terça-feira, 27 de novembro de 2012

Reforma Urbana e a Revolta da Vacina - Texto 7 (P2)




O texto de Jaime Benchimol sobre a Revolta da Vacina e antecedentes; urge acompanhar-se da apostila para mais esclarecimentos. Abração e até logo mais, povo bom!


3 => REFORMA URBANA E REVOLTA DA VACINA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (Texto 7, mesmo título)

   Dos escombros gerados pela Revolta da Vacina em 1904 não emergiu um Rio de Janeiro idealizado por seus proponentes reformistas; ao contrário, suscitaram novas contradições e expuseram as chagas de históricas enfermidades sócio-políticas, desta vez agravadas pela política “racional” daquela época.
    O processo de capitalidade ocorrido no Rio de Janeiro a partir da sua transformação em sede de diversos governos nacionais (Vice-Reinados, Reino Unido, Primeiro e Segundo Império e República Oligárquica) trouxe não apenas a preponderância ante um universo luso-brasileiro  mas também os problemas concernentes à metrópole singular que era. Cidade colonial escravista, entrara em meados do século XIX na fermentação da Segunda Revolução Industrial em passos trôpegos, com sua economia ainda fortemente atrelada à escravidão paralela às mudanças do capitalismo burguês,  sobretudo na Europa. A cidade sofrera mudanças estruturais à fórceps, com drenagens de pântanos, brejos e a ocupação de áreas desabitadas na periferia, desafogando-se do crescimento desordenado com a incipiente malha viária expandindo a população para freguesias ermas. Mas no centro da cidade (a Cidade Velha, freguesias originais) tropeçava-se entre a antiga estrutura material e as novas relações econômicas; Uma multidão flutuante, heterogênea, morava e labutava na área central, ruas estreitas e sinuosas e uma miríade de cativos e libertos, nacionais e estrangeiros, produtos importados e gêneros primários para consumo e exportação, abafamento e desordem urbana que contribuíam fartamente para a proliferação de epidemias mais ou menos mortíferas , dependendo do período (sobre)vivido.
       Mesmo existindo evidências da presença da febre amarela no Brasil desde 1694, somente a partir de meados do século XIX que a questão desta doença tornou-se nacionalmente relevante. Os médicos brasileiros (com pouco tempo de especializados, a partir de 1829) depararam-se com uma epidemia em 1850 que atingira 90.658 dos 266 mil habitantes da cidade, causando 4.160 mortes (Chalhoub fala em até 15 mil mortes). A partir de então, diversas Juntas e Inspetorias foram instituídas para debater o assunto, mas não só tinham reduzidos recursos estruturais para resolver o assunto da saúde pública (a epidemia extinguira-se no final daquele ano) e o raio das ações desses órgãos restringia-se às cidades litorâneas, especialmente ao Rio. A maioria das cidades interioranas e províncias ficaram fora do projeto. Grosso modo, as epidemias acompanhavam as estações: varíola, no inverno; febre amarela, no verão. E os especialistas estacionavam em argumentos sobre a “natureza” das latitudes tórridas e  a insalubridade do ambiente . O cólera atingiu o Rio em 1855-56 e na década de 1890, pouco antes do Brasil ser alcançado por outra pandemia, a da peste bubônica. Três pontos principais eram ressaltados por eles na tarefa de “restaurar o equilíbrio humano”. Entre  os pontos  morbígenos sobressaíam as habitações, especialmente as “coletivas”, onde se aglomeravam os pobres (e seus hábitos, a ignorância e as sujeiras físicas e morais), os pântanos (foco de exalação de miasmas) e os morros (que impediam a circulação dos ventos capazes de dissipar esses maus ares).
   A partir desses apontamentos, surgiu um discurso ‘higienista’ por parte de simpatizantes da monarquia onde urgia diminuir os infectados (salubridade), alongamento das vias de circulação de ar (comodidade) e dar à cidade uma aparência burguesa (beleza), discurso esse que entranhou-se no senso comum das elites e camadas médias, voz ativa e influente na opinião pública, favorável a todo tipo de melhoramento que transformasse a capital do Império numa cidade salubre e moderna.
      Vem a República e os problemas estruturais da cidade – e as epidemias – continuam. Apesar do crescimento de bairros residenciais para onde segmentos da classe média (subúrbios) e alta (Zona Sul) escapavam e se fixavam, o epicentro  da crise ainda era o centro do Rio, a chamada Cidade Velha e adjacências, lugar de cortiços e ruas estreitas onde a população mais pobre se espremia e sobrevivia. Pereira Passos assumiu a prefeitura do Rio em 30 de dezembro de 1902.  E o projeto de modificação estrutural da cidade, enfim, tem início; não sem um significativo número de oposições, boa parte delas por conta da draconiana política fiscal do governo, atingindo pesadamente as camadas menos favorecidas da população – algumas infrações a título de multas regravam sobre licenças, cães e até posturas – , incomodadas com a regulação da vida pessoal dos habitantes, levando as medidas para o lado pessoal. Oswaldo Cruz apresenta ao Ministro da Justiça em abril de 1903 o plano da campanha contra a febre amarela; o sucesso das campanhas de vacinação dependeu de regulamentações jurídicas que ampliaram o poder das autoridades sanitárias, sobretudo em relação à notificação obrigatória dos casos de doenças infecciosas, face à resistência da população desinformada. Para isso, foi criada uma instância do Judiciário (Juízo de Feitos da Saúde Pública); o projeto que a regulamentava foi apresentado em maio de 1903 e foi duramente atacado por opositores ao governo, sendo aprovado com mutilações apenas no ano seguinte. Mas antes disso, o prefeito Pereira Passos havia intensificado uma polícia sanitária nas habitações, vistoriando energicamente as moradias com o apoio sistemático da polícia para o cumprimento da determinação contra as reações desfavoráveis. Num aparato autenticamente militar, Oswaldo Cruz utilizou os instrumentos legais de coação e, em menor medida, meios de persuasão (“Conselhos do Povo”) contra os porta-vozes da oposição. Em junho de 1904, o projeto que reinstaurava a obrigatoriedade da vacinação e revacinação contra a varíola foi submetido ao Congresso com todo tipo de cláusulas rigorosas incluindo multas e exigência de atestados diversos. Reacendeu-se a oposição, agora reforçada com líderes operários, militares descontentes do Exército, (estes, descontentes com a república de oligarcas renegados do Império) e monarquistas. Em 5 de novembro foi criada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória.
     A lei foi aprovada em 31 de outubro de 1904. A 9 de novembro, a cidade foi paralisada pela revolta, por mais de uma semana, segundo Sevcenko (1984)(6) Chalhoub (1996)(7) e Carvalho (8). Ao invés de um choque entre as massas incivilizadas e a imposição inexorável da razão e progresso, na verdade foi protagonizada a revolta por forças sociais heterogêneas que gerou duas revoltas numa só: a revolta dos populares contra a vacina e as medidas segregadoras das forças do aburguesamento  da cidade sob a capa de “embelezamento”; e a revolta militar, deflagrada dias depois, com o objetivo de depor Rodrigues Alves da presidência.
    Debelada em suas duas faces, a popular e a militar,  apenas a parcela civil sofrera com a dureza do estado de sítio promulgado pelo Congresso para abafar a Revolta da Vacina, que sacudiu a capital da República e servira de sangrento  ritual  de passagem da antiga cidade colonial e escravista para a metrópole burguesa da ‘Belle-Èpoque’; À tribuna, subiam parlamentares governistas e opositores (antes beligerantes) para invectivar os rebeldes pobres, postos a ferros e despachados para o Acre, cumprir suas penas.
   Para Sevcenko, a Revolta da Vacina foi a mais explosiva manifestação da resistência dos grupos populares cariocas ao processo autoritário de transformação do Rio em capital burguesa, reagindo à modernidade cosmopolita de fito europeu como símbolos de um poder opressor. Cukierman (2001) (9), considera-a como o resultado da prática autoritária de cientistas convencidos da superioridade de seu conhecimento técnico e de seu direito de exercer “um poder tutelar ao qual todos teriam de se submeter, obrigatoriamente”.  Carvalho sustenta que a hostilidade popular ao regime republicano, externada já em outras rebeliões, contribuiu para os acontecimentos de 1904. E Chalhoub recupera uma dimensão da Revolta oculta tanto nos relatos da época como nas fontes historiográficas mais conhecidas, a tradição negra no combate à varíola: “Um dos mananciais da revolta seria o culto a Omolu, orixá que tinha o poder de espalhar a doença e, ao mesmo tempo, defender seus devotos de estragos maiores [...] por meio de material varioloso”. Criar obstáculos à ação desta divindade ou impor a vacina animal preparada no Instituto Vacinogênico significava morte e devastação para esse grupo social.
    
