sexta-feira, 3 de maio de 2013

Um apanhado do livro "A Formação das Almas", de José Murilo de Carvalho




Conteúdo para a P1 de Miss Moore; urge utilizar este resumo com o livro do lado. Tudo de mil, Galera da História!

INTRODUÇÃO:

Seria fácil concluirmos, com base em raciocínios pautados no "encadeamento causal",¹ que uma nação que, às portas do século XX, ainda vivia com os resquícios da recém outorgada abolição da escravatura, só poderia legar ao novo século uma população amorfa, bestializada, incapaz de adotar um mínimo de consciência cidadã, identificação com seus líderes e conhecimento de suas reais possibilidades como nação propriamente dita. E fecharíamos o tomo, sem problemas.

Mas pede o novo entendimento historiográfico que problematizemos a situação para conhecer de fato a dinâmica real do que se sucedeu no alvorecer do período republicano; assim, precisaremos saber ao certo o "porquê da nula participação popular em sua proclamação e a derrota dos esforços de participação nos anos que se seguiram"².

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A ideologia é o instrumento clássico de legitimação de regimes políticos no mundo moderno, uma justificação racional da organização do poder. As três correntes ideológicas que  disputavam a definição da natureza do novo regime eram o liberalismo à americana, o jacobinismo à francesa e o positivismo. 

Na primeira corrente, a utopia republicana versava sobre uma sociedade composta por indivíduos autônomos, onde os interesses eram equalizados pela mão invisível do mercado, com o governo interferindo o mínimo possível na vida dos cidadãos.

Na segunda corrente, a utopia republicana exprimia o ideal da democracia clássica, direta, um governo diretamente intermediado pela participação de todos os cidadãos.

E na terceira corrente, o utopismo era ainda mais saliente: havia uma inspiração por humanidade mitificada numa futura Idade do Ouro, transmutada para o contemporâneo.

Essas ideologias republicanas viviam enclausuradas num universo elitista; mas cada uma dessas esferas utópicas defendiam, a seu modo, o envolvimento popular na vida política. Mas esse convite às visões da República não poderia ser feito por meio do discurso - canal inacessível a um público de baixo nível de educação formal. Teria de ser feito com o auxílio da simbologia: imagens, alegorias, mitos. 

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AS DUAS REPÚBLICAS

O conceito de república em sua base filosófica, segundo os Estados Unidos da América, era a predominância do interesse individual na busca da felicidade pessoal. Adaptava-se perfeitamente à noção de liberdade dos modernos como descrevera Benjamin Constant. A solução mais comum para diluir o utilitarismo de Hume na concepção do coletivo/público foi definir esse público como a soma dos interesses individuais, como na forma de Mandeville. 

Já o conceito de república de inspiração francesa, era a república da intervenção direta do povo no governo, a república dos direitos universais do cidadão. Numa vaga versão jacobina das grandes manifestações, dos Comitês de Salvação Pública, da Liberdade e da Igualdade.

Cabe aqui destacar uma visão positivista: traços da Terceira República Francesa tinham a ver com a influência da tradição liberal de crítica da Revolução de 1789, inclusive a do próprio Benjamin Constant. Uma variante desse modelo chegou ao Brasil por intermédio dos positivistas de além e aquém mar. Só que a ortodoxia positivista entrava em conflito com o ideário republicano de Benjamin Constant pela rejeição ao governo parlamentar; Auguste Comte tirara, afinal, a sua idéia de ditadura republicana tanto da tradição romana como da experiência revolucionária de 1789.

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CIDADANIA E ESTADANIA

Por causa da tradição estatista portuguesa, os vários grupos que visavam nos modelos republicanos uma saída para a Monarquia acabavam dando ênfase ao Estado, mesmo que sob uma capa liberal. Surgida numa sociedade profundamente desigual e hierarquizada, a República brasileira foi proclamada em um momento de intensa especulação financeira, gerada para cobrir as necessidades geradas pela abolição da escravidão. Mesmo com o esforço do Governo em combater os especuladores e os banqueiros, o antigo, caracterizado de corrupto, voltava a aparecer nesse novo regime, deteriorando-lhe a imagem. Faltava à República um elemento necessário que amalgamasse e pusesse em movimento os dois modelos de liberdade difundidos, o antigo e o novo. Que despertasse, também o sentido de identidade como um cimento comum aos dois modelos, básico para fomentar um sentimento de nação, de cidadania.

