domingo, 5 de maio de 2013

História da América, séculos XIX e XX : Resumo para a P1







Resumo para acompanhar com as apostilas do Edson Padrinho. Outra batalha, guerreiros da História!

I - A FORMAÇÃO DO ESTADO NACIONAL ESTADUNIDENSE: CRIAÇÃO DA UNIDADE / EXPANSÃO TERRITORIAL

Comecemos esse resumo com as definições de Montserrat Guiberneau; a primeira, no tocante ao tipo de nacionalismo, temos dois modelos: modelo um, o incutido pelos governantes como um meio de homogeneizar sua população; modelo dois, o das nações sem Estado, incorporados a Estados nacionais maiores. A autora apresenta-nos também uma diferenciação entre Estado, Nação e Nacionalismo. Estado, usando a definição de Max Weber, ela explica, textualmente: " É uma comunidade humana que exige (com sucesso) o uso legítimo da força física dentro de um dado território". Por Nação, a autora compreende como "um grupo humano consciente de formar uma comunidade e de partilhar uma cultura comum, ligado a um território claramente demarcado, tendo um passado e projeto comuns, e a exigência do direito de se governar". E Nacionalismo: "sentimento de pertencer a uma comunidade cujo os membros se identificam com um conjunto de símbolos, crenças e estilos de vida, e têm a vontade de decidir sobre seu destino político comum".

A diferença entre Nação e Estado Nacional, baseado na autora: "O Estado Nacional procura criar uma nação e desenvolver um senso de comunidade dela proveniente; o Estado Nacional tem como objetivo a criação de uma cultura, símbolos e valores comuns".

Vale aqui lembrar do conceito de nação citado por Eric Hobsbawn: " corpo de cidadãos cuja soberania coletiva os constituía como um Estado concebido como sua expressão política". Comparando a definição de nacionalismo de Guiberneau, Hobsbawn definiria como "tradição inventada".

                                        .............................................................................

Os Estados Unidos da América, no alvorecer da independência: grande parte da população provinha da Inglaterra, mas também do norte da Irlanda, da Renânia, da Holanda e da França. O Norte, progressista, era ligado ao comércio; o Sul, escravocrata, ligado a Plantation.

Ao cabo de um século e meio, a formação do Estado nacional norteamericano foi, primeiramente, uma aliança apenas política entre os seus Estados federados, mas que, posteriormente, foi alvo de um esforço conjunto de seus governantes e intelectuais para incutir na população o sentimento de nacionalismo através da criação de um passado comum , os heróis da independência, de uma cultura reconhecida como americana. Essas metas foram alcançadas principalmente pela atuação de instituições como a Escola, o Exército, a Igreja e a Família. Após esse esforço inicial para a criação de um nacionalismo americano, foi através da idéia de povo escolhido ou, como eles mesmo denominavam, 'destino manifesto', que então partiram para a agressão política de expansão e de domínio territorial do continente, anexando, comprando ou imprimindo guerras para alcançar os seus objetivos.

                                    .....................................................................................

II - AMÉRICA LATINA: UMA HISTÓRIA DE SANGUE E FOGO

Liberdade. Igualdade. Soberania popular. A América para os americanos. Essas idéias, livremente agrupadas sob a bandeira do liberalismo, possibilitaram a independência latino-americana. Elas haviam inspirado sonhos patriotas e justificado revoltas, explicando por que os americanos deveriam governar a si próprios. Por toda a América Latina, liberais ofereceram-se para pôr suas idéias em prática, com resultados desastrosos. Muitos governos liberais foram derrubados à força em poucos anos, presidentes e constituições sucedendo-se a uma velocidade estonteante. A América espanhola, nesse período (início do século XIX) adquirira uma reputação de instabilidade política, um amargo fracasso dos sonhos patriotas. Os hábitos de velhas hierarquias conservadoras esmagaram as esperanças de uma verdadeira democracia.

A liderança crioula dos exércitos patriotas brandira a bandeira do liberalismo, mas sofrera com as estruturas profundamente hierarquizadas das sociedades locais. Liberais ou conservadores, pouquíssimos americanos da elite aceitavam na prática a idéia de igualdade racial, ainda que um compromisso público formal com essa igualdade tenha sido estabelecido com as massas em seu apoio aos movimentos pela independência. Teoricamente, os liberais almejavam o "governo do povo", mas, na América Latina, os líderes liberais, tipicamente brancos e de classe superior, nutriam sentimentos ambíguos em relação ao "povo". Eurocêntricos e por demais ideológicos, os liberais não forneciam uma aplicação mais prática ao conceito de liberalismo nas nações, tornando-se esse conceito uma 'planta exótica' naquelas latitudes. Disso, aproveitavam-se os conservadores, direta e incisivamente proclamavam que o povo comum devia "conhecer o seu lugar", deixando o governo para "seus superiores".

Gradualmente, toda a América Latina dividira-se em linhas liberais e conservadoras: os primeiros, seguindo modelos progressivos norte-americanos, ingleses ou franceses; os conservadores, adotando diretrizes coloniais ou espanholas. Política partidária - com eleições, jornais e discursos - era novidade também na América Latina. Muitas questões exigiam debates, e essas regiões, por herança colonial, quase não tiveram experiências de fóruns públicos desta natureza, enfrentando nestes novos tempos, enormes dificuldades institucionais e também financeiras: afinal, pouquíssimos bancos haviam na região.

As guerras de independência devastaram as economias, sobretudo nas ricas regiões de prata mexicanas e peruanas. Agiotas locais cobravam taxas astronômicas de juros e, após alguns fracassos iniciais, os banqueiros londrinos se desinteressaram pela região. O controle do comércio importador/exportador passara diretamente, das mãos espanholas para as mãos dos comerciantes europeus e norte-americanos, pois os criollos tinham pouca experiência em atividades comerciais, preferindo investir em terra. A infra-estrutura, já precária, por conta da natureza (em países como o México, quase não haviam rios navegáveis, montanhas íngremes e florestas densas), a falta de capital para construir vias de escoamento das produções dificultou ainda mais o processo de desenvolvimento. À exceção do Brasil, as instituições governamentais tiveram que começar do zero. Por toda a parte, o palco estava armado contra os liberais, que pregavam um discurso ameaçador para sociedades militarizadas, onde muita gente possuía novas armas e velhos rancores. Eles dirigiam países destroçados pela guerra, com poderosos interesses (muitos mesquinhos) estabelecidos, e criando conflitos violentos. Os conservadores conclamavam os generais para impor a ordem, gritavam "anarquia!", tudo pela proteção da propriedade, criando um precedente trágico, cada vez que um presidente constitucional era derrubado por militares, solapando a legitimidade das regras estabelecidas do jogo político.

