dos escravos, libertos e brancos pobres – não se beneficiara da pujança do
café, produto ignorado até o início oitocentista mas que mudou (de todas as
formas) a imagem do Brasil daquele período.
Atribui-se a
Francisco de Melo Palheta a introdução do café no Grão-Pará, em 1727, sementes
vindas da Guiana Francesa; e, de fato, Belém já exportava o produto para Lisboa
naquele século. Na sexta década do século XVIII surgem as primeiras notícias a
respeito de seu cultivo nas cercanias do Rio de Janeiro, e a Tijuca seria, no
início do século XIX, o local onde havia as maiores plantações, longe dos
brejos e pântanos que haviam no centro carioca da época. A partir dali, o
cultivo estendera-se para o Vale do Paraíba – que transformar-se-ia no maior
produtor do Império durante quase todo o século XIX.
A região era
quase toda coberta por uma floresta virgem, com caminhos para tropas de muares
rumo à região mineira no trecho ocidental, enquanto no oriental os indígenas
dominavam a área. Alguns engenhos de açúcar, pousos para tropeiros que
forneciam gêneros alimentícios para o Rio completavam a paisagem, pois os
centros populacionais ativos estavam no litoral. A serra era praticamente
abandonada. A chegada da Família Real em
1808 deu um impulso enorme à lavoura cafeeira: Dom João beneficiou comerciantes
e funcionários, concedendo-lhes enxurradas de sesmarias com o objetivo de
ocupar as terras próximas à capital. Antigos mineradores também se
estabeleceram às margens dos caminhos que ligavam o Rio às minas, além de gente
ligada ao setor mercantil (alimentos e animais) que comercializava com a Corte.
Progressivamente, o Vale transformara-se. Indivíduos investidos de títulos
nobiliárquicos formaram grandes propriedades repletas de escravos e à medida em
que as terras foram sendo ocupadas, um sem-número de indígenas foram dizimados
com o aval da Coroa Portuguesa, pois era inadmissível, nos padrões europeus de
cultura, a existência de seres humanos que não se preocupavam em acumular
excedentes (isso, até hoje).
Com a expansão cafeeira, os primeiros
brancos, pequenos posseiros que viviam na região com suas lavouras de
subsistência foram sendo expulsos da mesma forma que os indígenas, ou então se
sujeitavam às ordens dos grandes proprietários, recebedores de sesmarias. Estas
sesmarias só se concediam para quem dispusesse de trezentos a quatrocentos
mil-réis, quantia bastante elevada para um pequeno fundiário. Logo após à
posse, o novo (grande) proprietário tomava providências para despachar de suas
terras os antigos posseiros contanto com as autoridades locais, que os consideravam
elementos indolentes, preguiçosos. Mas a
verdade era outra: não era por causa da preguiça do caboclo a arbitrariedade
dos poderosos, mas porque não era interessante para o governo apoiar um pequeno
produtor que não veiculava sua produção para a exportação (quantidade); em
geral, o pequeno posseiro tinha sua lavoura cafeeira e de subsistência para seu
básico de sobrevida, não se inseria no sistema de plantation cafeeira. A relação entre pequenos e grandes
proprietários continuava tensa (pois os pequenos tinham o certificado de posse
de suas terras e agarravam-se a ele para mantê-las) até que em 1850 o governo imperial baixou a Lei de Terras:
rezava a Lei, que as terras que fossem
compradas estariam garantidas DESDE QUE não fossem cultivadas como simples roçados, além de exigir o registro de propriedades irregulares e terminar
com os mecanismos de distribuição de terras do Antigo Regime (posse ou doação).
Abrira-se o caminho para a transformação das terras em mercadoria. Abrira-se o
fim do pequeno produtor do Vale do Paraíba. Mas alguns desses pequenos
posseiros ainda tiveram contato com suas herdades pelo sistema de compadrio –
relações amistosas com os cafeicultores – virando cabos eleitorais em disputas
políticas daqueles. Outros, dedicaram-se a produzir alimentos para as grandes
propriedades e muitos foram mortos de forma violenta.
VALE DO PARAÍBA X
OESTE PAULISTA
A organização da cafeicultura fluminense prolongava a
estrutura econômica herdada do período da colonização: a riqueza dos
fazendeiros se media pelo número de pés de café e de cativos. Além de prestígio
social que lhes assegurava, as peças de ébano ainda serviam para a obtenção de
créditos e terra; afinal, numa fazenda cafeicultora, o item mais valioso no
balanço imobilizado não era exatamente o café, mas o número de escravos da
fazenda.
As técnicas rudimentares de cultivo (queimadas), o
desinteresse em investir na melhoria das técnicas de produção, a abundância de
terras virgens para o replantio quando do enfraquecimento e queda das colheitas
iniciais, tudo isso contribuiu para que ocorresse a queda da cultura
cafeicultora no Vale do Paraíba. O fim do tráfico negreiro em 1850, o gasto com
artigos de luxo e compras de mais escravos (agora encarecidos pela queda da
oferta estrangeira) levou o Vale do Paraíba à decadência e o Oeste Paulista à
ascensão a partir de 1870, este com a gradual substituição da mão-de-obra
escrava pela imigrante. O capitalismo em expansão carreou recursos para as
regiões exportadoras de matérias-primas, investindo-se em setores de serviços e
transportes (malha ferroviária até Santos), e em novas técnicas para o setor
cafeeiro, que dispunha, inclusive, de um solo com uma terra vermelha de
excelentes nutrientes, a terra roxa.
