sexta-feira, 8 de junho de 2012

O descobrimento do ouro e seu impacto na economia colonial

O descobrimento do ouro nas Gerais propiciou a ascensão da elite mercantil ao topo da sociedade colonial brasileira do século XVIII. E ao topo de todo o império português, também.









LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO
HISTÓRIA DO BRASIL COLONIA



O DESCOBRIMENTO DO OURO E SEU IMPACTO
NA ECONOMIA COLONIAL




O setecentos é uma época de novos equilíbrios na sociedade colonial da América portuguesa. Não seria nenhum exagero falar que, com o descobrimento do ouro no meio das montanhas do que seria chamado mais tarde de “Minas Gerais”, o Portugal-Metrópole era fatalmente dependente de sua colônia sul-americana. No seicentos anterior, Dom João IV, o rei bragantino da Restauração, já intitulara o Brasil como “a vaca de leite de Portugal”, o mesmo Portugal dilapidado pelas questões externas dos Habsburgos espanhóis e pelos acordos firmados com os Países Baixos para reconhecer seu senhorio sobre o Pernambuco açucareiro (ver mapa sobre as extensões das partes do Brasil nos períodos citados, 1709 - 1789).















Portugal e Espanha procuravam metais preciosos pelo interior da América do Sul desde o século XVI. Algumas descobertas no final dos quinhentos estimulara a Coroa de Madri a recriar a “Repartição Sul”, na tentativa de reproduzir nos domínios ex-portugueses a experiência da parcela espanhola americana; mas, no fim, o que prosperou de fato no período que vai até meados do século XVII fora a captura de índios. A mineração, embora existente, quase nenhum impacto provocou na economia colonial. Após a Restauração (1640), intensificou-se as buscas por conta do empobrecimento da Metrópole e da própria colônia: fracassos em 1658 e 1671 acabaram por estimular a fundação da Colônia do Sacramento (1680), em frente a Buenos Aires, como forma de se ter acesso à prata espanhola. E embora a Coroa não mais financiasse expedições para achar os metais preciosos, estimulava aos paulistas em troca de privilégios caso os descobrissem. Assim, no apagar do século XVII, descobrira-se as “minas do ouro”, e posteriormente denominadas de Minas Gerais.


Compreendamos os impactos provocados pela descoberta do ouro na sociedade colonial setecentista: os diretos, na economia; e os indiretos, no tempo e no espaço.

Os preços sofreram o primeiro impacto. Houve um forte aumento decorrente da mineração. A obtenção de escravos para a região sofre um acréscimo no preço de compra em até 200% na Bahia e 135% no Rio de Janeiro. Nessas mesmas regiões, a carne e a farinha de mandioca subira progressivamente até a década de quarenta daquele século. Com a passagem dos anos houve uma estabilização nos preços, e um mesmo produto em várias partes da América portuguesa variava muito, pois ainda não existia aquilo que chamamos hoje de um “mercado nacional”. Voltando aos escravos, a demanda subiu muito a ponto de se considerar o primeiro exemplo de um 'rush' migratório por conta da mineração nos tempos modernos.

O afluxo do ouro nas Gerais avolumou sobremaneira o tráfico de escravos, determinando um novo patamar nas relações comerciais atlânticas. Mas a expansão deste comércio de almas não era somente consequência da demanda gerada pelo ouro, também fora o resultado da utilização do ouro nos circuitos negreiros, criando uma expansão na oferta de cativos no litoral africano e modificando alguns cenários financeiros internacionais: Angola, por exemplo, tivera sua realidade econômica (baseada num dinheiro cunhado em cobre) bastante afetada com a enxurrada de ouro e prata luso-americana em seu mercado; na África Ocidental, uma rede de contrabandistas de ouro por escravos envolvia alguns dos maiores negociantes do Rio de Janeiro; e Lisboa, sede do império português, ficava parcialmente de fora deste eixo mercantil entre Brasil e África, uma vez que, mesmo com proibições incisivas do rei quanto ao comércio entre o Rio de Janeiro e a Costa da Mina, o mesmo prosseguia, até mesmo adquirindo cativos com comerciantes de outras nações européias, lá também fundeados para esse fim. A cidade carioca, que se tornaria ainda no século XVIII a capital da colônia (1763), paulatinamente ultrapassaria Salvador como o principal destino de escravos oriundos da África Centro-Ocidental.

Criada em 1680 , a Colônia do Sacramento, que viera ao mundo para tirar partido das proximidades da zona produtora de prata de Potosí, transformara-se numa das vias de contrabando do ouro das Gerais, numa troca com a prata espanhola: tanto um como o outro apossavam-se dos metais numa via clandestina farta e compensadora. Até mesmo para evitar reclames espanhóis quanto ao suspeito circuito de sua prata em terras luso-brasileiras, sugerira-se comprar a mesma no mercado negro e cunha-las como moedas provinciais – apenas para mostrar o ponto em que a riqueza dos diversos veios de metal do continente havia alcançado nos setecentos.