                               ...................................................................................................

III - ESTADOS UNIDOS: A CONQUISTA DA ÚLTIMA FRONTEIRA

Entre as décadas de 1860 e 1880, cerca de metade da área atual dos EUA já estava ocupada e era explorada por norte-americanos. Entre os estados imediatamente a oeste do Mississipi e os povoados da costa do Pacífico estendia-se uma imensa e virgem região de pradarias, planícies e montanhas, denominada de "O Grande Deserto". A ocupação dessa 'última fronteira' se deu por várias razões: a liberdade religiosa (no caso dos mórmons) ou o desejo de obter terras e ouro. Entre 1859 e 1876, houve 'corridas do ouro' para regiões que hoje são os estados de Nevada, Colorado, Idaho, Montana, Arizona, Dakota do Sul. Da noite para o dia, surgiam centenas de cidadelas temporárias, habitadas pela fauna comum de urbes destinadas ao garimpo fácil e rápido, além das profissões respeitáveis observadas lá no longínquo Leste. Cidadelas temporárias, explica-se: esgotados os veios de superfície, muitas dessas cidades ineiras eram, literalmente, abandonadas, transformando-se em cidades-fantasma.

A ocupação do Grande Deserto levou ao inevitável choque com populações indígenas; culturas que, no geral, viviam da caça aos búfalos e dependiam de amplo espaço para esse fim. O massacre de comunidades indígenas obrigou aos agredidos a revidar, violentamente, em confrontos sangrentos - um dos mais famosos, a Batalha de Sand Creek, de 1864. Os Sioux foram o povo indígena que mais resistira ao invasor. Durante os anos da Guerra Civil e da década de 1870, os embates com os Sioux e outras tribos continuavam, mesmo que esporadicamente. Em 1876, iniciando a "corrida do ouro de Dakota", os garimpeiros ocuparam um trecho de terra destinado aos indígenas, as Black Hills, provocando as primeiras escaramuças. Em 1890, com um levante indígena em Wounded Knee, Dakota do Sul, o massacre da população indígena encerrara o conflito. No sudoeste, somente com a captura do chefe apache Jerônimo, em 1885, é que os conflitos na área terminaram.

De certa forma, o modo de vida dos indígenas fora destruído pela dizimação dos búfalos; desde o governo de James Monroe (1817-1825), a política oficial fora de transferir os ameríndios para além da 'fronteira branca', sempre de maneira inábil e, por vezes, cruel. Mas, mesmo assim, até os defensores das causas e sistemas indígenas acreditavam que se tratava de culturas inferiores, e que os nativos "deveriam ser trazidos para os benefícios da civilização branca, assimilando-os na cultura dominante". Destruídas as autoridades tribais e submetidas ao Estado (na maior parte das vezes, ausente), as comunidades ameríndias tiveram enormes dificuldades na entrada do século XX.

O fim da "cultura das pradarias" começou ainda mais cedo, com a implantação de gado nas terras dos búfalos. Com a as desastrosas nevascas de 1885-86 e 1886-87, a indústria pecuária chegou com o congelamento de milhares de cabeças de gado vacum e/ou sua morte por fome no período. A contratação de funcionários fixos para as fazendas, o cerco das pastagens, isso acabou matando a era clássica do vaqueiro norte-americano, o cowboy, que oferecia seus serviços por curtas jornadas e errava por cidades, nômade por substância. E a estocada final fora dada pelas ferrovias: maiores vendedoras de terras para os colonos, assentando populações nas áreas que serviam os trilhos e seus derivativos.

                                     ..........................................................................................

IV - O IMPERIALISMO

Escorados no pressuposto do darwinismo social e referendados pela Doutrina do presidente James Monroe, uma atmosfera de constante interesse nas questões externas conduziram o povo dos Estados Unidos ao caminho de um 'destino manifesto', sob a forma de uma anglo-saxônica missão civilizatória pelo mundo. A guerra Hispano-Americana de 1898 fornecera-lhe as bases para o desenvolvimento de uma política imperialista, que já se mostrava (segundo alguns historiadores) visível numa elite bélica entrincheirada nos primeiros escalões do governo: William Seward, secretário de Estado (1861 - 1869), fora o responsável pela aquisição do Alasca aos russos e das ilhas Midway, no Pacífico; os presidentes Theodore Roosevelt (política da fala macia e porrete na mão), Ulisses S. Grant e o secretário de estado James G.Elaine (1881, 1889 - 1892) foram os políticos que exprimiram claramente esse destino, em atitudes expansionistas sobre o Caribe, justificativas sobre uma "guerra justa", pan-americanismo liderado pelos EUA e até mesmo a construção dum canal no Panamá - o que se concretizaria a partir de 1903.

Cuba e as Filipinas (esta, no Oceano Pacífico, do outro lado do mundo) foram os laboratórios por onde a experiência expansionista americana fizera o seu 'debùt'. A ilha caribenha era extremamente dependente dos EUA na exportação de seu açúcar, e vivia em prosperidade graças às tarifas suaves para o escoamento de sua produção; mas a revogação dessas tarifas benéficas e a implantação de outra (Wilson-Gorman) mais pesada acabou desestabilizando o comércio e a política insular, a ponto de os espanhóis (ainda senhores daquele chão) reagirem violentamente. Como se não bastassem os protestos de diversos segmentos da sociedade para uma efetiva intervenção norte-americana na ilha, dois episódios providenciais empurraram a América para Cuba: a 'carta Lome', um documento da embaixada espanhola bastante delicado em suas opiniões sobre a presidência americana que vazou para o público; e a explosão do USS Maine, navio norte-americano atracado na baía de Havana, matando 260 marinheiros ianques. Guerra conseguida, vitória rápida, total hegemonia sobre a ilha. E o mesmo ocorrera nas Filipinas: aproveitando a instabilidade política da outra possessão hispânica, o presidente Roosevelt, alegando a situação de Cuba, deixou a esquadra americana de sobreaviso em Hong Kong para atacar os espanhóis em Manila. E foi o que ocorrera. Porto Rico também acabou passando para a sua tutela, virando um estado associado.

