domingo, 25 de março de 2012

Aula de História Contemporânea, apostila Hobsbawm I: A Era Das Revoluções









A primeira resenha da apostila 1 de História Contemporânea (Danielle Crespo); a segunda sairá na quinta-feira, antes da aula à noite.


Abraços a todos, bom fim de domingo.



HOBSBAWM, Eric J., A Era das Revoluções (Europa, 1789 – 1848), cap. 3, 16ª Edição Revista. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2004


Resenhado por: Jorge Luiz da Silva Alves, terceiro período de História, UCAM/Santa Cruz


A estruturação político-financeira da Europa do século XIX fora pautada pelas linhas nada tortuosas das revoluções inglesa e francesa: a primeira, o explosivo econômico que rompeu com vários modelos tradicionais do mundo não-europeu, com suas ferrovias e fábricas; a segunda, com sua política e ideologia revolucionária, de propostas liberto-igualitárias.

Mas foi a França Revolucionária de 1789 quem fornecera o vocabulário e os temas da política liberal e radicalmente democrática para a maior parte do mundo. O final do século XVIII foi uma época de crises para os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos. Uma revolução social de massa e a única, de todas as revoluções contemporâneas, de caráter ecumênico. As idéias dos fisiocratas e iluministas que tanto fermentaram os princípios das novas forças sociais ascendentes não eram assim, tão inéditas; tiveram ampla difusão nessa época entre os chamados “déspotas esclarecidos”. Mas na maiorias dos domínios desses “déspotas” essas reformas eram inaplicáveis e, portanto, meros floreios teóricos incapazes de mudar o caráter geral de suas estruturas político-sociais, que também fracassaram por força da resistência dos aristocratas locais e de outros interesses estabelecidos, deixando o país recair numa versão um pouco mais limpa do seu antigo Estado. E na França, especialmente, fracassaram mais rapidamente do que em outras partes pois a resistência dos interesses estabelecidos era mais efetiva.Tanto que Turgot, economista fisiocrata alçado ao comando das finanças do Estado, lutou por uma exploração eficiente da terra, comércio e empresa livres e uma administração padronizada e eficiente em todo o país, mas fracassou por conta das resistências e interesses supracitados. Tudo era uma questão (infelizmente, para a monarquia, nobreza e o alto clero) de tempo, pois as forças da mudança burguesa eram poderosas demais para cair na inatividade. Elas simplesmente foram transferidas de uma monarquia esclarecida para o povo ou a “nação”.

A centelha que servira para explodir o barril de pólvora francês foi a chamada “reação feudal”, como foi discutido no último parágrafo. A nobreza fora destituída de sua independência política e responsabilidades governamentais com o fortalecimento da monarquia absolutista e sua gradual preferência pelos homens da classe média nas posições estratégicas da administração estatal. À nobreza, tudo que restara na prática (salvo detalhadas exceções) foram as rendas de suas propriedades, o privilégio da isenção de quaisquer impostos, entre outras formalidades que oficialmente impediam-nos de possuir profissão. Em sua esmagadora maioria, eram homens de etiquêta e tradição, não preparados para administrar a máquina pública; mas no século XVIII eles invadiram os postos oficiais que a monarquia preferia ocupar com os da classe média. Isso na capital e centros urbanos pois, nas províncias, os cavalheiros de poucos recursos e posses (se comparados aos parisienses) extorquiam pesadamente o campesinato. No fim das contas, a nobreza exasperava não só a pequena burguesia e a classe média alta como também o camponês.


Muito se justificara sobre a exorbitância dos gastos da Corte como a pedra angular da crise que levara à França à revolução. Mas foi provado que a extravagância de Versailles significavam, em 1788, apenas 6% dos gastos totais do erário francês. As guerras e o serviço da dívida sobre elas, levavam mais de ¼ das finanças públicas ralo abaixo, partindo a espinha da monarquia. Sobretudo duas delas, a Guerra dos Sete Anos e a Guerra da Independência Americana (ambas contra a Inglaterra).