Até mesmo as naus da Carreira da Índia foram afetadas pela presença do ouro. No último terço do século XVII aproximadamente a metade das embarcações que iam do Oriente para Portugal faziam escala no Brasil para aumentar suas cargas e vender produtos orientais, e a Bahia era o ponto principal desta escala, pois a prioridade era encher os porões com o tabaco e o açúcar locais. Já no século seguinte, o ouro que chegava a Portugal possibilitara ao reino o acesso a recursos suficientes para garantir uma expansão mercantil sem a correspondente expansão produtiva.

O duplo significado do metal – como moeda e mercadoria – abria enormes possibilidades mercantis no interior do império. Desenvolvia as relações internas de mercado e gerava uma nova geografia econômica. Colonizava-se novas áreas, pouco ou nada integradas ao espaço colonial e, ocupando-se tais áreas, gerava eixo mercantil específico voltados para as regiões produtoras do minério e sistemas agrários destinados à produção de artigos primários para essas mesmas áreas. O Rio de Janeiro despontou como principal centro administrativo e econômico.
Embora a importância do ouro seja esmagadora nesse período, há uma certa relatividade nessa supremacia comercial, pois quando começa o processo de declínio da mineração no fim do século XVIII, não ocorreu uma crise na economia colonial, pois muitas culturas ainda sustentavam diversos setores e espaços geográficos do Brasil; por exemplo, a agropecuária instalada nas regiões das Minas estruturaram-se tanto para atender ao consumo do produtor como para produzir excedentes destinados ao mercado dentro (e fora) da capitania. E em regiões não-mineradoras, a produção de alimentos era um pressuposto para a existência das atividades de exportação. Essa estruturação teve um modelo significativo nas antigas áreas açucareiras do Rio de Janeiro, decadentes canaviais que souberam transitar para uma enorme produção de alimentos graças ao crescimento da população como a importância de seu porto, focos de uma população flutuante que precisava ser alimentada. Bahia e Pernambuco também tiveram a produção de alimentos de subsistência consideravelmente acrescida nesse período.

Por conta do poder obtido pelo ouro das Minas, todo um lucrativo circuito favorável ao Brasil acontecera naquela época. A colônia sul-americana ultrapassara Portugal no quesito econômico, a ponto de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, juntos, possuírem mais navios que toda a frota portuguesa. Sob o comando dos negociantes do Brasil, o comércio de panos asiáticos interligou diferentes áreas do Império português, colocando-as em rota de colisão com os administradores lisboetas. E era tal a inversão de papéis que os gerenciadores lusos diziam que “era a América portuguesa que representava o país dominante de Portugal, ao invés do contrário”.

Um novo perfil social dominante surgiu de dentro de toda essa fermentação: a elite mercantil. Mesmo que a sociedade colonial tenha surgido fortemente vinculada à atividade mercantil, a antiga elite senhorial, pelos mecanismos das redes clientelares de poder e sua simbologia espalhadas por todo o mundo luso, tinha sua preponderância política garantida. Além disso, a existência de um significativo mercado interno gerava eixos de atuação com agentes dedicados a eles de forma integral ou parcial, levando a participação da própria elite senhorial na mercancia. Mas a partir da primeira metade dos setecentos, essa elite mercantil começou a compreender o seu papel no contexto do império lusitano. Controladores do crédito e da mão-de-obra (escravos), os homens de negócio tinham acesso – por conta de adiantamentos cedidos a senhores de engenho ou contratadores de zonas auríferas – aos valiosos produtos coloniais, seja o açúcar, o ouro ou os escravos.

As relações entre a antiga elite senhorial e a nova elite mercantil foi bastante diversa em seus aspectos complicadores e facilitadores. Há respostas distintas em vários cantos da colonia que merecem cuidadosa análise.

Em Pernambuco, a tensão produzira um confronto direto entre a nobreza da terra e a elite mercantil: a elevação de Recife à condição de vila em 1709 resultou a chamada “guerra dos mascates”, não havendo a absorção, nem mesmo parcial, da elite mercantil pela antiga elite local. Na Bahia, ao contrário, os dois grupos uniram-se desde o século XVII, como se comprova com a conversão de grandes comerciantes em proprietários de terras e homens, seja via investimentos diretos, seja pelo casamento com filhas da tradicional elite terratenente. E no Rio de Janeiro foi, de certa forma, um meio termo entre os pólos. A tensão entre os grupos foi clara no início dos setecentos mas não houve disputas sangrentas como em Pernambuco e nem mesmo um fechamento do grupo antigo senhorial às negociações pelo poder. As duas concepções distintas de poder político (a elite senhorial forjada nas guerras contra franceses e tamoios e os grandes negociantes responsáveis pelo giro do comércio na principal encruzilhada do império português) disputavam o símbolo histórico de supremacia política do bem comum: a Casa da Câmara. No que pesem as diferenças, no entanto, em todos os casos, o desfecho teve grandes semelhanças: a elite mercantil tornara-se de forma irreversível a elite de fato da sociedade da América portuguesa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(baseadas em O Antigo Regime nos Trópicos, organizado por João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa)
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Os Homens de Negócios do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império Português, págs 73 a 105

FERREIRA, Roquinaldo. Dinâmica do Comércio Intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos, págs 339 a 377.          


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