   
(6) SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo, 1993: Scipione
(7) CARVALHO, José Murilo de.Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República Que Não Foi.São Paulo, 1987: Companhia das Letras
(9) CUKIERMAN, Henrique Luiz. Manguinhos,outras histórias: a tecnociência em terras brasileiras. Tese submetida ao Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro: novembro, 2001 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Texto 8: A Subversão Pelo Riso - História do Rio de Janeiro (P2)




Texto da Rachel Soihet. Abração, povo!


2 =>  RELAÇÃO ENTRE AS AUTORIDADES DO SAMBA E O ESTADO NOVO (A Subversão pelo Riso, Texto 8)
   A organização das Escolas de Samba no início do século passado é o mais significativo exemplo de como manifestações de cunho popular conquistaram o seu espaço, sobrepondo-se às determinações dos estratos elitistas duma sociedade a partir da negociação com o Estado e suas vertentes sociais. Diferentes versões historiográficas(4) induzem ao raciocínio de que esta organização só acontecera por conta de um ‘beneplácito’ das esferas superiores, uma ‘tolerância’ que trocava vantagens (para os sambistas) por votos (para o poder). Acompanhando, porém,  os estudos da historiadora Rachel Soihet, percebemos que os segmentos populares que por tanto tempo estiveram condenados à segregação, garantiram, por meio de sua cultura, a legitimação de uma identidade própria, promovendo sua participação na vida pública da cidade.
      Todos os esforços para estigmatizar a cultura e os valores populares desde o início da Primeira República por parte do segmento social dominante foram inúteis; os populares engendraram as mais diversas formas de resistência para fazer frente à opressão e à intolerância. E não só resistiram como também se difundiram e se entrelaçaram com a cultura dominante, dando lugar à circularidade cultural.
     Mas, até que ocorresse tal circularidade, os expedientes para a resistência contra a intolerância eram diversos. Uma concentração maior de população pobre nos morros e nas áreas suburbanas em fins da década de 20 encorpara o processo de predomínio da cultura popular no Carnaval, consolidado com o advento das Escolas de Samba, nesta mesma década. Desta população é que vieram os componentes das agremiações. Pessoas que trabalhavam como fiandeiras, tecelões, carpinteiros, empalhadores, lustradores, pintores e pedreiros. Haviam também, os “malandros”, pessoas que não se vinculavam formalmente ao mercado de trabalho. Afinal, a música e a composição não eram considerados como trabalho, e ainda atraía a desconfiança policial.
     Algumas residências dos componentes tornaram-se pontos de encontro por qualquer motivação artística ou religiosa: manifestações religiosas e profanas se associavam constantemente. Muitos desses ‘festeiros’ eram líderes de cultos afro-brasileiros. O próprio local dos ensaios chamava-se terreiro, termo idêntico ao das cerimônias de candomblé.  Monarco, da Velha Guarda da Portela, lembrava da crença na proteção dada ao samba por esse culto, e o fato de ambos serem vítimas da repressão policial.