A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado, nem contou com “líderes” como as revoluções do século XX. O que deu ao movimento uma unidade efetiva foi um surpreendente consenso de idéias gerais entre um grupo social bastante coerente, chamado “burguesia”. Suas idéias eram as do liberalismo clássico, conforme formuladas pelos “filósofos” e “economistas” e difundidas pela maçonaria e associações informais.Pode-se dizer, com justiça, que os “filósofos” são os responsáveis pela Revolução. Ela até poderia ocorrer sem eles; mas eles provavelmente constituíram a diferença entre um simples colapso de um velho regime e a sua substituição rápida e efetiva por um novo.

O burguês liberal clássico de 1789 – assim como seria o liberal de 1789-1848 – não era exatamente um democrata mas sim um devoto do constitucionalismo, um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo de contribuintes e proprietários. E as exigências do burguês foram delineadas na famosa Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, um documento que é um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática. “Os homens nascem e vivem livres perante as leis”, mas neste mesmo documento ela prevê a existência de diferenças sociais, ainda que “somente no terreno da utilidade comum”. Vários são os pontos da famosa Declaração que exprime, além da vontade geral do “povo”, o interesse de uma determinada faixa estamental.

Os últimos anos da década de 1780 tinham sido, por uma complexidade de razões, um período de grandes dificuldades para a economia francesa. Além da extorsão progressiva do campesinato pela nobreza provinciana, as más safras e um inverno muito rigoroso tornaram a crise mais aguda. A maioria dos homens em suas insuficientes propriedades tinham provavelmente que se alimentar do trigo reservado para o plantio ou então comprar cereais a preços fome pelos grandes produtores. Obviamente, as más safras faziam sofrer os pobres das cidades, cujo custo de vida podia duplicar por conta das intempéries. O empobrecimento do campo reduzia o mercado de manufaturas e portanto também produzia uma depressão industrial. Os pobres de interior viravam-se para os distúrbios e o banditismo e os da cidade desesperavam-se pois o trabalho cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente.

Somemos as coisas e concluamos: uma grande convulsão no reino mais uma extensa campanha de propaganda e eleição dos “esclarecidos”deram ao “povo” uma perspectiva política. Apresentava-se, assim, a tremenda e abaladora idéia de se libertar da nobreza e da opressão. Uma onda de pânico em massa e os levantes provincianos mergulhou o país no que se convencionou chamar de O Grande Medo (Grande Peur), entre julho e agosto de 1789. Nesse período, a estrutura do feudalismo rural francês e a máquina estatal da França Real viraram escombros, destroços. Uma dispersão de regimentos pouco confiáveis, uma Assembléia Nacional sem força coercitiva e uma multiplicidade de administrações municipais ou provincianas de classe média (criadoras das diversas “Guardas Nacionais”burguesas, seguindo os moldes parisienses) foi o que desenhou o mapa político da França Revolucionária de então. E a peculiaridade da Revolução Francesa é que a facção da classe média liberal que estava pronta a continuar revolucionária até o limiar da revolução antiburguesa era a dos Jacobinos, cujo nome veio a significar “revolução radical” em toda parte. Isso porque a burguesia francesa ainda não tinha o que temer da própria Revolução; depois de 1794 ficaria bem claro que os jacobinos levaram a Revolução longe demais para os objetivos e comodidades burgueses. Os Jacobinos podiam sustentar o radicalismo pois, à época, ainda não existia uma classe que fornecesse uma solução social coerente como alternativa à deles. E quem poderia servir para tanto seriam os “sansculottes um misto de trabalhadores pobres, pequenos artesãos, lojistas, artífices, pequenos empresários, etc. Organizados nas “seções” de Paris e nos clubes políticos locais, foram a principal força de choque da Revolução, manifestantes, agitadores, construtores de barricadas que, através de jornalistas como Marat e Hébert, e de porta-vozes locais, eles eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava expressar os interesses da grande massa de “pequenos homens” existentes entre os pólos do “burguês” e do “proletário”, mais para o segundo que para o primeiro pois eram em maioria, pobres de fato. Longe de ser também aquela solução social coerente, os sanculottes não conseguiram realizar o dourado ideal de pequenos fazendeiros e artífices não perturbados por banqueiros e milionários; mas conseguiram erguer obstáculos preciosos à sua passagem na conquista do poder, dificultando o crescimento econômico francês daquela época e décadas depois.