A HEGEMONIA FLUMINENSE
No regime monárquico brasileiro (singularidade política
no Novo Mundo), o Rio de Janeiro forjou-se com um padrão de comportamento que
molda o país pelo século XIX e mais da metade do XX. No decurso dos oitocentos,
dois quintos da população da província era de cativos, na cidade que se
orgulhava de ser a única representante do ‘sistema europeu’ na América,
retalhada por repúblicas. 110 mil dos 266 mil habitantes da urbe eram de
escravos; por volta de 1840, quem chegasse no Rio sem saber, vindo de fora,
acharia estar num porto ou cidade africana. Numa data em que o tráfico estava
proibido há um ano, num censo realizado em 1849 mostrou um habitante em cada
três do município havia nascido na África.
SOTAQUE CARIOCA E DIALETOS AFRICANOS
Nos anos 1870, metade da população masculina da Corte era
estrangeira, vinda principalmente de Portugal. Ana Bittencourt, por volta de
1860, registrava que os baianos podiam distinguir a fala “bastante
aportuguesada” do sotaque fluminense. A
imigração portuguesa que desembarcara no Rio dez anos antes colaborou para
transformar a linguagem falada no Rio em linguagem mais apurada, escandida numa
sintaxe e num vocabulário mais polido que apagava os regionalismos difundidos
na imprensa provincial durante os debates políticos das revoluções regenciais.
O português, misturados com línguas nativas, foi uma tônica no Norte e em algumas
províncias ao sul, como São Paulo, cuja dificuldade em se exprimir nos fonemas
inexistentes na língua tupi-guarani (rr, f e l, por exemplo), se mostra até
hoje.
PAQUETES
ENTRE O BRASIL E A EUROPA (marcação do tempo nos relógios)
Horas e minutos da regularidade diurna nos trópicos, cuja
medida costumava ser aleatória e desnecessária aos luso-brasileiros, começavam
a ser marcados passo a passo, de cebolão na mão, nas casas, fazendas, estradas,
rios, portos do litoral. Com a inauguração de uma linha regular de navio a
vapor (‘packets’, aportuguesado para paquetes, 28 dias exatos de viagem) entre
o Rio de Janeiro e Liverpool, na Inglaterra,
o tempo imperial entra em sincronia com a modernidade européia. Chovesse
ou fizesse sol, a linha mantinha o ritmo de seus vapores com uma pontualidade
naturalmente britânica.
CHEGADA
DE PRODUTOS EUROPEUS MUDA O HÁBITO DA POPULAÇÃO
Pianos, fogões, instrumentos musicais: a sociedade
tropical escravagista aos poucos incorporava hábitos e utensílios usados no
Velho Mundo, com o ‘boom’ da Segunda Revolução Industrial e as rotas dos
paquetes extremamente regulares; pouco se dá se, na proporção de 5 por 1, os
produtos europeus (quase inteiramente industrializados) abarrotam os mercados
de subsistência brasileiros ao passo que, na Europa, quando muito, sacas de
café e gêneros primários aportam em poucas praças européias. Máquinas de
costura, pianos, patins para gelo, burras de ferro, debulhadores de milho,
mobílias; o piano tornou-se o
feitiche da época, objeto de desejo dos lares patriarcais, um móvel
aristocrático que inaugurava um novo cômodo nas casas oitocentistas: o salão,
um espaço privado de sociabilidade que torna visível para os observadores selecionados, a representação da perfeita vida familiar.
O 15 DE NOVEMBRO E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
Embora presente em alguns movimentos até anteriores à
Independência, o republicanismo não criou raízes no Brasil até quase o final do
século XIX; na realidade, nesses casos, o ideal republicano tendia muito mais a
se constituir um meio para questionar o poder de Lisboa ou do Rio de Janeiro em
nome duma proposta federalista que assegurasse maior autonomia para as
províncias. Mesmo a Regência (1831-1840) fora tido em conta duma experiência
republicana para alguns autores. Mas o temor à anarquia devido ás reivindicações
de descentralização levou à opção pela ordem com a Maioridade de Dom Pedro II.
A Guerra do Paraguai pode ser considerado o estopim do
questionamento quanto aos rumos que a sociedade e a política brasileira tomava
naquela segunda metade oitocentista; o Exército obteve duras porém
significativas vitórias no conflito, e compunha seus quadros uma tropa formada
por escravos libertos, escravos substitutos de senhores arredios, brancos e
mestiços pobres, oficiais acabrunhados pela impressão que os sul-americanos
faziam de sua sociedade escravagista e pela indiferença da arma em relação à
Guarda Nacional – composta de componentes sem especialização militar básica –
como força de defesa do país. A oficialidade, ao retornar da guerra, viu-se
imbuída de participar dos destinos políticos da nação.