    A ascensão de Getúlio Vargas ao poder (1930) significa uma quebra no poder das oligarquias cafeeiras no país e, no Distrito Federal, o rompimento com um modelo de civilidade burguesa, de discursos ufanistas mas mentalidades europeizantes, onde manifestações de cunho popular eram tachadas como barbarismo e atraso. Vargas, dissidente das elites após derrota em pleito e gaúcho por substância num Rio de Janeiro desconhecido, valera-se da música popular e das agremiações carnavalescas como veículo para a integração dos populares ao seu projeto de construção da nacionalidade. Paralelamente, toma vulto o esforço de líderes populares para afirmar sua participação no sistema, garantindo a presença reconhecida de suas manifestações nas ruas da cidade. Paulo da Portela(5) ilustra essa tendência, preocupando-se em desfazer a imagem de marginal do sambista e vislumbrando a possibilidade em dar a essa atividade recreativa uma verve profissional, insistia que todos, na apresentação da Portela, estivessem vestidos com a roupa da escola e se comportassem muito bem, a fim de demonstrar que eram adeptos da lei e da ordem, “...todos de gravata e sapato, impondo a arte e cultura de nossa raça, respeitando e fazendo respeitar as leis, cultivando a união e afastando-se da violência...” Dessa coincidência de interesses resulta o predomínio popular no Carnaval. O carnaval da Praça Onze, até então abominado e visto como reduto de marginais, passa a merecer espaço nos jornais. E ocorre uma articulação entre as elites e a massa da população, até então divorciadas, patrocinada pelos novos detentores do poder e perseguida com tenaz habilidade pelos antigos perseguidos.

(4) Maria Isaura Pereira de Queiroz versus Rachel Soihet: “dominados pela elite, que aceita a sua participação em troca de voto”, “construção da nacionalidade”.
(5) O caso de Paulo da Portela, página 145 da apostila 8 – A Subversão Pelo Riso, Rachel Soihet    





Texto 6 de História do Rio de Janeiro: A Representação Ideológica do Espaço


Primeiro texto da prova de amanhã, resumido: urge acompanhar-se da apostila para esclarecimentos. Vamos que vamos, historiadores!


1 => REPRESENTAÇÃO IDEOLÓGICA DO ESPAÇO (O Rio de Janeiro do século XIX, Texto 6)
     A primeira metade do século XIX testemunha o início de mudanças no espaço ideológico da capital do império. Cidade de cunho colonial e escravista, a população indistintamente espremia-se à época no que hoje chamamos de Zona Portuária e Centro: as freguesias da Candelária, São José, Santa Rita, Sacramento e Santana possuíam  desde então, sensíveis divisões sociais: na Candelária e São José, os sobrados das estreitas ruas abrigavam elementos da elite reinante (que por vezes escapavam para as chácaras nas regiões das atuais Glória e Catete), enquanto as demais classes, por reduzido poder de mobilidade, aglomeravam-se nas freguesias de Santana e Santa Rita – atuais Bairro da Saúde e Gamboa. Por conta da gradual ocupação do Arraial de São Cristóvão pelos mais abastados, graças ao aterro em parte do Saco de São Diogo, o acesso ficou melhor para esses grupos e, com a implantação do primeiro serviço de ‘gôndolas’ (ônibus de tração animal) em 1838, outras freguesias foram servidas e ocupadas – Lapa, Botafogo. Trabalhadores livres e escravos de ganho, com pouco ou nenhum poder de mobilidade, ainda abrigavam moradias no Centro, próximos aos locais de trabalho. 
      A partir de 1850, com a decisão da Câmara de intensificar os trabalhos de aterro do Saco de São Diogo e a construção de um canal de escoamento a partir da região da (ainda hoje) Cidade Nova, a ocupação de novos terrenos com o retalhamento das fazendas locais  e a criação de nova freguesia (Estácio) iniciou o espraiar da cidade para oeste, enquanto as antigas chácaras de fim-de-semana da aristocracia em Botafogo, Catete e Glória foram se transformando em residência fixa da mesma; e de tal forma foi a fixação que em 1843 inaugurara-se uma linha de barcos a vapor ligando o local ao Centro. A elitização da Zona Sul iniciava-se, a pleno vapor: Noronha Santos¹ , em seus registros sobre o transporte no local, revela o dinamismo atingido pelo bairro de Botafogo, a ponto de atrair comerciantes portugueses para áreas do bairro menos valorizadas a fim de expandir seus negócios. No Centro, graças a investimentos do governo e de capitais estrangeiros, o aspecto das freguesias mudava sensivelmente, ajudando as atividades produtivas com as melhorias urbanísticas; calçamentos com paralelepípedos, iluminação à gás, esgotos sanitários ( o Rio passou a ser a quinta cidade do mundo servida por esse serviço) , o anacronismo da época residia na população que habitava os logradouros; a população mais miserável da cidade ainda se espalhava pelo local. Os cortiços disseminavam-se pela periferia do núcleo financeiro da capital; eram estes, habitações coletivas insalubres onde epidemias diversas – notadamente a febre amarela – grassavam frequentemente.
     O espaço ideológico carioca obteve contornos mais fortes a partir de 1858 (um marco para as definições sócio-geográficas da cidade) com o advento da malhas viárias: neste ano ocorrera a inauguração da Estrada de Ferro Dom Pedro II (Central do Brasil), importante para a ocupação acelerada das freguesias suburbanas. Dez anos depois, a implantação das linhas de bondes de burro facilitou  ainda mais a expansão citadina para a Zona Sul.  Ferreira dos Santos ² fora preciso sobre o papel desempenhado por trens e bondes no desenho da dicotomia núcleo-periferia, quando relata que “...o bonde fez a Zona Sul porque as razões de ocupação seletiva da área já eram ‘realidade’...Já o trem veio responder a uma necessidade de localização de pessoas de baixa renda e de atividades menos nobres, como, por exemplo, a indústria”. A pesada especulação imobiliária nas áreas servidas pelos bondes teve o capital nacional proveniente da aristocracia cafeeira como guia; o capital estrangeiro não só veio a reboque das linhas de bonde como também fora responsável pela provisão de infra-estrutura urbana, além de fomentar a incipiente expansão ferroviária para as freguesias suburbanas.
     Ao contrário dos bondes, que penetraram em áreas que já vinham sendo urbanizadas ou retalhadas em chácaras desde a primeira metade do século, os trens (pode-se dizer que) transformaram freguesias que, até então, eram ruralizadas. O processo de ocupação dos subúrbios tomou, a princípio, uma forma linear, localizando-se as casas ao longo da ferrovia e, com maior concentração,  em torno das estações. Gradativamente, ruas secundárias (perpendiculares à via férrea) foram sendo abertas pelos proprietários de terras ou por pequenas companhias loteadoras, iniciando a um processo de crescimento radial; em lugares como Cascadura, pequenas olarias curtumes ou núcleos rurais transformaram-se em pequenos vilarejos e a atrair pessoas em busca de uma moradia barata, resultando numa considerável elevação da demanda por transporte, aumentando assim o número de composições e de estações. Até 1890, foi tamanha a demanda, que surgiram as estações de Engenho de Dentro, Piedade, Rocha, Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier, Mangueira, Encantado e, por último, Madureira.
    A modificação da infra-estrutura urbana mudava realidades de décadas. Grande rival de Botafogo como área residencial das classes abastadas, São Cristóvão beneficiava-se, na segunda metade do século XIX de vantagens que a estância balneária não possuía, como melhores fornecimentos de água e esgoto, além do status de morada da família imperial; mas, a medida em que a aristocracia nacional e estrangeira ocupava espaços botafoguenses e o Centro era procurado para o estabelecimento de indústrias próximas ao eixo ferroviário (escoamento de produtos do porto para o mercado), a importância de São Cristóvão para a elite diminuía. Seu nadir fora a difusão definitiva da ideologia que associava o estilo de vida “moderno à localização à beira-mar.
     Contrapondo-se às transformações rápidas ocorridas sob a égide do capital privado e do estado em áreas praticamente desabitadas da cidade, a forma urbana das freguesias centrais pouco se modificara, apesar da industrialização e das novidades viárias: a força de trabalho, baseada em escravos, libertos e trabalhadores pobres ocupavam inúmeros e insalubres cortiços da área. Manufaturas, casas comerciais, trapiches e estaleiros, além da imensa gama de empregos sem lugar fixo ocupavam toda a área central da cidade. A proliferação dos cortiços já preocupava as autoridades públicas, que os combatiam através de um discurso sanitarista³ . Em 1893, o então prefeito Barata Ribeiro empreendera verdadeira guerra aos cortiços, dentre os quais o célebre “Cabeça de Porco”, para cuja destruição fora necessário planejar todo um esquema policial-militar. Começava aí um processo de intervenção direta do estado sobre a área central da cidade, que viria a se intensificar sobremaneira a partir do início do século XX, e que seria responsável pelo aumento da estratificação social do espaço carioca.  
  