Entre 1900 e 1920, os EUA intervieram nos assuntos de pelo menos seis países no hemisfério sul. No Haiti, na República Dominicana, na Nicarágua, na Colômbia - onde houve, inclusive, uma clara agressão ao princípio de soberania local, ao atropelar os interesses nativos que contrariavam aos americanos e franceses na construção (e administração) do canal do Panamá. Até mesmo no México, durante as incursões de Pancho Villa. Aproximaram-se da Grã-Bretanha, com quem andavam historicamente às turras no século anterior para garantir sua independência e evitar o intervencionismo no continente. E construíram a base militar de Guantánamo, em Cuba, que, mesmo com todo o desenrolar dos eventos de Sierra Maestra, a queda de Batista, o apogeu de Fidel Castro e as peripécias do Che Guevara, ainda está lá, mostrando a força da política imperialista norte-americana, desde o seu alvorecer como país independente.







 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Um apanhado do livro "A Formação das Almas", de José Murilo de Carvalho




Conteúdo para a P1 de Miss Moore; urge utilizar este resumo com o livro do lado. Tudo de mil, Galera da História!

INTRODUÇÃO:

Seria fácil concluirmos, com base em raciocínios pautados no "encadeamento causal",¹ que uma nação que, às portas do século XX, ainda vivia com os resquícios da recém outorgada abolição da escravatura, só poderia legar ao novo século uma população amorfa, bestializada, incapaz de adotar um mínimo de consciência cidadã, identificação com seus líderes e conhecimento de suas reais possibilidades como nação propriamente dita. E fecharíamos o tomo, sem problemas.

Mas pede o novo entendimento historiográfico que problematizemos a situação para conhecer de fato a dinâmica real do que se sucedeu no alvorecer do período republicano; assim, precisaremos saber ao certo o "porquê da nula participação popular em sua proclamação e a derrota dos esforços de participação nos anos que se seguiram"².

                                      ..............................................................................


A ideologia é o instrumento clássico de legitimação de regimes políticos no mundo moderno, uma justificação racional da organização do poder. As três correntes ideológicas que  disputavam a definição da natureza do novo regime eram o liberalismo à americana, o jacobinismo à francesa e o positivismo. 

Na primeira corrente, a utopia republicana versava sobre uma sociedade composta por indivíduos autônomos, onde os interesses eram equalizados pela mão invisível do mercado, com o governo interferindo o mínimo possível na vida dos cidadãos.

Na segunda corrente, a utopia republicana exprimia o ideal da democracia clássica, direta, um governo diretamente intermediado pela participação de todos os cidadãos.

E na terceira corrente, o utopismo era ainda mais saliente: havia uma inspiração por humanidade mitificada numa futura Idade do Ouro, transmutada para o contemporâneo.

Essas ideologias republicanas viviam enclausuradas num universo elitista; mas cada uma dessas esferas utópicas defendiam, a seu modo, o envolvimento popular na vida política. Mas esse convite às visões da República não poderia ser feito por meio do discurso - canal inacessível a um público de baixo nível de educação formal. Teria de ser feito com o auxílio da simbologia: imagens, alegorias, mitos. 

                              ......................................................................................

AS DUAS REPÚBLICAS

O conceito de república em sua base filosófica, segundo os Estados Unidos da América, era a predominância do interesse individual na busca da felicidade pessoal. Adaptava-se perfeitamente à noção de liberdade dos modernos como descrevera Benjamin Constant. A solução mais comum para diluir o utilitarismo de Hume na concepção do coletivo/público foi definir esse público como a soma dos interesses individuais, como na forma de Mandeville. 

Já o conceito de república de inspiração francesa, era a república da intervenção direta do povo no governo, a república dos direitos universais do cidadão. Numa vaga versão jacobina das grandes manifestações, dos Comitês de Salvação Pública, da Liberdade e da Igualdade.

Cabe aqui destacar uma visão positivista: traços da Terceira República Francesa tinham a ver com a influência da tradição liberal de crítica da Revolução de 1789, inclusive a do próprio Benjamin Constant. Uma variante desse modelo chegou ao Brasil por intermédio dos positivistas de além e aquém mar. Só que a ortodoxia positivista entrava em conflito com o ideário republicano de Benjamin Constant pela rejeição ao governo parlamentar; Auguste Comte tirara, afinal, a sua idéia de ditadura republicana tanto da tradição romana como da experiência revolucionária de 1789.

                                    ................................................................................

CIDADANIA E ESTADANIA

Por causa da tradição estatista portuguesa, os vários grupos que visavam nos modelos republicanos uma saída para a Monarquia acabavam dando ênfase ao Estado, mesmo que sob uma capa liberal. Surgida numa sociedade profundamente desigual e hierarquizada, a República brasileira foi proclamada em um momento de intensa especulação financeira, gerada para cobrir as necessidades geradas pela abolição da escravidão. Mesmo com o esforço do Governo em combater os especuladores e os banqueiros, o antigo, caracterizado de corrupto, voltava a aparecer nesse novo regime, deteriorando-lhe a imagem. Faltava à República um elemento necessário que amalgamasse e pusesse em movimento os dois modelos de liberdade difundidos, o antigo e o novo. Que despertasse, também o sentido de identidade como um cimento comum aos dois modelos, básico para fomentar um sentimento de nação, de cidadania.

Era, em suma, a busca de uma identidade coletiva para o país, tarefa que perseguiria a geração intelectual da Primeira República (1889 - 1930), provocando um imediato desencanto com a obra de 1889. "Esse Estado não é uma nacionalidade; esse país não é uma sociedade; esta gente não é um povo. Nossos homens não são cidadãos" (Alberto Torres). 

                            ..................................................................................................


