quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Renascimento Urbano na Idade Média







Eis aqui, a última peneirada do período: tudo de bom, moçada!









LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO
HISTÓRIA MEDIEVAL


O RENASCIMENTO URBANO




Enfim, o Mediterrâneo ocidental é libertado dos muçulmanos, graças a pisanos, genoveses, catalães e normandos; resulta disso um desenvolvimento das cidades costeiras italianas: Amalfi e Salerno, precursoras, são logo suplantadas em proveito inicial de Pisa e, em seguida, de Gênova e Veneza. Estas últimas encarregam-se da troca entre Ocidente e Oriente, beneficxiando-se dos privilégios monopolistas em algumas nações e impérios – como Veneza em Bizâncio e Gênova no Mar Negro, distribuindo produtos extremamente requiridos no Ocidente quase que com exclusividade, e revendem no norte da Europa. A metalurgia aumenta na Itália ao lado da invenção do tear horizontal, mais eficiente, facilitando a fabricação do tecido de lã, que enriquecerá Florença. Doravante, serão os italianos (denominados de “lombardos”) que atravessam cada vez mais os Alpés para vender seus produtos na França e na Alemanha.É o seu avanço que conduz a situar no centro da Europa a zona de trocas comerciais mais intensas, originando, assim, as feiras de Champagne. Produtos do norte e do sul são ali negociados entre as duas regiões comerciais mais ativas: Itália e Flandres. Feiras de periodicidades fraca, com frequência anual, semestral e, por vezes, trimestral, dotadas de privilégio pela autoridade controladora e estritamente controladas por ela.
O sinal do desenvolvimento das trocas nas feiras é manifesto pelo retorno da cunhagem do ouro, tentada com alguns príncipes após ser abandonada desde Carlos Magno e retomada com êxito pelas cidades italianas: o genovês, em 1252, o florim (Florença, que será modelo de muitas moedas européias no fim da Idade Média) e o ducado, de Veneza, em 1284.

O fenômeno da reafirmação urbana na Idade Média Central associa-se ao desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais; mas não devemos descuidar da presença das autoridades militar (condal ou principesca) e episcopal, que suscita a manutenção de uma corte numerosa e cria um efeito de atração.

As cidades do Ocidente conheceram um forte crescimento durante a Idade Média Central. De início, formam-se burgos em torno das muralhas antigas: símbolo da renovação urbana, eles dão o seu nome aos “burgueses”, até que seja retornado para designar o 'conjunto de habitantes da cidade', nada tendo a ver com o têrmo atual, pois neste contexto medieval ele incide sobre trabalhadores assalarados quanto para cavaleiros, que residem na cidade. O desenvolvimento dá lugar a um fenômeno adotado a gosto pela historiografia do século XIX, a formação das comunas. Erradamente, a concepção de liberdade atual difere em muito a daquele tempo, pois no mundo medieval, liberdade consiste em obter franquias urbanas – por exemplo, a isenção de direitos senhoriais, em especial sobre os mercados e pedágios, ou a possibilidade de cobrar taxas por sua própria conta – e privilégios, permitindo uma organização política autônoma (conselho e representantes eleitos), o exercício de uma justiça própria e a formação de milícias urbanas. As cartas de franquia são, muitas vezes, objetos de negociação sem violência entre mercadores, aristocratas e autoridade condal-ducal. Em outras partes, é o rei quem cede as cartas, mas com frequência ele se reserva o direito de nomear as principais autoridades municipais. A principal hostilidade à formação das comunas vem dos clérigos, e é onde o bispo conserva maior controle das cidades que o movimento leva mais facilmente ao afrontamento violento.

Fortemente hierarquizada, as cidades estão nas mãos dos mais ricos. As comunas do século XII são fruto duma conivência entre a aristocracia cavaleiresca e a elite dos mestres de ofício, ou seja, apenas um punhado de homens – derrubando o conceito também idílico de “democracia” das cidades medievais e seus governos. As famílias aristocráticas detém a posição de destaque na cidade, impõe o respeito pela força militar, impressionam pelos seus palácios, pela abundância de seus servidores domésticos, pelo fausto de suas festas e seus deslocamentos. E embora residam nas cidades, os aristocratas permanecem ligados ao mundo rural pelos seus bens fundiários, cuja gestão delegam a homens de confiança e pelos seus laços familiares ao associação política com os dominantes que controlam as aldeias e os castelos rurais.

É preciso considerar que, ao menos, nos séculos XII e XIII, o poder de alguns governos urbanos passe pelas mãos dos principais mercadores e mestres de ofício (na Itália, denomina-se esse estamento superior de popolo grasso, apoiado ao popolo minuto para afastar antigos aliados aristocráticos); afinal, mercadores e artesãos não formam um grupo à parte, separados dos aristocratas milites, pois eles estão amplamente misturados e se fundem, ao menos parcialmente, no seio de uma elite urbana que combina atividades artesanais e mercantis com reinvidicação de 'nobreza', espírito contábil e ética cortês. Alguns conflitos urbanos, a despeito de etiquêtas enganadoras, põem em confronto facções da elite embora distintas, sociologicamente muito próximas. E essas refregas acabam oferecendo um espaço ao popolo minuto. O verdadeiro poder é retido pelos ofícios mais influentes (joalheiros, cardadores ou fabricantes de peles) , excuindo os ofícios inferiores (açougueiros, pedreiros, carpinteiros e trabalhadores de couro). Algumas famílias chegam a encampar cargos municipais constituindo verdadeiras dinastias – como em Flandres, por exemplo – e apenas ao fim dos séculos XIII e XIV é que o popolo minuto dos ofícios inferiores adquire mais força, obtendo um espaço de participação no seio das instituições urbanas. Mas, ao fim da Idade Média, os popolo grasso retomam o controle.

As atividades produtivas das cidade medievais são organizadas em ofícios, cujos regulamentos detalhistas fixam as normas de produção, qualidade dos produtos, preços, salários e condições de trabalho. Distante de qualquer noção competitiva e capitalista que viria com o advento da racionalidade econômica dos setecentos, a exigência de qualidade, definida pelas normas dos ofícios, permanece mais importante que o aumento da produção; há uma preocupação com a maximização dos rendimentos e do tempo de atividade, investimentos limitados e as considerações não econômicas determinam largamente a utilização dos lucros – poupança para prevenção de crises, aquisição de terras, fundações piedosas, investimentos no além-túmulo.

Estado de espírito novo, a cidade é também, em alguns casos notáveis, uma atividade intelectual animada que se concentra em torno de escolas de catedrais, colégios e, mais tarde, universidades. Estas sustentam uma produção de livros manuscritos nos ateliês laicos que logo superam os scriptoria monásticos. A efervescência intelectual é tão intensa que toma facilmente a forma de discussões públicas que animam praças e ruas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BASCHET, Jerome. A Civilização Feudal – do ano mil à colonização da América. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2012

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