terça-feira, 18 de setembro de 2012

A CHEGADA DA FAMÍLIA REAL E POLÍTICAS DAÍ RESULTANTES



Última parte da matéria de História do Rio de Janeiro (P1). Vamos à luta, povo da História!


    Napoleão Bonaparte assenhoreava-se da Europa, determinando um Bloqueio no continente para prejudicar sua inimiga fidagal, a Inglaterra, e impunha sua ordem às monarquias do Velho Mundo. Reposicionando as peças no tabuleiro político do Ocidente, tomava trono dos insubmissos e negociava com quem achava mais apropriado. Este foi o caso da Casa de Bragança, em Portugal: a proposta de salvação pela submissão fora estudada pelo então Príncipe-Regente Dom João, com a Inglaterra do outro lado, garantindo-lhe a soberania. Se bem que, a custoso soldo...
   O desfecho deste imbróglio, já é de domínio público, além das cátedras: quinze mil pessoas (?) metidas em dezenas de navios, escoltados por uma chantageadora Grã-Bretanha, Dona Maria divagando no coche real e as dificuldades da realeza na travessia atlântica.
   Em 22 de janeiro de 1808, uma sexta-feira, a esquadra bragantina chegara a Salvador. A belíssima visão da baía de Todos os Santos, a brisa fresca vinda do mar e a vegetação que se confundia com o solo avermelhado típico da região eram atrativos encantadores para a fidalguia portuguesa recém-chegada, porém recepcionada de maneira não condizente ao seu status: o conde da Ponte, João Saldanha da Gama (governador da capitania), não esperava que a comitiva real por lá passasse. “À constatação da precariedade urbana e do esforço que os comuns faziam para agradar e receber a Corte, os chegados depararam-se com uma praça africanizada na América, tantos eram os negros  escravos que compunham a população, em verdade, maioria dela.
   Cerimônias litúrgicas, rapapés, visitas aos notáveis da terra: nada disso impedira Dom João de sacramentar o primeiro edito régio no Novo Império Lusitano: a carta de Abertura dos Portos às Nações Amigas. A bem da verdade, à verdadeira nação “amiga” – a Inglaterra. A partir de então, os gêneros denominados molhados (vinho, azeite, aguardente) pagariam 24% ad valorem. Segundo a carta, poderiam ser levados pelos estrangeiros, com exceção do pau-brasil e outros  monopólios, os “gêneros e produções coloniais”. Com exceção de França e Espanha, os navios de todo o mundo poderiam transportar as mercadorias saídas da colônia ou para ela remetidas. Ganhava-se, assim, a liberdade de comércio e cumpria-se o tratado inicial com a Inglaterra, que previa tal tipo de acerto (tratado relembrado duramente por Lord Strangsford, plenipotenciário inglês em Lisboa, durante o período de pressão bélica francesa). No pique da Revolução Industrial que viviam, os ingleses produziam prodigiosamente; e tudo trouxeram os ingleses, tudo que a colônia jamais produzira por não possuir indústrias e os locais sequer sabiam em que se utilizavam algumas dessas mercadorias, como porta-notas, por exemplo, ou patins para gelos... Tais manobras comerciais também atrasaram consideravelmente o nascimento da indústria no Brasil, pois durante muito tempo, por conta das baixas tarifas, sempre se podia obter do estrangeiro sem a necessidade de produzi-los por aqui. Abarrotara-se o mercado muito além da capacidade de absorção do mercado brasileiro, detentor de numerosa população escrava, pelas elites (a recém-chegada e a da terra) que mal e mal davam conta de seu parco  cotidiano.
   A 8 de março de 1808, a Corte desembarcara no Rio de Janeiro, até então uma quase-aldeia para os padrões europeus. Tinha não mais que 46 ruas, quatro freguesias, dezenove campos ou largos, entre eles o do Paço, calçado, com um chafariz desenhado por Carlos Mardel e substituído por Valentim da Fonseca e Silva. Edificações pobres, vielas estreitas e esburacadas, algo de vistoso e bem cuidado ainda se notava, como o prédio da Ordem Terceira do Carmo. E enquanto o Vice-Rei, o conde dos Arcos, corria em preparar a residência real no Paço, providências foram tomadas para acolher a multidão de cortesãos, funcionários, militares, negociantes e demais acólitos de além-mar; fora decretada a lei das aposentadorias, que determinava aos proprietários dos melhores prédios nas proximidades do palácio que os deixassem  livres para abrigar os recém-chegados. Como a medida instava que se desocupasse imediatamente, autoridades do governo escreviam na fachada dos prédios escolhidos as iniciais P. R. (Príncipe Regente). O povo, na ironia que lhe cabe, traduzira a abreviatura para “ponha-se na rua”, ou ainda “prédio roubado”. E muitos proprietários se defendiam com as armas que possuíam: simulavam ou mesmo realizavam obras perfeitamente dispensáveis, obras eternas, nas quais andaimes passavam a constituir parte integrante das fachadas, telhados com reparos sempre a fazer, decorações inacabadas ou paredes que nunca se levantavam. Tais pirraças se davam, grosso modo, com as personagens do segundo escalão da comitiva real, a quem denominavam “toma-larguras”.
     A seguir, era a hora de montar o aparelho de estado que passaria a colônia a sede do reino. Instituições metropolitanas foram acondicionadas na estrutura do ex-vice-reinado: o Desembargo do Paço (instância jurídica maior, porém um cabide de favores mesmo em Lisboa) , a Mesa da Consciência e Ordens (de cunho religioso), a Casa da Suplicação (grande tribunal do reino). Para garantir o cumprimento das leis e a ordem da população na capital real, a criação da Intendência-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, em 5 de abril de 1808 seria observada por todas as autoridades criminais e civis espalhadas pelas cidades e vilas das capitanias. Cuidando das finanças, o Erário e o Conselho de Fazenda administrariam as já existentes Junta da Fazenda, Alfândega, Intendência da Marinha e Armazéns Reais. Ainda em 1808, criara-se o Banco do Brasil para agilizar e atender os interesses do comércio.
    Como o que acontecia não tinha antecedente – a colônia virando metrópole e a metrópole virando colônia - , uma enxurrada de documentos e publicações foram acumulando para concretizar essa inversão. Era preciso publicá-los, mas não havia imprensa no Brasil, proibida que era por editos reais anteriores, face a condição de colônia. Sendo outra a história do momento, a 13 de maio de 1808 criara-se a Impressão Régia, que com o passar dos anos modificara-se na razão de ser: em 1815, quando  a colônia obteve o status de Reino Unido a Portugal e Algarves, passara a Régia Oficina Tipográfica; em 1818, Dom João era aclamado rei e a oficina mudara para Tipografia Real. O aparato servira para a “propaganda do estado”. As obras que o governo mandava publicar chegava à oficina trazendo ao pé da página de rosto a indicação: “Por ordem de S.A.R. (Sua Alteza Real). De seus prelos saíra o primeiro periódico brasileiro, a Gazeta do Rio de Janeiro.  

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