AS PROCLAMAÇÕES DA REPÚBLICA

Uma batalha importantíssima travara-se no alvorecer da República: constituir uma versão oficial dos fatos da Proclamação à História, reduzindo-se, segundo Camile Blondel (encarregado de negócios da França no Rio) o acaso ao mínimo possível e ampliando-se ao máximo o papel dos atores principais. Mas, quem? O advento da República não pode ser reduzido à questão militar e as insurreições das unidades aquarteladas em São Cristóvão.
 
Quem deu vivas ao quê, a quem ou em que momento?

Para o grupo que apoiava Deodoro, uma certeza: a proclamação foi estritamente militar, corporativo, executado sob a liderança de Deodoro. Não possuía esse grupo a visão elaborada de República, visava apenas posição de maior prestígio e poder. Era conhecida sua resistência à admissão de civis na conspiração. A República, para esse grupo, era o capítulo final na chamada Questão Militar, que ajudou a solapar as fundações imperiais. Diga-se: Deodoro, um monarquista ferrenho, que relutava, inclusive, em admitir a queda do regime, achando que a 'aventura republicana' (aspas minhas) seria, puramente, a salvação do seu Exército.

Como positivista, embora não ortodoxo, Benjamin Constant nada tinha de militarista; repugnava-lhe a idéia de força na política - embora, como militar, participou ativamente da Guerra do Paraguai, inclusive condecorado por isso. Se a república dos deodoristas pregava a salvação do Exército, os seguidores de Benjamin pregavam a salvação da pátria.

                             .................................................................................................

OS HERÓIS DA REPÚBLICA

 Deodoro era o candidato mais óbvio nesse papel: o velho militar, moribundo às vésperas do golpe, mal se sustendo na sela, dava ares de heroicidade tamanha imagem. Mas o seu incerto republicanismo, seu modo de general da Monarquia, sua figura física que por hora lembrava muito mais o deposto imperador. E era militar demais para o papel que a República lhe impunha.

Constant possuía um republicanismo admirável. Mas não tinha figura de herói. E sua incerta figura pairava sobre os espectadores, ansiosos por um mito fogoso: entre os militares só possuía alcance com os alunos das escolas e cadetes militares; entre os civis, só cativava aos positivistas.

Floriano Peixoto até possuía mais carisma do que Constant. Adquiriu dimensão maior com a Revolta da Armada e a revolta Federalista no Sul. Sua resistência às revoltas inspirou o jacobinismo republicano do Rio de Janeiro. Mas, se não dividia civis e militares, dividia, entretanto os militares (Exército contra Marinha) e os civis (jacobinos contra liberais).

Por fim, uma solução apareceu de onde ninguém sequer imaginava: a figura do mártir da Inconfidência Mineira, o Tiradentes. Muito já se falava - e usava - da imagem de Tiradentes por todo o Brasil, mas a ligação da figura do inconfidente com a imagem de Cristo, o sacrifício em prol da pátria agrilhoada pelos portugueses, as circunstâncias do processo arrolado em sua condenação e o embate entre a sua imagem e a do imperador Pedro I (neto de Dona Maria I, a algoz do alferes), terminaram por coroar Joaquim José da Silva Xavier no altar (ao lado da forca) da República.

                                          ..............................................................


terça-feira, 30 de abril de 2013

O Mundo Às Avessas: A Revolução Russa




Conteúdo destinado à P1 de História do Mundo Contemporâneo; necessita do acompanhamento das apostilas ministradas no 5º período. vamos lá, galera!


PRELIMINARES:

A autocracia feudal russa atravessara meio milênio intocável nas suas instituições e diretrizes: sustentada principalmente pela nobreza rural, os membros dirigentes da Igreja Ortodoxa e do exército saíam desse estamento, enquanto a massacrada maioria dos cento e oitenta milhões de habitantes (1905) viviam numa miséria absoluta - cerca de 70 milhões no campo, em 1860. O Czar e sua corte reinavam, soberanos, sobre as cabeças e vontades de todos, acima de leis e respeitos.

Mas ainda que o braço inflexível das elites mantivesse seus privilégios e poderes, as ideologias liberais e socialistas penetravam gradativamente no país - reflexo de um tempo de questionamentos, iniciados no século passado e que já fulminara tronos e príncipes mais poderosos - , provocando (ao menos) a reflexão de alguns mandatários. Entre 1860 e 1914, o número anual de estudantes universitários crescera de cinco mil para sessenta e nove mil, e o número de jornais diários crescera de treze para oitocentos e sessenta. Apesar de falarmos de uma das nações mais atrasadas da Europa, com 80% de sua população no campo e 90% não sabendo ler nem escrever, ainda agarrados às crendices sobre a divindade dos Romanoff e o inquestionável poder dos descendentes dos boiardos ¹. 

Uma embrionária industrialização avança, sobretudo em Moscou e Petrogrado, e a burguesia nacional pouco se aproveita desse avanço; os estrangeiros detém o capital gerado por esse esboço industrial. 

Em 1861, sucederam-se revoltas, incêndios propositais e diversos crimes; Alexandre II promovera a abolição da servidão, "libertando" quarenta milhões de camponeses que, na prática, continuaram amarrados à indenizações custeadas à nobreza, por quarenta e nove anos. A Reforma Agrária do engodo... Nascem as sociedades marxistas e os partidos políticos: o Partido Social Democrata, criado em 1898 e liderado por Plekhanov e Lênin, tinha, ainda, a presença de Lev Bronstein - Trotsky. No início, uma cisão de idéias agitava o partido: os Mencheviques (Plekhanov) defendiam a chegada ao poder por meio das eleições, enquanto os Bolcheviques (Lênin) desejavam a tomada do poder pela luta armada. Antes disso, o czar reformista Alexandre II fora assassinado em 1881 pelos 'Pervomatovtsky', opositores do governo que responsabilizavam o mesmo pelo caos social. 

A ascensão de Alexandre III (1881 - 1894) promovera também a subida das forças mais conservadoras e repressoras da dinastia reinante: a polícia política do governo (Okhrana) controlava impiedosamente os setores educacionais, os tribunais, a imprensa e os partidos políticos. Sobrou para todo mundo, camponeses e operários. Os empresários industriais impulsionavam o processo de industrialização do país associado a capitais internacionais, notadamente franceses, ingleses e alemães. Somava-se então às miseráveis condições do campesinato as dos operários, obedecendo a um padrão recorrente na Europa da época, doze a dezesseis horas diárias de trabalho, exploração desumana dos capitalistas locais e estrangeiros, sem alimentação e laborando em locais imundos, sujeitos a doenças diversas.