      
       
¹ NORONHA SANTOS, Francisco Agenor. Meios de Transporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typographia do Jornal do Commercio, 1934 vol 1, p.262
² SANTOS, Carlos Nélson Ferreira dos. Transportes de Massa – Condicionadores ou Condicionados? Revista da Administração Municipal, 24 (144), setembro/outubro, 1977, p. 25
³ Página 50 da apostila 6 desta matéria, segundo parágrafo em itálico – Pareceres sobre os meios de melhorar as condições das Habitações Destinadas às Classes Pobres. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886. Conselho Superior de Saúde Pública.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sociologia da Educação - Resumo para a P2






Aqui, Marx, Althusser,  Mészáros e Gramsci. Dentro em pouco, Bourdieu. E que São Mérida nos ajude, pessoas! "Simbora"!








SOCIOLOGIA  DA  EDUCAÇÃO



M  A  R  X:
A educação que recebemos tem por objetivo enquadrar-nos às expectativas do meio social em que vivemos – classe, profissão, meio moral. Karl Marx definiu a sociedade como um processo contínuo de lutas entre classes, especificamente entre os que detém os meios de produção e aqueles que vendem sua força de trabalho.
Como o proletariado não tem consciência de que é explorado, para Marx a educação, neste sentido, deve ser adaptadora e emancipatória, como um processo de transformação; o trabalhador necessita juntar o trabalho intelectual ao trabalho manual.


    “ A união entre o trabalho, instrução intelectual, exercício físico e treino politécnico elevará a classe operária”. Marx não era contra o Capitalismo, ele achava que, mesmo com desigualdades, era o melhor sistema. A ideologia é que era a verdadeira adversária do proletariado, pois beneficiava as classes dominantes sob a ilusória égide que se lutar, trabalhar e se esforçar, venceriam as dificuldades. Uma relação entre alienados: o que trabalha crê que o trabalho manual está distante do trabalho intelectual, enquanto quem emprega desconhece (em geral) todo o processo de produção.  

    Um indivíduo que vive sob essa sociedade percebe, no plano das idéias, como algo normal o mecanismo do sistema: o trabalhador acha normal que certas pessoas tenham que trabalhar em troca de um salário para sobreviver, reconhece no dono dos meios de produção a parte dirigente e o exercício do lucro sobre o trabalho de outrem (mais-valia); o conceito de burguesia e proletariado assentam-se na percepção das pessoas como elementos básicos da única sociedade tida no possível, tal como na era medieval e na era escravista antiga, seus contemporâneos achavam  essas sociedades as únicas viáveis, possíveis. Segundo Marx, a consciência sobre esse estado de coisas na era capitalista é a suprema ironia do Capitalismo, ou seja, o dominado pensa com a cabeça do dominador, que atua de forma coercitiva (burguesia sobre o proletariado) , fazendo-o ver a “lógica” por trás da realidade, do cotidiano alienante e massacrante.