Quando um leigo instruído pensa na Revolução Francesa, são os acontecimentos de 1789, especialmente a República Jacobina do Ano II , que vêm à sua mente. Robespierre, Danton, Saint-Just, Marat, o Comitê de Salvação Pública, o tribunal revolucionário e, principalmente, a guilhotina, são as imagens que vemos mais claramente. Para um francês daqueles tempos, o da sólida classe média que estava por trás do Terror, ele não era nem patológico nem apocalíptico: era, sobretudo, o único método efetivo de preservar seu país. Inimigos invadiam a França por todos os lados, o país achava-se desamparado e falido. Quatorze meses depois, toda a França estava sob controle, os invasores foram expulsos, os exércitos franceses ocupavam a Bélgica e estavam próximos de iniciar um período ininterrupto e fácil de vinte anos de vitórias militares (Napoleão). Para a maioria da Convenção Nacional (que detinha o controle político durante todos aqueles meses), a escolha era simples: ou o Terror – com todos os seus defeitos do ponto de vista da classe média – ou a desintegração do país. Fácil deduzir a escolha, pois as perspectivas da classe média francesa dependiam de um Estado nacional centralizado, forte e unificado. E como a Revolução, que criara os têrmos de “nação” e “patriotismo”, abandona-los-iam?

A primeira tarefa do regime jacobino foi mobilizar o apoio da massa contra a dissidência dos notáveis e girondinos provincianos e preservar o já mobilizado apoio da massa dos sansculottes de Paris. Uma nova Constituição um tanto radicalizada, e até então retardada pela Gironda (ala revolucionária mais moderada) foi proclamada. Foi a primeira constituição genuinamente democrática proclamada por um Estado moderno. Os jacobinos aboliram sem indenização todos os direitos feudais remanescentes, aumentaram as oportunidades para o pequeno comprador adquirir as terras confiscadas dos emigrantes e – meses mais tarde – aboliram a escravidão nas colônias francesas. Estabeleceram em França essa inexpugnável cidadela de pequenos e médios proprietários camponeses, pequenos artesãos e lojistas, economicamente retrógrados mas apaixonados pela Revolução e pela República, o que condenou a um longo anonimato todos os grandes negócios como os movimentos trabalhistas. A aliança de jacobinos e sansculottes no centro do governo inclinou-se, portanto, para a esquerda. A perda de Danton e a adoção salvadora de Maximilien Robespierre foi o sinal desta inclinação. Fanático, frio e com seu senso excessivo de monopolizador da virtude, Robespierre é o único indivíduo projetado pela Revolução sobre o qual se desenvolveu um culto. Seu poder era o do povo, as massas parisienses; ele não possuía poderes ditadoriais, era apenas um membro do Comitê de Salvação Pública, um mero subcomitê da Convenção. Quando as massas o abandonaram, ele caiu. O constante silvo da guilhotina lembrava a todos que, naquele período sangrento, ninguém estava a salvo. Por volta de 1794, tanto a direita quanto a esquerda tinham ido para a guilhotina, e os seguidores de Robespierre estavam politicamente isolados. Somente a crise da guerra que sustentavam contra várias nações os mantinham no poder. Quando, ao final de junho de 1794, os novos exércitos da República ocuparam a Bélgica e derrotaram firmemente os austríacos, o fim aproximara-se. Em julho daquele ano, a Convenção derrubou o (agora) dispensável Robespierre. Ele, Sain-Just e Couthon foram executados com outros aliados.

O Termidor é o fim da heróica e lembrada fase da Revolução, dos esfarrapados sansculottes e dos corretos cidadãos de bonés vermelhos que viam-se a si mesmos como Brutus e Cato. Os jacobinos terminaram por perecer frente ao golpe político burguês que se denominou de Diretório. Em 1795 projetaram uma nova constituição feita para se resguardarem do jacobinismo e de uma possível reação aristocrática com surdo apoio das nações beligerantes à França. A inatividade era a única garantia segura de poder para um regime fraco e impopular como este, mas a classe média necessitava de iniciativa e expansão. O exército acabou resolvendo este problema, resgatando o governo mas cobrando um preço alto, com a ascensão de um de seus mais significativos ícones.

