LIQUIDIFICANDO
E PENEIRANDO
HISTÓRIA DO BRASIL COLONIA
O DESCOBRIMENTO DO
OURO E SEU IMPACTO
NA
ECONOMIA COLONIAL
O setecentos é uma época de novos equilíbrios
na sociedade colonial da América portuguesa. Não seria nenhum
exagero falar que, com o descobrimento do ouro no meio das montanhas
do que seria chamado mais tarde de “Minas Gerais”, o
Portugal-Metrópole era fatalmente dependente de sua colônia
sul-americana. No seicentos anterior, Dom João IV, o rei bragantino
da Restauração, já intitulara o Brasil como “a vaca de leite de
Portugal”, o mesmo Portugal dilapidado pelas questões externas dos
Habsburgos espanhóis e pelos acordos firmados com os Países Baixos
para reconhecer seu senhorio sobre o Pernambuco açucareiro (ver mapa
sobre as extensões das partes do Brasil nos períodos citados, 1709 - 1789).
Portugal e Espanha procuravam metais preciosos
pelo interior da América do Sul desde o século XVI. Algumas
descobertas no final dos quinhentos estimulara a Coroa de Madri a
recriar a “Repartição Sul”, na tentativa de reproduzir nos
domínios ex-portugueses a experiência da parcela espanhola
americana; mas, no fim, o que prosperou de fato no período que vai
até meados do século XVII fora a captura de índios. A mineração,
embora existente, quase nenhum impacto provocou na economia colonial.
Após a Restauração (1640), intensificou-se as buscas por conta do
empobrecimento da Metrópole e da própria colônia: fracassos em
1658 e 1671 acabaram por estimular a fundação da Colônia do
Sacramento (1680), em frente a Buenos Aires, como forma de se ter
acesso à prata espanhola. E embora a Coroa não mais financiasse
expedições para achar os metais preciosos, estimulava aos paulistas
em troca de privilégios caso os descobrissem. Assim, no apagar do
século XVII, descobrira-se as “minas do ouro”, e posteriormente
denominadas de Minas Gerais.
Compreendamos os impactos provocados pela
descoberta do ouro na sociedade colonial setecentista: os diretos, na
economia; e os indiretos, no tempo e no espaço.
Os preços sofreram o primeiro impacto. Houve
um forte aumento decorrente da mineração. A obtenção de escravos
para a região sofre um acréscimo no preço de compra em até 200%
na Bahia e 135% no Rio de Janeiro. Nessas mesmas regiões, a carne e
a farinha de mandioca subira progressivamente até a década de
quarenta daquele século. Com a passagem dos anos houve uma
estabilização nos preços, e um mesmo produto em várias partes da
América portuguesa variava muito, pois ainda não existia aquilo que
chamamos hoje de um “mercado nacional”. Voltando aos escravos, a
demanda subiu muito a ponto de se considerar o primeiro exemplo de um
'rush' migratório por conta da mineração nos tempos modernos.
O afluxo do ouro nas Gerais avolumou
sobremaneira o tráfico de escravos, determinando um novo patamar nas
relações comerciais atlânticas. Mas a expansão deste comércio de
almas não era somente consequência da demanda gerada pelo ouro,
também fora o resultado da utilização do ouro nos circuitos
negreiros, criando uma expansão na oferta de cativos no litoral
africano e modificando alguns cenários financeiros internacionais:
Angola, por exemplo, tivera sua realidade econômica (baseada num
dinheiro cunhado em cobre) bastante afetada com a enxurrada de ouro e
prata luso-americana em seu mercado; na África Ocidental, uma rede
de contrabandistas de ouro por escravos envolvia alguns dos maiores
negociantes do Rio de Janeiro; e Lisboa, sede do império português,
ficava parcialmente de fora deste eixo mercantil entre Brasil e
África, uma vez que, mesmo com proibições incisivas do rei quanto
ao comércio entre o Rio de Janeiro e a Costa da Mina, o mesmo
prosseguia, até mesmo adquirindo cativos com comerciantes de outras
nações européias, lá também fundeados para esse fim. A cidade
carioca, que se tornaria ainda no século XVIII a capital da colônia
(1763), paulatinamente ultrapassaria Salvador como o principal
destino de escravos oriundos da África Centro-Ocidental.
Criada em 1680 , a Colônia do Sacramento,
que viera ao mundo para tirar partido das proximidades da zona
produtora de prata de Potosí, transformara-se numa das vias de
contrabando do ouro das Gerais, numa troca com a prata espanhola:
tanto um como o outro apossavam-se dos metais numa via clandestina
farta e compensadora. Até mesmo para evitar reclames espanhóis
quanto ao suspeito circuito de sua prata em terras luso-brasileiras,
sugerira-se comprar a mesma no mercado negro e cunha-las como moedas
provinciais – apenas para mostrar o ponto em que a riqueza dos
diversos veios de metal do continente havia alcançado nos
setecentos.
Até mesmo as naus da Carreira da Índia
foram afetadas pela presença do ouro. No último terço do século
XVII aproximadamente a metade das embarcações que iam do Oriente
para Portugal faziam escala no Brasil para aumentar suas cargas e
vender produtos orientais, e a Bahia era o ponto principal desta
escala, pois a prioridade era encher os porões com o tabaco e o
açúcar locais. Já no século seguinte, o ouro que chegava a
Portugal possibilitara ao reino o acesso a recursos suficientes para
garantir uma expansão mercantil sem a correspondente expansão
produtiva.
O duplo significado do metal – como
moeda e mercadoria – abria enormes possibilidades mercantis no
interior do império. Desenvolvia as relações internas de mercado e
gerava uma nova geografia econômica. Colonizava-se novas áreas,
pouco ou nada integradas ao espaço colonial e, ocupando-se tais
áreas, gerava eixo mercantil específico voltados para as regiões
produtoras do minério e sistemas agrários destinados à produção
de artigos primários para essas mesmas áreas. O Rio de Janeiro
despontou como principal centro administrativo e econômico.
Embora a importância do ouro seja
esmagadora nesse período, há uma certa relatividade nessa
supremacia comercial, pois quando começa o processo de declínio da
mineração no fim do século XVIII, não ocorreu uma crise na
economia colonial, pois muitas culturas ainda sustentavam diversos
setores e espaços geográficos do Brasil; por exemplo, a
agropecuária instalada nas regiões das Minas estruturaram-se tanto
para atender ao consumo do produtor como para produzir excedentes
destinados ao mercado dentro (e fora) da capitania. E em regiões
não-mineradoras, a produção de alimentos era um pressuposto para a
existência das atividades de exportação. Essa estruturação teve
um modelo significativo nas antigas áreas açucareiras do Rio de
Janeiro, decadentes canaviais que souberam transitar para uma enorme
produção de alimentos graças ao crescimento da população como a
importância de seu porto, focos de uma população flutuante que
precisava ser alimentada. Bahia e Pernambuco também tiveram a
produção de alimentos de subsistência consideravelmente acrescida
nesse período.
Por conta do poder obtido pelo ouro das
Minas, todo um lucrativo circuito favorável ao Brasil acontecera
naquela época. A colônia sul-americana ultrapassara Portugal no
quesito econômico, a ponto de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro,
juntos, possuírem mais navios que toda a frota portuguesa. Sob o
comando dos negociantes do Brasil, o comércio de panos asiáticos
interligou diferentes áreas do Império português, colocando-as em
rota de colisão com os administradores lisboetas. E era tal a
inversão de papéis que os gerenciadores lusos diziam que “era a
América portuguesa que representava o país dominante de Portugal,
ao invés do contrário”.
Um novo perfil social dominante surgiu de
dentro de toda essa fermentação: a elite mercantil. Mesmo que a
sociedade colonial tenha surgido fortemente vinculada à atividade
mercantil, a antiga elite senhorial, pelos mecanismos das redes
clientelares de poder e sua simbologia espalhadas por todo o mundo
luso, tinha sua preponderância política garantida. Além disso, a
existência de um significativo mercado interno gerava eixos de
atuação com agentes dedicados a eles de forma integral ou parcial,
levando a participação da própria elite senhorial na mercancia.
Mas a partir da primeira metade dos setecentos, essa elite mercantil
começou a compreender o seu papel no contexto do império lusitano.
Controladores do crédito e da mão-de-obra (escravos), os homens de
negócio tinham acesso – por conta de adiantamentos cedidos a
senhores de engenho ou contratadores de zonas auríferas – aos
valiosos produtos coloniais, seja o açúcar, o ouro ou os escravos.
As relações entre a antiga elite
senhorial e a nova elite mercantil foi bastante diversa em seus
aspectos complicadores e facilitadores. Há respostas distintas em
vários cantos da colonia que merecem cuidadosa análise.
Em Pernambuco, a tensão produzira um
confronto direto entre a nobreza da terra e a elite mercantil: a
elevação de Recife à condição de vila em 1709 resultou a chamada
“guerra dos mascates”, não havendo a absorção, nem mesmo
parcial, da elite mercantil pela antiga elite local. Na Bahia, ao
contrário, os dois grupos uniram-se desde o século XVII, como se
comprova com a conversão de grandes comerciantes em proprietários
de terras e homens, seja via investimentos diretos, seja pelo
casamento com filhas da tradicional elite terratenente. E no Rio de
Janeiro foi, de certa forma, um meio termo entre os pólos. A tensão
entre os grupos foi clara no início dos setecentos mas não houve
disputas sangrentas como em Pernambuco e nem mesmo um fechamento do
grupo antigo senhorial às negociações pelo poder. As duas
concepções distintas de poder político (a elite senhorial forjada
nas guerras contra franceses e tamoios e os grandes negociantes
responsáveis pelo giro do comércio na principal encruzilhada do
império português) disputavam o símbolo histórico de supremacia
política do bem comum: a Casa da Câmara. No que pesem as
diferenças, no entanto, em todos os casos, o desfecho teve grandes
semelhanças: a elite mercantil tornara-se de forma irreversível a
elite de fato da sociedade da América portuguesa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(baseadas em O
Antigo Regime nos Trópicos, organizado
por João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e
Maria de Fátima Gouvêa)
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Os Homens
de Negócios do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do
Império Português, págs 73 a 105
FERREIRA, Roquinaldo. Dinâmica do Comércio
Intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico
angolano de escravos, págs 339 a 377.
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