    Para Marx, a educação deve ser libertária para que, de posse deste conhecimento, o proletariado reconheça o VERDADEIRO e COMPLETO fruto de seu trabalho, e não apenas uma compensação padronizada chamada SALÁRIO.

ALTHUSSER:
Segundo Louis Althusser, para manter o “status quo” da Sociedade, o Estado utiliza-se de aparelhos reguladores dos indivíduos: os repressores – polícia, tribunais, presídios, manicômios – e ideológicos – igreja, família, partidos, propaganda e escola. Segundo Althusser, a escola funciona como um aparelho ideológico do Estado, o mais importante deles, por incutir desde à tenra idade os valores próprios das classes dominantes até o momento em que se formam para o ingresso no mercado de trabalho como seres submissos às ordens dos dirigentes. Há um posto para cada um na divisão social do trabalho ocupando uma posição na hierarquia da sociedade, dividida em classes sociais, cada função atua em benefício da ordem social capitalista, transformados e equipados para reagir às exigências de suas condições de existência.

A escola reproduz as lógicas de produção capitalista, como condicionamento e premiação.
Os aparelhos ideológicos  de estado são agências sociais  de condicionamento e disciplina sem o concurso da força; esta se manifesta em última instância com os aparelhos repressivos do estado. A Igreja já foi o principal aparelho ideológico; mas, após 1889, o Estado, sendo laico, representaria a classe burguesa, fazendo do estado o seu instrumento.

MÉSZÁROS:

     No Capitalismo, as competências são forjadas pelos processos educativos para garantir o funcionamento das empresas e difundir os valores individualistas, consumistas, competitivos e hierárquicos que orientam o indivíduo no  cotidiano.  Segundo essa concepção crítica de Mészáros, a educação promovida pelos sistemas escolares produz e transmite saberes que, postos em prática pelos trabalhadores assim educados, contribuem para a reprodução ampliada do capital.

   A educação torna-se profundamente problemática para o sistema capitalista, pois desumaniza os seres humanos, subordinando o processo educativo à racionalidade da lógica competitiva por lucro e propriedade. Mészáros denomina esse processo de “interiorização”, seres alienados em seus sentidos físicos e mentais, preocupados individualmente com o ‘ter’ (posse de propriedades) em detrimento do cultivo do ‘ser’ (convivendo e desenvolvendo livremente seus sentidos originais).


   Mas, diferente das concepções althusserianas, que pontificam a ideologia capitalista como a definitiva forja para a elaboração dos padrões educativos, Mészáros apresenta uma perspectiva construtora de uma sociabilidade livre da alienação, diferente de observar a educação sobre o ponto de vista mercadológico (um serviço vendido no mercado como qualquer mercadoria). Em Mészáros, investiga-se a causa da construção deste modelo e as alternativas para sobrepô-lo, “para além do capital”. 




GRAMSCI:
Nascido na Sardenha em 1891, Antonio Gramsci levou ao extremo as concepções de Marx e Engels: “As idéias dominantes não são outra coisa senão a expressão ideal das relações materiais concebidas como idéias, ou seja, as relações que fazem de uma determinada classe a classe dominante são também aquelas que conferem o papel dominante às suas idéias”. 
    Fins do século XIX, as discussões sobre a promoção de uma generalização do ensino básico e a obrigação do Estado supostamente democrático em prover uma educação pública esbarrou num dilema para a burguesia: qual educação oferecer à classe trabalhadora? Gramsci apresentou seu parecer a esse impasse analisando a dicotomia atividade intelectual X atividade manual, refinando este raciocínio para o  similar educação cultural X instrução profissional.
   Uma escola gramscista proporcionaria ao educando o completo conhecimento de suas possibilidades, comum, única e desinteressada, ‘...que equanimize o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente e o desenvolvimento do intelecto...” . Gramsci sugeriu ainda que o modo unificado desse tipo de escola permeasse o estágio inicial de ensino, passando-se, então, à etapa especializada mais tarde, quando o indivíduo, já imbuído de ambas as vertentes, “...possa tornar-se um ‘governante’ e que a sociedade o ponha, ainda que abstratamente, nas condições gerais de poder fazê-lo [...]”.
      A prática deste modelo unitário dependeria da ampliação física, em si: de prédios, material científico e corpo docente. Afinal, a intensidade em que gravitaria essa modalidade de ensino – além das noções “instrumentais” de instrução, desenvolveria a parte relativa ao conhecimento do que seriam de fato ‘direitos e deveres’, além do conceito burguês – levaria à formação da chamada ‘escola-colégio’, com bibliotecas especializadas, salas para trabalho de seminários, dormitórios e refeitórios, pois a relação professor/aluno envolvendo a totalidade do que se necessitaria para forjar um indivíduo consciente, limitaria a formação de turmas reduzidas por professor. A proposta de escola unitária fundamenta-se na busca pela emancipação humana e pela aquisição de maturidade intelectual. E posto desta forma, Gramsci discordava do formato de ensino nos liceus (última fase escolar antes do ingresso na universidade, em sua época); uma vez que, na última fase de uma escola unitária, o indivíduo estaria desenvolvido a ponto de,”... com disciplina intelectual e autonomia moral, definir as indicações orgânicas para a sua orientação profissional” , a forma dogmática e autoritária dos liceus para ingresso nas universidades seriam desnecessárias e (de fato o eram) excludentes aos estamentos subalternos.