AS REVOLUÇÕES RUSSAS - 1905 / 1921 ²

 1905 - O Domingo Sangrento

As ondas da primeira revolução, de 1905, vieram sem aviso prévio e surpreenderam os homens do poder (que não contavam com ela), os revolucionários (que aspiravam por ela) e os próprios protagonistas (que começaram a fazê-la sem disso ter uma clara consciência.

O galope rápido do capitalismo ao fim dos século XIX irrigara o terreno e amadurecera as contradições. Com o povo extremamente sensível à possibilidade da revolta, o governo do czar Nicolau II enveredou-se por uma guerra puramente imperialista contra o Japão, no Pacífico, em 1904; com a arrogância típica dos que se acham superiores, o Estado-Maior do czar desdenhara a capacidade bélica dos japoneses. Port Artur fora atacada e a esquadra russa destruída. Ofensivas por terra humilhavam ainda mais o moral russo nos campos de batalha. Numa contenda absolutamente desnecessária para a nação, em geral, que sofria com a política externa czarista, na forma de tributos e vidas para serem incineradas tão longe.

Num domingo, 9 de novembro de 1905, milhares de pessoas aglomeraram-se em frente ao Palácio de Inverno do czar (sede e símbolo do poder) para expor pacificamente suas reivindicações, num momento em que, na cidade de São Petersburgo e sob um frio e fome violentos, encontravam-se em greve. Os cossacos e a polícia abriram fogo contra a multidão. Noventa e dois mortos, na contagem oficial. Feridos aos milhares. A partir daí, a passividade dera espaço à atividade. E o povo começou a tecer seu destino.

Três ondas de greves, nucleadas pelos operários, arrastaram os trabalhadores aos milhões, em torno da realização do programa que a Social-Democracia já concretizara nos países capitalistas mais avançados do ocidente e do centro da Europa. E numa cidade ao norte de Moscou, os operários de Ivanovo-Voznesensk criaram, em 1905, uma organização original, o soviet (conselho), constituído por representantes (deputados) dos operários eleitos nas próprias fábricas, sem mandato fixo, revogáveis a qualquer momento. Uma nova e poderosa onda quebrava-se nas arruinadas falésias do sistema servil imperial, esfarelando-as ainda mais.

No campo, desde a primavera, os mujiques, principalmente nas províncias do centro da Rússia,  movimentavam-se reinvindicando e invadindo as terras. Organizaram reuniões e punham em questão os impostos e a mobilização militar. Marinheiros revoltavam-se nas bases navais do Mar Negro (episódio perenizado pelo filme 'Encouraçado Potemkin')e do Golfo da Finlândia (Kronstadt), exigindo o fim dos castigos corporais melhores soldos, condições de trabalho e o respeito pelos seres humanos sob as fardas. A desagregação era geral: nacionalismo diversos explodiam em várias partes do Império, poloneses, finlandeses, povos bálticos, do Cáucaso, Ásia Central, Sibéria. Mesmo entre as próprias elites, o descontentamento tomava corpo, formando uniões profissionais com programas que exigiam, entre outras medidas, uma Assembléia Constituinte. O czar ainda negociava e negaciava, formulando concessões pífias na esperança que a sorte na guerra do Extremo Oriente pudesse mudar o quadro político. Mas a derrota de outra esquadra, mandada ao Oriente dando a volta ao mundo apenas para ser aniquilada pelos japoneses, mostrou a precariedade do poder imperial face aos ventos de mudança que sopravam as cortinas dos vacilantes e surreais césares russos. Acuado, reconheceu as liberdades fundamentais do povo no chamado Manifesto de Outubro e a criação de um Parlamento (Duma), mas não firmando nada em definitivo sobre uma Constituição definidora de poderes.

Os partidos de orientação liberal burguesa deram-se por satisfeitos com as promessas do czar, deixando os operários e suas organizações isoladas. Mal a guerra com o Japão terminara, o governo mobilizara os Cossacos para reprimir os principais focos de revolta dos trabalhadores. Desmantelando o soviete de São Petersburgo, o czar assumiu o comando da situação e deixou as promessas liberais do Manifesto, voltando ao governo autoritário, mantendo, apenas, a Duma. Mas, por mais que o 'Domingo Sangrento' tenha sido ministrado pelas forças imperiais, Lênin considerou uma espécie de 'ensaio geral' para a segunda fase da Revolução que mudaria não só a Rússia como o mundo.

A QUEDA DO CZAR E O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO (1917)

A revolução branca (fevereiro)

E para que essa mudança se processasse - e vingasse - arestas precisavam ser aparadas, ajustes precisavam ser feitos, constatações confirmadas. Uma delas é que a burguesia e seu universo político de referência, os constitucionalistas-democráticos (Kadetes) não possuíam pulso e vocação para assumir a liderança de um processo revolucionário que levasse à derrubada da autocracia e instalasse uma república democrática na Rússia. Caberia ao proletariado (Trotsky) e à aliança operário-camponesa (V. Lênin), a direção desse processo.

Os partidos socialistas, empurrados para a clandestinidade, exílio e cadeia,  não resistiram à pressão dos múltiplos fatores desfavoráveis, numa fase de profundo refluxo, e tenderam à desagregação. O desencanto contaminou quase todos, impondo um processo de decomposição às oposições revolucionárias. Entretanto, a disseminação de formulações heréticas circulavam no exílio e na Rússia, fermentando alternativas para quando a oportunidade aparecesse. A 'revolução permanente' de Trotsky, a ditadura democrática e revolução ininterrupta de Lênin, além das diversas propostas bolcheviques sobre a questão nacional eram algumas das bombas em estoque, enquanto a Social-Democracia russa, dividida, turbulenta, com excelentes propostas de uma progressiva revolução burguesa para um aparelho socialista estruturado em bases políticas, econômicas e jurídicas, não passavam de falácias e teorias.