Era, em suma, a busca de uma identidade coletiva para o país, tarefa que perseguiria a geração intelectual da Primeira República (1889 - 1930), provocando um imediato desencanto com a obra de 1889. "Esse Estado não é uma nacionalidade; esse país não é uma sociedade; esta gente não é um povo. Nossos homens não são cidadãos" (Alberto Torres). 

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AS PROCLAMAÇÕES DA REPÚBLICA

Uma batalha importantíssima travara-se no alvorecer da República: constituir uma versão oficial dos fatos da Proclamação à História, reduzindo-se, segundo Camile Blondel (encarregado de negócios da França no Rio) o acaso ao mínimo possível e ampliando-se ao máximo o papel dos atores principais. Mas, quem? O advento da República não pode ser reduzido à questão militar e as insurreições das unidades aquarteladas em São Cristóvão.
 
Quem deu vivas ao quê, a quem ou em que momento?

Para o grupo que apoiava Deodoro, uma certeza: a proclamação foi estritamente militar, corporativo, executado sob a liderança de Deodoro. Não possuía esse grupo a visão elaborada de República, visava apenas posição de maior prestígio e poder. Era conhecida sua resistência à admissão de civis na conspiração. A República, para esse grupo, era o capítulo final na chamada Questão Militar, que ajudou a solapar as fundações imperiais. Diga-se: Deodoro, um monarquista ferrenho, que relutava, inclusive, em admitir a queda do regime, achando que a 'aventura republicana' (aspas minhas) seria, puramente, a salvação do seu Exército.

Como positivista, embora não ortodoxo, Benjamin Constant nada tinha de militarista; repugnava-lhe a idéia de força na política - embora, como militar, participou ativamente da Guerra do Paraguai, inclusive condecorado por isso. Se a república dos deodoristas pregava a salvação do Exército, os seguidores de Benjamin pregavam a salvação da pátria.

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OS HERÓIS DA REPÚBLICA

 Deodoro era o candidato mais óbvio nesse papel: o velho militar, moribundo às vésperas do golpe, mal se sustendo na sela, dava ares de heroicidade tamanha imagem. Mas o seu incerto republicanismo, seu modo de general da Monarquia, sua figura física que por hora lembrava muito mais o deposto imperador. E era militar demais para o papel que a República lhe impunha.

Constant possuía um republicanismo admirável. Mas não tinha figura de herói. E sua incerta figura pairava sobre os espectadores, ansiosos por um mito fogoso: entre os militares só possuía alcance com os alunos das escolas e cadetes militares; entre os civis, só cativava aos positivistas.

Floriano Peixoto até possuía mais carisma do que Constant. Adquiriu dimensão maior com a Revolta da Armada e a revolta Federalista no Sul. Sua resistência às revoltas inspirou o jacobinismo republicano do Rio de Janeiro. Mas, se não dividia civis e militares, dividia, entretanto os militares (Exército contra Marinha) e os civis (jacobinos contra liberais).

Por fim, uma solução apareceu de onde ninguém sequer imaginava: a figura do mártir da Inconfidência Mineira, o Tiradentes. Muito já se falava - e usava - da imagem de Tiradentes por todo o Brasil, mas a ligação da figura do inconfidente com a imagem de Cristo, o sacrifício em prol da pátria agrilhoada pelos portugueses, as circunstâncias do processo arrolado em sua condenação e o embate entre a sua imagem e a do imperador Pedro I (neto de Dona Maria I, a algoz do alferes), terminaram por coroar Joaquim José da Silva Xavier no altar (ao lado da forca) da República.

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