BOURDIEU:
Fundamentos:
   Afirmando que a escola não seria uma instância neutra na transmissão do conhecimento e não avaliaria os alunos em bases universalistas, o sociólogo francês Pierre Bourdieu, fugindo da linha marxista, aproximou-se de uma concepção antropológica de cultura – nenhuma cultura pode ser objetivamente definida como superior a outra. Por extensão, o mesmo ocorreria na escola, onde a cultura ali transmitida não seria objetivamente superior a nenhuma outra, não estando fundamentado em nenhuma verdade inquestionável. Apesar disso, a escola, em seu significado social, seria reconhecida como a única universalmente válida, legítima. A conversão de um arbitrário cultural em cultura legítima (escola) só se compreenderia quando se considerasse a relação entre os vários arbitrários em disputa em determinada sociedade e as relações de força entre os grupos ou classes sociais presentes nesta mesma sociedade. Para minimizar: a cultura escolhida/legitimada seria, basicamente, a imposta como legítima pelas classes dominantes.  
     E para que essa legitimação ocorresse, o caráter arbitrário e socialmente imposto desta cultura precisa ser ocultado. Ou seja, apresentar uma capa de neutralidade.
    Uma vez reconhecida como legítima, portadora de um discurso universal (não arbitrário), a escola (segundo Bourdieu) exerceria suas funções de reprodução e legitimação das desigualdades sociais sob essa mesma capa de neutralidade. A chamada “violência simbólica”: um processo de imposição dissimulada de um arbitrário cultural.
   Bourdieu baseou seus estudos no sistema educacional francês, que direcionava as classes mais pobres para uma educação de especialização técnica e as classes mais ricas para uma educação mais preparada para a universidade, de acordo com as notas.

As noções de capital segundo Bourdieu:
   O poder explicativo da noção de capital dissecada por Marx não é suficiente para compreender certos fenômenos sociais. Assim, Bourdieu amplia a noção para que se compreenda as trocas simbólicas existentes em outros campos, guardando alguma analogia com a economia na medida em que o capital é definido como recurso que rende alguns tipos de lucros para quem o possui.
   


    Para compreendermos o que Bourdieu chama de Mundo Social (e que conjuga estruturas, indivíduos, grupos, habitus e diversas modalidades de capital) devemos entender que para este autor o espaço social é composto por campos, os quais se compõe de diversas forças sociais atuantes, forças estas encarnadas nas estruturas e nos agentes.  A posição dos elementos do campo, ao contrário das teorias que pressupõe uma linearidade estrutural (como a teoria marxista, que pressupõe a existência de classes sociais), se apresenta definida pelo modo como estes se relacionam entre si, e que varia em função do volume global e da estrutura dos diversos tipos de capital (como capital cultural, econômico, simbólico, informacional...) de acordo com a natureza do campo em que tais relações se desenvolvem.  Por exemplo, em um campo que se pode chamar acadêmico, as regras de valorização dos indivíduos e estruturas se dá a partir da posse de capital cultural dos mesmos, em detrimento, por exemplo da posse de outro tipo específico de capital (como o capital econômico).
Deste modo o conceito de classes sociais perde totalmente o sentido, substituído porém por recursos de poder explicativo muito maiores, como por exemplo, a perspectiva que relaciona indivíduos, estruturas, habitus e tipos de capital com regras pertinentes a cada campo do mundo social.




quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Gramsci e a Alienação: ontem, pela conscientização do proletariado contra o consenso burguês e hoje pela compreensão do conceito de educação, e cidadania



Trabalho que apresentaremos daqui a pouco, na aula do Mérida. Vale para a P2 - até lá, galera!


ANTÔNIO GRAMSCI: EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA E O COMBATE PELA HEGEMONIA CULTURAL 
A IMPORTÂNCIA DA LUTA PELA CONSCIÊNCIA DE CLASSE NO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE CAPITALISTA (inspirado em postulados de Antonio Gramsci)



             Segundo uma retomada das proporções ontológicas de Karl Marx, Gramsci considera o “ser” partindo da busca por satisfazer suas necessidades imediatas e humanas, encontrando no trabalho a única forma de humanizar-se, de sobreviver às intempéries da natureza e dominá-la. É o que o Homem, desde às remotas idades, têm feito, quando ainda não havia História, quando ainda era pouco mais que um hominídeo sobrevivendo, era após era, às intempéries que carregaram dinossauros, seres unicelulares e trechos gigantescos de continentes. “O Homem se distingue dos animais pelo ‘trabalho’, e é inadmissível a exploração de uma minoria sob o trabalho da maioria” (MARX & ENGELS).  A crueldade da percepção histórica é dar-se conta deste fato ao longo de milênios: modo de produção asiático, clássico-ocidental, feudal, burguês e, se desencavarmos um pouco mais além dos tempos, nas primeiras comunidades agrícolas, com o advento da divisão deste mesmo trabalho, já existiriam os embrionários estágios de exploração.
                 Martin Carnoy (1994) descobre em Gramsci uma superposição dos postulados de Marx, ao confirmar a necessidade da sociedade civil em estabelecer o ritmo da própria sociedade política, um intenso trabalho de conscientização desta parte da pirâmide social para definir o equilíbrio nas lutas e conquistas de classe; Um processo de conscientização que busque superar um similar processo de persuação da classe dominante a partir do fim do século XIX que, não obstante o poder coercitivo do Estado e o seu poder econômico direto, atuara como agente negociador das reivindicações trabalhistas, admitindo o direito de greve, de mobilização em sindicatos, partidos, publicações em jornais, votações, ou seja: num método “democrático” que fixava na índole do proletariado a noção do “consenso” entre as classes, amaciando e amortecendo o impacto direto e esclarecedor das idéias centrais do Socialismo supracitado.
        Se transladarmos a retórica de Gramsci para o momento presente da educação, o que encontraríamos? A necessidade em educar os trabalhadores e formar uma intelectualidade oriunda da classe trabalhadora (os “intelectuais orgânicos”)  para que reconheçam a importância de se assumir os dois lados da pirâmide social, a civil e a política, diminuindo o abismo entre os atores do palco dos meios de produção, é a mesma necessidade que se tem, nos tempos presentes, em se adicionar, de forma eficiente e equilibrada, os conceitos de cidadania, democracia e consciência política nos educandos de todas as esferas do Ensino, seja público ou privado. A alienação virou via de regra: para os alunos, independente do poder financeiro de suas famílias, interessados apenas em resultados e não no conhecimento – e sua praticidade no mundo concorrido em que vivemos; para os professores, que são diariamente massacrados pela deterioração de sua categoria por todos os lados; para as próprias famílias, necessitadas em sobreviver na selva que se tornou o mundo do consumo e satisfação imediata e vida com qualidade cada vez mais enganosa;  para o Estado, que definitivamente é o laboratório neoliberal das transformações humanas em todas as partes da Terra, agora sob uma só égide, a do lucro e poder a todo custo. Gramsci percebera, na análise marxista, uma superestrutura burguesa que visava confirmar o controle do poder social numa época em que as guerras e a constante instabilidade ideológica forneciam o pano-de-fundo para tanto. Hoje, percebemos nos seus tomos, que a única (e delgada) trama que pode resistir à lâmina devastadora do “consenso” burguês ainda é a Educação.