Nesse ínterim, o tempo avançava, mas o quadro não se alterava: o parlamentarismo estava desacreditado, com o czar manipulando-o ao seu bel prazer, os projetos modernizadores das estruturas agrárias, empacara; e a Primeira Grande Guerra explodira, oferecendo a chance que Lênin tanto ansiara, em meio a greves gigantescas, protesto de estudantes e operários...e a repressão dos Cossacos.

Novamente, aconteceram derrotas humilhantes, crises de abastecimento alimentar nas cidades, e no pano de fundo, os protestos cada vez mais intensos de todas as partes da nação contra o estado das coisas. Quatro grandes vertentes sobre a questão da guerra digladiavam-se em debates: os partidários da guerra, que criam numa vitória sobre os alemães para debelar o comunismo internacional de vez (Plekhanov e Kropotkin); outros que achavam que o povo desejava a defesa da pátria; outros que se batiam pela luta mas sem desejos de anexações ou indenizações, como o grosso dos mencheviques e Trotsky com uns poucos bolcheviques; e os radicais, que propunham que a luta deveria ser contra seus governos em seus países, convertendo a guerra imperialista em guerra civil, contra o capitalismo (Lênin, a maioria dos bolcheviques, muitos anarquistas e alguns socialistas revolucionários).

E nesse quadro de completa convulsão social, cinco dias de fevereiro em Petrogrado bastaram para derrubar uma dinastia eterna de três séculos de existência. O czar Nicolau II, devidamente demonizado, fora removido, abrindo os horizontes para todos os sonhos. Isso após o mesmo monarca ter cometido a mesma vesânia de 1905, ordenando aos militares que atirassem contra uma multidão de revoltosos com a situação do país. No dia 27 de fevereiro (calendário juliano), um mar de soldados e trabalhadores com trapos vermelhos invadira o Palácio Tauríde, local de reunião da Duma. Formaram-se dois comitês em salões diferentes do palácio. Um, formado por moderados da Duma, se tornaria o Governo Provisório. O outro era o Soviete de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados, e militantes de várias correntes políticas. A 2 de março o czar, cercado por amotinados, assinara sua abdicação. O Governo Provisório, de caráter burguês, comprometia-se com a propriedade privada e a manutenção da Rússia na guerra; enquanto o Soviete de Petrogrado reivindicava para si a legitimidade do poder, querendo dar terra aos camponeses, um exército com disciplina voluntária, oficiais eleitos democraticamente e o fim da guerra - objetivos muito mais ao feitio do povo. Regressando à Rússia em abril, Lênin pregava a nacionalização dos bancos, da propriedade privada, sob um só mote: "Todo o poder aos Sovietes".  

A revolução vermelha (outubro)

Na madrugada do dia 25 de outubro, os bolcheviques liderados por Lênin, Radek e Zinoviev, cercaram a capital, onde estavam sediados o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado. Muitos foram presos, mas Kerensky conseguiu fugir. À tarde, o Soviete delegou o poder governamental ao Conselho dos Comissários do Povo, dominado pelos bolcheviques. 

Caberia agora à sociedade dar forma e cor aos anseios para que pudessem ser concretizados pelo novo governo. O Soviete de 1905 emergira da névoa do passado e tinha, enfim, o canal para que as vozes do povo se manifestassem. A palavra estava concedida a todos que desejassem dela dispor. Jamais ocorrera algo semelhante. Operários desejando o reconhecimento da jornada de trabalho de oito horas, segurança no emprego, livre organização inclusive nas fábricas e um salário justo; camponeses querendo a terra para quem nela trabalhasse; soldados desejando um tratamento respeitoso, o controle dos comitês de soldados sobre o movimento das tropas e munições; nações não-russas desejando o reconhecimento de sua personalidade em autonomia cultural e/ou política. Muitos excessos ocorreram com esse arroubo inédito de liberdade e democracia, levando o governo a pedir serenidade aos grupos. 

O novo governo agiu em esferas mais audazes e imediatas para a solidificação das conquistas da Revolução: pedido de paz imediata, assinando com a Alemanha o tratado de Brést-Litovski, onde a Rússia abria mão de sua dominação sobre as nações bálticas, Ucrânia e Finlândia; o confisco das propriedades privadas, notadamente da Igreja Ortodoxa e da nobreza; estatização da economia, intervendo o governo diretamente na vida econômica. 


Durante o curto período em que os territórios cedidos no tratado de Brest-Litovski estiveram em poder do exército alemão, as várias forças antibolcheviques puderam organizar-se e armar-se. Estas forças dividiam-se em três grupos que também lutavam entre si: czaristas, liberais-esseritas e anarquistas. Ao mesmo tempo, Trotsky se ocupou em organizar o Exército Vermelho; lutando em várias frentes, o exército bolchevique venceu a guerra civil em 1921, consolidando de vez o domínio bolchevique (agora denominado de Partido Comunista desde 1918) em todo o território russo. 


¹ - Boiardos: antiga nobreza fundiária imperial russa, oriunda dos tempos de Pedro, O Grande
2  - FILHO, Daniel Aarão Reis. As Revoluções Russas e o Socialismo Soviético. São Paulo: Editora UNESP, 2002



sábado, 5 de janeiro de 2013

Fortaleza de Ormuz: presença portuguesa no Oriente

 
 Para que o projeto português no comércio das especiarias fosse bem sucedido, longe de concorrências locais e mesmo do embrionário expansionismo europeu além do Atlântico, houve a necessidade em se controlar o acesso às rotas aos portos das chamadas 'Índias'; utilizando-se de um expediente similar ao dos romanos na Antiguidade (que levou a transformar o Mediterrâneo no famoso "Mare Nostrum"), as naus portuguesas singraram os confins do oceano Índico levando padrões e tropas aos estreitos que ligavam o referido oceano ao restante do mundo. Assim, Portugal obteve o controle das alfândegas de Malaca (sudeste asiático), Macau (extremo sul chinês), Áden (no Bab-El-Mandeb, entre a Arábia e a Somália) e a mais famosa e poderosa de todas as passagens fortificadas - demonstração do gênio e da força lusa no século XVI -, a Fortaleza de Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico, hoje uma das regiões mais vigiadas do globo por conta do trânsito dos petroleiros saídos da área que abastece dois terços do mercado global de combustíveis.
As informações abaixo visam apenas o interesse no assunto, não servindo para consulta acadêmica ou estudo mais aprofundado. Boa leitura!