Napoleão Bonaparte é fruto deste exército, cujas origens jacobinas foi o mais formidável substrato a anima-lo. Reteve as características da revolução e adquiriu as características do interesse estabelecido, a típica mistura bonapartista. De uma mistura mal enjambrada de cidadãos revolucionários, transformara-se numa força de combatentes profissionais, onde a maioria eram aqueles que ficaram nas tropas por possuírem talento para o militarismo após numerosas deserções. Recrutas mal treinados adquiriam treinamento mediante exercícios velhos e cansativos, a promoção era por mérito em batalha (e não por inteligência) e o senso arrogante de missão revolucionária amalgamava tudo na formação dos batalhões franceses. O generalato napoleônico, sem o seu excepcional líder e estrategista, era, via de regra, medíocre: Napoleão vencia batalhas, seus generais, sozinhos, perdiam-nas. A origem destes generais vinham mais do campo de batalha do que das academias, era certo que um marechal napoleônico tivesse sido um primeiro-sargento ou uma espécie de oficial promovido antes por bravura que por estratégia. Seu precário sistema de abastecimento de tropas bastava nos países ricos e saqueáveis como Bélgica, norte da Itália e Alemanha; mas nos espaços áridos da Polônia e da Rússia, como veremos, ele ruiu. Por isso, a velocidade e precisão espantosa de suas tropas em batalha explicava-lhes o sucesso: Napoleão vencia em curtas e vigorosas rajadas não porque podia fazê-lo mas porque tinha que fazê-lo.
Por outro lado, o exército era uma carreira como qualquer outra das muitas abertas ao talento pela revolução burguesa, e os que nele obtinham sucesso tinham um interesse investido na estabilidade interna como qualquer outro burguês. Foi isto que fez do exército – a despeito do seu jacobinismo embutido – um pilar do governo pós-termidoriano e de seu líder Bonaparte uma pessoa adequada para concluir a revolução burguesa e começar o regime burguês. Como homem, ele era inquestionavelmente muito brilhante, versátil, inteligente e imaginativo. Foi um homem civilizado do século XVIII, racionalista, curioso, iluminado, mas também discípulo de Rousseau o suficiente para ser ainda o homem romântico do século XIX. Ainda assim, o extraordinário poder deste mito não se pode explicar apenas pelas vitórias napoleônicas nem pela propaganda napoleônica. Foi o homem da Revolução e o homem que trouxe estabilidade. Para os franceses, foi algo bem mais simples: o mais bem sucedido governante de sua longa história.

Mas seu mito não foi superior ao da República Jacobina, o sonho de igualdade, liberdade e fraternidade, do povo se erguendo na sua grandiosidade para derrotar a opressão. Este foi um mito muito mais poderoso que o dele, pois, após a sua queda, foi isso e não a sua memória que inspirou as revoluções do século XIX, inclusive na própria França.    

4 comentários:

  1. Falando-se de mitos - não importa se o da Revolução de 1789 ou o de Napoleão, não importa - "(...) foi um mito muito mais poderoso (...) pois, após a sua queda, foi isso e não a sua memória que inspirou as revoluções do século XIX (...)", que exemplificam com clareza incomum o que é fato histórico compreensível e inteligível, mesmo à distância de mais de 200 anos.

    ResponderExcluir
  2. EEEEEEEEEEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!! Óia euuuuuu!!!! rsrsrsrs.
    Puxa, fikou longo né amigo? Obrigada mais uma vez pela generosidade e amizade.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Estamos no mesmo barco, Monny querida! Agora, o soninho reparador, porque logo mais é caminhada às sete da manhã!

      Excluir
    2. Ê vidão... um dia vou ter um vidão desses... kkkkkkkkkkkkkkk
      Bom descanso amigo! Q Deus te abençoe!

      Excluir