Jorge Luiz da Silva Alves
111650038   -   4º período
História   -   UCAM / Santa Cruz

América Espanhola: Conquista e formação do aparato administrativo (Séculos XVI e XVII)




A  CONQUISTA  DA  AMÉRICA  PELOS  ESPANHÓIS APÓS  COLOMBO

Na mesma época em que a Espanha acabava de consolidar a expulsão dos muçulmanos, Colombo descobria a América para os Reis Católicos e os espanhóis iniciavam a conquista das novas terras, misturando os motivos de missão religiosa com os da sede de riquezas e poder.
Em sentido restrito, dá-se o nome de conquista da América espanhola à que foi realizada pelos espanhóis nos territórios das civilizações do Novo Mundo. Ao contrário de outros processos colonizadores, como o do Caribe, o do rio da Prata ou o do Brasil pelos portugueses, essas campanhas de conquista foram levadas a efeito contra estados ou confederações de tribos que contavam com exércitos permanentes e elevado grau de organização. Foram, portanto, verdadeiras operações militares, executadas por soldados profissionais diante de forças em geral muito mais numerosas. Apesar disso, a vantagem dos espanhóis era incomparável, propícia a estimular-lhes a prepotência e a crueldade, pois seus adversários não conheciam as armas de fogo e chegaram a vê-los como deuses.
Os interesses econômicos e políticos da monarquia espanhola foram as forças mais determinantes das viagens e expedições de conquista dos territórios descobertos por Colombo. Acostumados durante séculos à guerra contra os árabes, os espanhóis trataram o Novo Mundo como a nova fronteira de seu poderio e da fé cristã. Cogitando de utilizar os indígenas como mão-de-obra submissa, deram prioridade à dominação das regiões culturalmente adiantadas, como o México e o Peru, em vez daquelas em que o estado selvagem dos nativos pudesse dificultar a exploração econômica. Os conquistadores eram, ora da pequena nobreza castelhana, ora aventureiros, provindos principalmente da Andaluzia, Extremadura e Castela.

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ADMINISTRAÇÃO  DO APARELHO COLONIAL NA AMÉRICA ESPANHOLA

Na colonização espanhola da América, a estruturação político-administrativa era basicamente a mesma do reino. A Casa de Contratación, em Sevilha, era a responsável pela gestão dos negócios coloniais, nomeando os funcionários para as colônias, funcionários estes que comumente lesavam a coroa por meio de corrupção sempre protegida pela impunidade. Constituía-se, também, na mais alta corte espanhola o Supremo Tribunal de Justiça, estância máxima de apelação para questões relacionadas ao processo de colonização.
O transporte e a distribuição adotados pelos espanhóis era composto por dois sistemas que se interligavam e se completavam. O sistema de Porto Único, instituído em 1503, determinando que a frota sairia e chegaria na Espanha somente através do porto de Sevilha (mais tarde este monopólio é quebrado ao incluir também o porto de Cádiz).
A idéia era centralizar a entrada e saída de mercadorias para facilitar a fiscalização e impedir o contrabando, coisas muito difíceis de se fazer até os dias de hoje. O outro sistema utilizado era o de Frota Anual, surgido em 1540, estabelecia que as viagens de transporte marítimo deveriam acontecer em comboios de galeões que eram escoltados pela “invencível armada” espanhola. O intuito era impedir a ação de piratas protegidos pelos interesses ingleses. Estas frotas atravessariam o Atlântico no mínimo duas vezes ao ano.

A frota da prata ou frota das Índias (em espanhol: flota de Indias), popularmente denominada frota espanhola da prata foi um transporte marítimo anual de diversos metais(ouro e prata), pedras preciosas, especiarias (seda), bens agrícolas (tabaco) e outros produtos exóticos das colônias espanholas à Espanha.
O transporte ocorreria por meio de duas frotas, que se reuniam perto de Havana, e que juntos procediam em prosseguir à Europa.
O comboio foi organizado a partir de 1526 em Sevilha, onde um consulado de comércio, aCasa de Contratacíon, possuia o privilégio do comércio com a América.
Em 1543, foi obrigatório que todas a frotas da prata fossem fortemente armadas. Normalmente, o novo tipo de galeão era usado. O valor da prata transportada era enorme; cerca de 12 milhões de ducados por ano e 25 milhões de ducados por ano no final doséculo XVI. O rendimento constituía a maior parte dos lucros coloniais dos espanhóis e a prata foi o motor do comércio com a Ásia. Essa riqueza atraiu todo os tipos de corsários epiratas, mas eles raramente conseguiam interceptar a frota.
Uma das raras vezes que a frota foi interceptada, ocorreu em 8 de setembro de 1628, quando o almirante neerlandês Piet Hein conquistou uma frota da prata.
Em 1762, durante a guerra dos Sete Anos, os britânicos ocuparam Havana e Manila, impedindo que a frota partisse.
A última frota da prata partiu em 1776.[1] Na década de 1780, a Espanha concedeu liberdade de comércio às suas colônias


