Aqui e agora, as duas primeiras apostilas: CONQUISTADORES E NEGOCIANTES e VILLEGAGNON (histórico da França Antártica)
Bons estudos, galera!
CONQUISTADORES E
NEGOCIANTES
A
conquista do Rio de Janeiro pelos lusos acontecera num momento em que o império
português achava-se atacado em várias frentes, e eram sempre conflitos que
oneravam em muito o erário. A solução para vencer os franceses e seus aliados
tamoios entre 1560 e 1570 fora utilizar-se do velho sistema de mercês, ou seja:
a conquista da região da Guanabara aconteceria com recursos da própria América
Portuguesa.
Com
isso, compreende-se o apelo do governador-geral Mem de Sá e seus capitães-mores
Estácio de Sá e Antonio Salema em relação aos seus ministros, oficiais e aos
potentados locais, todos como leais vassalos deveriam concorrer nas lutas
contra os franceses e tamoios com seus recursos próprios e dirigi-las.
Mesmo os não “funcionários” vinham para a
refrega. Estes e aqueles supracitados vinham
não somente em pessoa mas também
com todo um séquito – cabedais, parentes, escravos e flecheiros, entre tantos –
que serviram inclusive para o bem e a povoação das plagas do Rio de Janeiro.
Tais
ajudas lhes facultaria solicitar futuras
mercês régias e honrarias, conforme a lógica do Antigo Regime para aqueles
desbravadores; afinal, nobreza se definia por ter cabedais para servir ao rei,
sendo isso válido para os que pretendiam tornar-se cavaleiros ou para os que já
o eram.
Com
isso, formaram-se redes políticas entre segmentos das elites regionais e
inter-regionais, constituição de uma nobreza da terra, interferência das
parentelas dos conquistadores no governo da cidade e na montagem da economia da
capitania.
VILLEGAGNON
E A SEQUÊNCIA DA FUNDAÇÃO DA FRANÇA ANTÁRTICA
Os
franceses conheciam o Brasil (não com esse nome) desde a viagem de Jean Cousin
pela foz do rio Amazonas em 1488. O armador francês Jean Ango possuía um
comércio rendoso entre Brasil e França no século XVI que lhe rendera vultosos
lucros com o transporte de madeira de pau-brasil, produtos, animais tropicais e
até alguns indígenas para os portos da Normandia e Bretanha. Comentavam nesses
portos que os portugueses raramente saíam de suas capitanias e que os tamoios
não gostavam do modo como os peró (denominação dada pelos nativos aos
portugueses) os tratavam. Todos os anos, navios franceses viajavam regularmente
para a dita América Portuguesa, levando machados e bugigangas de todo gênero
para a troca com os indígenas por todas aquelas mercadorias supracitadas, que
faziam o gênero na Europa. Os artefatos de metal trazidos pelos franceses produziram um avanço tecnológico
significativo em algumas tribos, passando-as praticamente da idade da pedra em
que se situavam para o uso dos metais sem ao menos saber como se criavam tais
artefatos.
Os
portugueses irritaram-se com esse intercâmbio vantajoso para os franceses,
ainda achando-se abonados pelo tratado de Tordesilhas, mas esses faziam até
mesmo reconhecimentos cartográficos na costa brasileira, tamanha a demanda do
comércio e o privilegiado ponto estratégico da região.
A
preparação da viagem exploratória de Villegagnon fora discretíssima e fora
coberto de caráter comercial. Os indígenas informaram-no sobre os portos mais
abrigados da região para que pudesse instalar a colônia francesa, núcleo da
futura França Antártica, além de narrar-lhe sobre os hábitos dos portugueses. Soube
que os lusos adiaram a instalação na Guanabara temendo os numerosos tupinambás,
que os detestavam; com isso, esforçou-se Villegagnon para se relacionar com a
maior cordialidade possível com os indígenas, o que se tornaria o fator
decisivo para a próxima empreitada francesa na região.
Sucesso
comercial garantido, Villegagnon ao retornar convencera o rei Henrique II sobre
as possibilidades comerciais de uma colônia permanente no Brasil. Este ordenara
ao seu principal ministro, o almirante Coligny (ainda católico na época) a
preparação de uma expedição colonizadora ao Brasil e entregou o comando a
Villegagnon. Partiram de Dieppe a 14 de
agosto de 1555 e dois meses e meio depois chegaram a Búzios.
Tendo
chegado à Guanabara em 10 de novembro de 1555, tratou Villegagnon de
estabelecer um forte na ilha de Serigipe e um contato habilidosamente amistoso
com os nativos, diferente dos portugueses, vindos para escravizá-los para a
mão-de-obra do cultivo de cana-de-açúcar. Segundo André Thevet, os víveres eram
fornecidos pelos indígenas em troca de
objetos de pequeno valor. Não havia escassez de intérpretes pois na região viviam
normandos desertores de outras viagens que habitavam com os índios e já eram
fluentes na língua dos tupinambás. Entretanto, a situação político-religiosa na
França e a penúria do erário francês não permitiriam enviar reforços
substanciais para fortalecer a cabeça-de-ponte a ser instalada no Rio de Janeiro.