................................................................................................................................................


O Forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz localiza-se na ilha de Gerun, no estreito de Ormuz, atual República Islâmica do Irão.
Ormuz (ou Hormuz) foi uma importante cidade marítima e um pequeno reino próximo à entrada do golfo Pérsico. O primitivo sítio da cidade era na margem norte do Golfo, a cerca de 30 milhas a leste da atual Bandar Abbas. Por volta de 1300, aparentemente em função de ataques Tártaros, foi transferida para a pequena ilha de Gerun, que pode ser identificada como a Organa de Nearcho, aproximadamente 12 milhas a oeste e a 5 milhas da costa.
                                    
Na seqüência da afirmação da presença portuguesa na Índia, compreendeu-se a importância do controle do comércio com a península Arábica. Impôs-se assim a conquista de Ormuz, por sua posição estratégica, dominando a entrada do golfo Pérsico. A outra rota passava por Áden, próximo ao Bab-el-Mandeb, por onde se acede o mar Vermelho.
Ormuz constituía-se em um dos mais importantes centros comerciais da região, em seu mercado sendo trocadas cavalos e pérolas, de tal como que viria a ser considerada porAfonso de Albuquerque como a "terceira chave" do Império Português na Ásia, juntamente com as praças-fortes de Goa e Malaca.

Albuquerque fez a primeira tentativa para controlá-la em 1507. À frente de uma pequena frota de sete navios com uma força de quinhentos homens, dirigiu-se a Ormuz, tendo no percurso conquistado as cidades de Curiate (Kuryat), Mascate e Corfacão (atual Khor Fakkan) e aceitado a submissão das cidades de Kalhat e Soar (Sohar).
A frota portuguesa ancorou diante da cidade; o seu governante estava preparado para um ataque, contando com um efetivo que ascendia a de 15 a 20 mil homens de armas. Sem se intimidar, Albuquerque intimou-o a prestar-lhe homenagem e a tornar-se vassalo do rei de Portugal. Recebeu uma resposta evasiva, numa clara tentativa de ganhar tempo nas negociações. Ao final de três dias de espera, a artilharia portuguesa entrou em ação, tendo destruído a frota de Ormuz. Vendo as suas forças destroçadas, o soberano de Ormuz solicitou uma trégua oferecendo a cidade aos portugueses. Desse modo, Albuquerque concluiu, em setembro de 1507, um tratado pelo qual o soberano de Ormuz deveria pagar um tributo anual ao rei de Portugal. Como fruto desse acordo, iniciou ainda uma fortificação, cuja pedra fundamental foi lançada em 24 de outubro desse mesmo ano, sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória.
Os trabalhos terão ficado a cargo do mestre de pedraria Tomás Fernandes.[1]
Durante esses trabalhos registou-se o chamado "Motim dos Capitães", um episódio de insubordinação que culminou com a deserção de três capitães portugueses. Estes, com o apoio do soberano de Ormuz, deram combate às forças de Albuquerque no início de janeiro de 1508. Após alguns dias de batalha, Albuquerque e os seus viram-se forçados a retirar da cidade, abandonado o forte em construção.





Em março de 1515, Albuquerque retornou a Ormuz, à frente de uma frota de 27 navios, com um efetivo de 1.500 soldados portugueses e 700 malabares, determinado a reconquistá-la. Bem sucedido, ocupou a posição da antiga fortaleza em 1 de abril, retomando a sua construção, agora sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.
Nessa época, os principais portos do golfo Pérsico e da Arábia, tais como Julfar, Barém,Calaiate (Qalhat), Mascate, Catifa (al Qatif), Corfacão, e as ilhas de Queixome (Qeshm) eLareca, encontrava-se sob o domínio do reino de Ormuz. Com a sua queda, todas as cidades e portos da região tornaram-se tributárias do rei de Portugal: o reino de Ormuz permaneceu como uma potência regional, em articulação com o Estado Português da Índia. Sob esta fórmula, a presença portuguesa na região estendeu-se por mais de um século, até aos anos de 1620-1650.
Um documento coevo relaciona os portos que pagavam tributo a Portugal: Aigom e Docer "portos que estam na barra de terra firme", Brahemim "porto que esta de fora da ilha d'Oromuz na terra firme", Tezer "lugar na terra firme", Beabom, Borate, Jullfar (Julfar), Callayate (Qalhat), Horfacam (Khor Fakkan), Caçapo (Khasab), Broqete "na ilha Qeixa", Lafete "na ilha Qeixa", Qeixa "na ilha Qeixa", Garpez "na ilha Qeixa", Rodom, Costaque, Chagoa, Callecazei e Lebedia (in: Rendimento da cidade de Oromuz e seus reinos, 1515.)
Em 1521, o soberano de Ormuz rebelou-se contra o domínio português, mas foi derrotado e destronado, um novo governante aliado tendo ocupado o seu lugar.
Em 1523, D. Luís de Menezes ocupou Soar, que havia se revoltado e, após fazê-lo, prosseguiu para Queixome, onde um novo tratado foi celebrado com o novo governante, em virtude do qual uma feitoria portuguesa foi ali estabelecida.
Em 1526, o Vice-rei da Índia, Lopo Vaz de Sampaio (1526-1529), submeteu Mascate e Khalat que haviam se revoltado.
Em 1528 Cristóvão de Mendonça era Capitão-mor da Fortaleza de Ormuz.[2]
Em 1542-1543, a totalidade das receitas aduaneiras de Ormuz foi destinada ao rei de Portugal.
O período entre 1550 e 1560 foi de guerra contínua com os Turcos pela supremacia no Golfo Pérsico.
Em 1550-1551, os Portugueses conquistaram aos Turcos o Forte de El Katiff (Al Qatif) na Arábia. Em 1551-1552, os Turcos atacaram e saquearam Mascate. Com a sua retomada pelos portugueses e para complemento da defesa de Ormuz, foi iniciada a Fortaleza de Mascate.
Em 1559, os Turcos sitiaram os Portugueses no Forte de Barém, mas, após vários meses de cerco, foram forçados à retirada.
Data deste período, o final da década de 1550, a intervenção do arquiteto obidense Inofre de Carvalho na fortificação de Ormuz.