Comércio Manila-Acapulco

O chamado Galeão de Manila transportava porcelanas, seda, especiarias e muitos outros produtos do oriente. Em troca, no retorno seguia carregado com prata do Novo Mundo.[1]
Os produtos orientais viajavam, cruzando o oceano Pacífico das Filipinas para Acapulco, no Vice-Reino da Nova Espanha, uma travessia de 4 meses. Eram então transportados por terra até à costa oeste, e de Acapulco ou Veracruz eram reembarcados, seguindo a "rota da prata" com destino a Sevilha e Cádiz, em Espanha.
O comércio de Manila tornou-se tão lucrativo que os mercadores de Sevilha pediram ao rei para limitar as travessias a apenas dois barcos anuais. Com esta limitação foi determinante construir galeões de grande capacidade, sendo esta já a maior classe de navios até então construida.
Nos 250 anos da rota Manila-Acapulco, de 1565 a 1815, partiram de Manila um total de 110 galeões. No século XVI tinham em média de 1,700 a 2,000 toneladas, feitos de madeiras filipinas, podendo transportar mil passageiros. O Concepción, naufragado em 1638, tinha 43 a 49 m de comprimento, e 2,000 toneladas. O Santísima Trinidad tinha 51.5 m.
Os naufrágios dos galeões de Manila tornaram-se por isso uma lenda, só ultrapassada pelos navios dos tesouros nas Caraíbas.
A viagem pelo Pacífico durava quatro meses, e os galeões de Manila eram o principal contacto entre Manila e o México, e portanto a Espanha. Mesmo após a independência o México manteria relações culturais e comerciais com as Filipinas.


O início da exploração se deu através da distribuição de adelantados, cargos de nobreza que advinham da posse de terras a serem conquistadas em regiões fronteiriças pelo senhor-guerreiro. Os poderes eram teoricamente ilimitados e a exploração econômica era por conta do senhor que pagava um quinto de imposto ao estado. Também era responsabilidade do adelantado a cristianização do índio.
Conforme se desenvolvia uma estrutura produtiva e consumidora na América espanhola, a corte teve que melhorar sua estrutura burocrático - administrativa. Para tanto dividiu as suas posses americanas em Vice-reinos, que eram administrados pela Audiência, órgão deliberativo composto pela alta nobreza espanhola e presidida pelo vice-rei que, além de incentivar a colonização, era também responsável pela justiça e pela catequese.
Além dos Vice-reinos, a estrutura administrativa colonial ainda dividiu a América espanhola em cinco Capitanias Gerais, quais foram: Cuba, Venezuela, Guatemala (Nicarágua, Honduras e Costa Rica), Chile e Flórida. O poder local nos Vice-reinos e nas Capitanias Gerais era exercido pelos Cabildos, espécies de Câmaras Municipais que os portugueses introduziram no Brasil. Os Cabildos possuíam uma certa autonomia política e econômica. Neles, os altos cargos ficavam por conta dos Chapetones - elite espanhola de nascimento (primogênito) que se dedicava exclusivamente à mineração e às atividades agro-pecuárias.
Os cargos mais baixos da administração eram preenchidos com membros da elite criolla - de origem espanhola, porém nascidos na América e que se dedicavam mais às atividades comerciais do que a mineração e a agro-pecuária.
A sociedade colonial da América espanhola, além das duas classes sociais acima citadas, possuía também as demais classes em ordem de importância social:
Mestiços - vaqueiros, artesãos, capatazes de minas e fazendas, vagabundos etc.
Índios - obrigados aos serviços pesados em minas e fazendas, trabalho este justificado pela maioria dos padres católicos (o serviço forçado ajudava a expiar a culpa dos nativos e os aproximava do perdão de suas almas) com exceção dos jesuítas brasileiros e paraguaios.
Negros - mão de obra utilizada em menor quantidade, principalmente após o declínio da mineração nas plantations, que se espalharam por entre as terras espanholas na América.

O trabalho utilizado nas regiões coloniais espanholas obedecia à seguinte divisão:
Mita: comum nas regiões dos países andinos e no México (com o nome de cuatéquil), era um serviço obrigatório, insalubre, temporário e gratuito (embora recebam um pouco de dinheiro para a compra de fumo e álcool), no qual o indígena era superexplorado até a morte, que não tardava a chegar.
Encomienda: comum na extração de metais e na agricultura nas haciendas (plantations para o mercado intercolonial e metropolitano ou subsistência do próprio mercado local); também era um trabalho, servil porém o fazendeiro ou minerador era obrigado a promover o processo de catequese, sendo também obrigado a pagar imposto pelo número de indígenas utilizados.
Escravo: no Caribe (Cuba e Porto Rico), nas plantations de produtos tropicais e nos serviços domésticos. No restante da América espanhola, em pequena escala. O tráfico negreiro era realizado por holandeses, ingleses, portugueses e italianos.
Uma das conseqüências mais importantes para a economia européia foi a entrada de ouro e prata em grandes quantidades na Espanha, espalhando-se por quase toda a Europa e desvalorizando as moedas dos outros países e produzindo uma elevação generalizada dos preços no século XVI e XVII em toda a Europa. Este período inflacionário ficou conhecido como revolução dos preços.