A qualidade do elemento humano recrutado
para essa empreitada foi o primeiro sério problema enfrentado por Villegagnon
na instalação e administração da França Antártica. Boa parte fora arregimentada
nas prisões do norte francês e eram pessoas
de mau caráter, indisciplinados e indolentes; muitos vieram para a
Guanabara para se livrar das prisões, das galés ou mesmo das penas de morte,
embora alguns fossem hábeis artesãos e/ou operários eficientes também. Muitos
chegavam enfraquecidos ou adoecidos pelos rigores da travessia marítima e
usavam de todo tipo de artifício para não trabalhar. O almirante precisou de
muita energia para fazê-los trabalhar duro. A utilização de mão-de-obra
indígena foi a solução para suprir essa dificuldade, mas meses depois os
indígenas tornaram-se esquivos, pois muitos deles cansaram-se desse tipo de
presente e queixavam-se do excesso de trabalho, visto que os franceses se
eximiam das funções mais agrestes.
Por falta de diplomacia do almirante, a
questão sexual fora também uma chaga que doera fundo nas intenções de firmar o
estabelecimento francês na Guanabara. Homens
que enfrentaram meses de difícil viagem e que se submetiam à rígida
disciplina do Cavaleiro de Malta (Villegagnon), religioso intransigente, que
abominava a idéia do comércio amoroso estabelecido entre os indígenas e os
recém-chegados de além-mar, com a complacência do cacique Cunhambebe e dos maridos
e pais das jovens, que recebiam presentinhos como compensação pelos favores
concedidos pelas moças. Quando o almirante passou a exigir que seus marujos e
colonos se casassem com as moças perante o notário, houve a oposição de muitos
dos franceses, que preferiram fugir para a floresta e viver com os indígenas,
perdendo assim, a colônia, homens de valiosa colaboração; outros, casaram-se
contra a vontade e alguns que não cumpriram e ficaram foram punidos e até
ameaçados de morte. Mas era a mentalidade da época, tanto para protestantes
quanto para católicos. O fato é que a
disciplina, já de difícil imposição, ficara insuportável.
A antropofagia dos tupinambás era outra
questão espinhosa para o sucesso das relações entre franceses e nativos. Várias
discussões aconteceram entre Villegagnon e Cunhambebe sobre a proibição dos
indígenas comerem seus inimigos, coisa que pouca importância tinha para o êxito
da França Antártica mas que os locais defendiam por tradição. O apoio de
mão-de-obra nativa declinou em qualidade e quantidade no mesmo tempo em que o
número de franceses diminuía dia após dia. Graças ao prestígio que Villegagnon
gozava em Portugal é que os lusos receavam atacar o Forte Coligny: só quando ele retornara à Paris para
justificar-se de acusações calvinistas do gerenciamento da colônia é que Mem de
Sá atacara o forte, e ainda assim teve
sucesso por causa do abandono dos seus defensores e da traição de um francês.
Villegagnon escreve a Calvino (31 de março
de 1557), explicando as graves dificuldades coloniais que o afligiam nos trópicos;
da mesma forma (e por intermédio de seu sobrinho, Bois-Le-Comte), escrevera ao rei,
ao Duque de Guise, a Coligny e a outras personalidades expondo a situação e solicitando
reforços. Coligny terminara por mandar um pequeno e inexperiente grupo de calvinistas,
que só dificultariam ainda mais a situação da colônia e seu fundador. Após escapar
de um atentado contra a sua vida, o almirante viu a situação da colônia – tanto
o forte Coligny, na ilha de Serigipe, quanto as instalações urbanas no continente,
denominadas de Henriville - ficar cada vez mais precária. Ao final, restara-lhe
ao redor um reduzido número de franceses e escoceses (estes, de sua guarda
pessoal) e alguns indígenas fiéis.
Os portugueses infligiram uma derrota aos franceses
e seus aliados indígenas em 1560, quando se reagruparam os sobreviventes e se refugiaram
no Morro da Glória, plenamente ocupado e fortificado. Finalmente, em 1567, a investida
de Estácio de Sá contra aquelas baterias fora decisiva de tal modo que forçara os
franceses à busca dum acordo: quatro naus levaram a maioria dos derrotados de volta
à França, um tanto resolvera ficar no convívio com os tupinambás, e só regressaram
à Europa bem mais tarde. Estácio de Sá morreria com uma flechada envenenada naquela
abordagem decisiva.
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