No contexto da Dinastia Filipina, as possessões portuguesas em todo o mundo tornaram-se alvo de ataques dos inimigos de Espanha, e no golfo Pérsico, particularmente dos Ingleses.
Neste período conturbado, os eventos sucederam-se rápidamente, até à perda das praças portuguesas e do controle da região.
Em 1581, Mascate foi uma vez mais arrasada pelos Turcos. No ano seguinte (1582), o soberano de Lara (a ilha de Larack, vizinha a Ormuz), que se revoltara, impôs cerco à Fortaleza de Ormuz. Os Portugueses, entretanto, conseguiram rechaçar os invasores e, a seu turno, impuseram cerco ao Forte de Xamel, em Lara, que conquistaram.
Finalmente, em 1588, a Fortaleza de Mascate estava reconstruída e a cidade fortificada, assim como havia sido erguida uma fortificação próximo a Matara (Matrah) – o Forte de Matara.
Por volta de 1591, com planos de Giovanni Battista Cairati, as defesas da fortaleza de Ormuz foram reforçadas.
O abastecimento de água potável de Ormuz era feito a partir dos poços em Comorão, na costa persa. Aqui os Portugueses mantiveram um forte (Forte de Comorão), que capitulou ante os persas em 22 de setembro de 1614.
Em 1616, Soar, que havia se revoltado uma vez mais, foi capturada por uma frota Portuguesa e o seu soberano, executado.
Em 1619, a fortaleza de Ormuz contava com um efetivo estimado entre quinhentos a setecentos soldados.
Em janeiro de 1619, Rui Freire de Andrada, "General do Mar de Ormuz e costa da Pérsia e Arábia", partiu de Lisboa para a região, com instruções para dispersar os Ingleses, que haviam fundado uma feitoria em Jâsk desde 1616, pressionando os Persas, em parte desalojando-os da guarnição em Qeshm e ali erguendo uma fortificação portuguesa. A armada fundeou em Ormuz a 20 de Junho de1620.
Em 1620 forças portuguesas sob o comando de Gaspar Pereira Leite erguem o Forte de Corfacão (atual Khor Fakkan).
Em 8 de maio de 1621, forças portuguesas sob o comando de Rui Freire de Andrada iniciam a construção do Forte de Queixome(Qeshm), para assegurar o suprimento de água potável para Ormuz. Este ato foi considerado como um sinal de hostilidade declarada pelo Xá da Pérsia, que, em 1622, com o apoio de forças árabes, consegue capturar Julfar aos Portugueses.
Na seqüência da queda do Forte de Queixome (11 de fevereiro de 1622), uma flotilha do Xá Abaz I da Pérsia, com mais de 3.000 homens e o apoio de seis embarcações Inglesas, colocaram cerco ao Forte de Ormuz (20 de fevereiro). Os Persas ofereceram ao comandante português da praça a ilha de Qeshm em troca de 500.000 patacas e o porto de Julfar, na costa da Arábia, recém-conquistado aos portugueses. A oferta, entretanto, foi recusada e, em poucos meses, Ormuz era perdida para os Persas e seus aliados Ingleses (3 de maio). A guarnição e a população portuguesa na ilha, cerca de 2.000 pessoas, foram enviadas para Mascate.
Ainda por uma década as forças Portuguesas, sob o comando de Rui Freire de Andrada, empreenderam diversas tentativas para reconquistar a fortaleza de Ormuz: militarmente em 1623, 1624, 1625 e 1627, e diplomáticamente em 1631, todas sem sucesso.
Com a queda de Ormuz, os Portugueses fixaram a sua nova base em Mascate, estabelecendo em 1623 uma feitoria em Basra, na foz do rio Eufrates. Nesse mesmo ano, Rui Freire de Andrada reocupou o Forte de Soar, perdido no ano anterior para os Persas e uma nova base de operações foi estabelecida em Cassapo (Kashab) na Península de Musandam.
Em 1624 o Forte de Quelba foi conquistada por Gaspar Leite; nesse mesmo ano, em maio, Mateus de Seabra conquistou o Forte de Madha. Em 1624-1625, na sequência da assinatura de um tratado com os Persas, uma feitoria e uma fortificação foram estabelecidas em Congo (Bandar Kong), na costa Persa do golfo Pérsico.
Finalmente, em 1631, os Portugueses ergueram o Forte de Julfar, importante ponto estratégico na península Musandan: durante o domínio português esta cidade conheceu um período de grande prosperidade, na qualidade de entreposto comercial regional.
O principal personagem deste período na região, Rui Freire de Andrada, faleceu em Setembro de 1633, sendo sepultado na Igreja de Santo Agostinho, em Mascate. Após a sua morte, no período que se estendeu até 1635, tratados de paz foram celebrados com os Persas e com os Ingleses.
De modo geral, considera-se que a presença Portuguesa no Golfo Pérsico ficou mais estável após a queda da fortaleza de Ormuz. De fato foram fundadas uma série de fortificações e feitorias como as de Soar, Julfar, Doba (Dibba Al-Hisn), Libédia, Mada (Madha),Corfacão (Khor Fakkan), Caçapo (Khasab), Congo (Bandar Kong) e Basra.
Em Agosto de 1648, os Árabes impuseram cerco a Mascate e, em 31 de outubro, um tratado foi celebrado entre Árabes e Portugueses: pelos seus termos, estes últimos deveriam arrasar as suas fortificações em Curiate, Doba e Matara.
Em Janeiro de 1650, Mascate, a última posição Portuguesa na Arábia foi conquistada pelos Omanitas. Com essa perda, Portugal ficava privado de sua última fortaleza na vizinhança do Golfo Pérsico e encerrava-se o chamado "Período Português" no Golfo.



 CONQUISTA DE MALACA, 1511.

Campanhas de Afonso de Albuquerque, Volume II

de Vítor Luís Gaspar Rodrigues e João Paulo Oliveira e Costa
Lisboa, Tribuna («Batalhas de Portugal», 33), 2012
120 págs.



  E caso se interessem por mais assuntos da história lusa, eis o link: