segunda-feira, 23 de abril de 2012

Religiosidade popular no Brasil Colônia - resenha




Mais um texto 'liquidificado" para melhor compreensão no grupo de estudo desta semana - até amanhã, companheiros de sufoco!









LIQUIDIFICANDO E PENEIRANDO
HISTÓRIA DO BRASIL COLÔNIA
RELIGIOSIDADE POPULAR NA COLÔNIA


MELO E SOUZA, Laura. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Cia das Letras, 1986

Resenhado por: Jorge Luiz da Silva Alves (3º período, UCAM/Santa Cruz)


     A organização do catolicismo no Brasil colonial fora forjada pelos jesuítas, incentivado e sustentado pelo sistema do Padroado¹. Com esse beneplácito papal para os reinos ibéricos desde antes do descobrimento, o catolicismo colonial revestira de poder religioso as autoridades reinóis nos trópicos, numa proveitosa interseção para ambos os lados: a Inquisição assumia ares de polícia quase política na privacidade popular e o governo da colônia decidia os caminhos da Sé escolhendo e dirigindo os padres e suas paróquias.
     Com a atuação dos capelães de engenho ao lado dos senhores, Gilberto Freyre descuidou-se do papel do estado e enfatizou o das famílias no processo da colonização, denominando como “catolicismo de família”, ou seja, 'o capelão subordinado ao pater familiæs'. Assim, a religiosidade subordinar-se-ia à força aglutinadora e organizatória dos engenhos de açúcar, integrando o triângulo da Casa Grande-Senzala-Capela. O familismo explicaria, segundo o autor, a acentuada afetividade e maior intimidade com a simbologia católica; porém, o mesmo relegaria as manifestações indígenas à mata fechada e as africanas à insalubridade da senzala. Ao descaso do Concílio de Trento² no primeiro século de existência, é com o referido familismo que Freyre preenche esse vácuo religioso na Terra de Santa Cruz, pois o Concílio não legara qualquer dos seus triunfos na cristandade católica da Europa meridional (Península Ibérica e Península Itálica) no universo ultramarino.
     Mesmo na Europa, a uniformidade tridentina demorara para se estabelecer; somente no século XVIII é que os bispos setecentistas “descobriram um povo rural que frequentemente não conhecia os elementos básicos do cristianismo”. Keith Thomas chamava isso de “religiosidade inortodoxa”. Havia um esforço enorme por parte do catolicismo europeu da época, para separar o cristianismo das camadas populares dos muitos veios de paganismo ainda existentes, do profundo desconhecimento dos dogmas, a participação na liturgia sem a compreensão do sentido dos sacramentos e da própria missa. Delineava-se um confuso apego às missas e procissões impregnado de magismo, afeito antes às imagens do que à coisa fugurada, mais ao aspecto externo do que ao espiritual.
     Eivado de paganismos e de “imperfeições”, o catolicismo de origem européia praticado por esses fiéis que mal distinguiam o mal do natural, a imagem da coisa figurada, o visível do invisível, continuaria, na colônia, a se mesclar com elementos estranhos a ele, multifacetados com a religião africana e às práticas dos indígenas; a originalidade da cristandade brasileira residiria, portanto, numa espécie de “mestiçagem espiritual”. Traços católicos, negros, indígenas e até judaicos (os cavaleiros entre duas fés: considerado judeu pelos cristãos e cristão pelos judeus que vêem-nos afastando-se de seu credo original por questão de sobrevivência) misturavam-se na colônia americana, tecendo uma religião sincrética e especificamente colonial, repetindo-se aqui a história da cristanização do Ocidente no nadir romano e no alvorecer feudal.

(1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Padroado_portugu%C3%AAs
(2) http://pt.wikipedia.org/wiki/Conc%C3%ADlio_de_Trento

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