A Grécia Clássica e suas polis, retratada e documentada
pelos tomos de História como nós conhecemos e que os historiadores tomam como
base de pesquisa tem em Atenas sua referência básico-primordial; uma referência
que nos impede de criar um debate mais preciso sobre como a sociedade greco-clássica
de fato se formara em priscas eras. Por exemplo: mesmo no mais aceso do período
chamado de “Século de Péricles” (século V a.C.), quando, após as guerras contra
os Persas, Atenas chefiara a Liga de Delos que reedificou a cidade-estado em
uma das mais belas cidades da Europa e espalhou seu modelo (poléis) político-social por várias
partes do Egeu e do Mediterrâneo, haviam cidades-estado que não se pautavam
pela poléis ateniense, como Esparta,
Tebas e outras pela península grega.
Essa Grécia Clássica fora fruto das
incursões de diversos povos ao longo do tempo. Os micênicos, de origem
indo-européia (aqueus), estabeleceram-se na península entre o terceiro e
segundo milênio a.C. . Com fundamentos sócio-políticos de matriz oriental, esse
povo desenvolvera durante esse período atividades mercantis e uma cultura de
pouco viés europeu, dada a sofisticação descoberta nos palácios de Cnossos
(elites) e o temperamento ligado ao profano e ritualístico (povo), conforme
algumas estátuas de sacerdotisas e o presumível
cotidiano popular nos revela em fontes arqueológicas. Uma excelente
pista do mundo aqueu existente na Idade do Bronze pode ser constatada no mais
famoso poema de Homero, a “Ilíada”: Tróia sugere-nos o fausto orientalizado da
corte de Príamo, Heitor e Páris e as atividades populares na cidade murada da
Ásia Menor revela-nos a diferença existente a rotina citadina das populações
gregas e a sobriedade marciana das elites destas cidades invasoras (Agamemnon,
Ulisses, Menelau, Aquiles). A Guerra de Tróia é, nas entrelinhas, um relato
romântico do que fora a posterior substituição do predomínio aqueu pelo dório
na maior parte da Grécia de então; os dórios, menos sofisticados, mais
agrestes, e que mergulharam a península numa era estritamente tribal, agropecuarista
e de clãs que submetiam outros pela força.
Na “Odisséia” (também de Homero) , o
retorno de Ulisses à Ítaca é uma excelente mostra do que fora a herança dórica
na futura cultura clássica local. O oikos
representa uma comunidade unida sob a força de um guerreiro e seus familiares,
companheiros de escol e artífices/artesãos locais que garantem a subsistência
secundária, pois o básico – incluindo os escravos – são obtidos através da
pilhagem e saque sistemático de vizinhos e mais longínquos. O fato de ser um
guerreiro num oikos não significa que
este estivesse sob o manto de um privilégio estamental, pois mesmo os
guerreiros adotavam fainas e posições cotidianas para o benefício de toda a
comunidade, agindo com (e ao lado de) todos numa mesma função. A participação
do indivíduo no dia-a-dia de um oikos
contava muito mais do que a sua presumida posição de clã, e nisso até mesmo os
escravos estavam bem guardados pelo sistema vigente. É difícil identificar, nos
textos homéricos, a presença de homens livres em pequenos trechos de terra
próprios, mas percebe-se um tipo denominado demiurgo, encaixável na categoria
de artesão/comerciante supracitado.
Como na maioria das categorias
estamentais dos grupos sócio-políticos da época, o grego daqueles tempos tratava com atenção
secundária ao trabalhador manual, ofertando à preferência e preponderância
àqueles que se digladiavam nos campos de batalha ou no saque-pilhagem de outras
tribos-nações mais fracas. A ponto de formatar seu panteão com base nesses
atributos terrenos: os que se impunham pela força-conquista estão sempre num
patamar superior àquelas divindades que cuidam de abastecer, curar ou mesmo
culturalizar a espécie dita humana. Mesmo um oikos autossuficiente no que tangia à sua sobrevivência, não
guardava destaque nas posições de manutenção da comunidade ou em funções de
apoio, mas em misteres belicosos, como a forja de metais ou o controle sobre os
escravos.
....................................................................................
Como percebemos nas páginas 24 e 25 com a
autora Maria Beatriz Florenzano, é muito complexa a compreensão do
desenvolvimento da polis. Entre as suposições demonstradas nessas páginas, a que
mais me chamou a atenção foi a suposição baseada na geografia local: terra de
vales, escarpas, montanhas e um solo que não se destaca exatamente por ser
muito fértil, houve a necessidade das diversas comunidades coexistirem de forma
bastante uniforme no sentido da melhor compreensão
política e social, mesmo sendo cidades-estado com prioridades básicas
desiguais entre si. Variações do grego falado na época (aqueu, dório, eólio,
etc.) e suas origens indo-européias firmavam sutis diferenciações em seus modos
de viver. O estatuto de cidadania vai se desenhando a partir de uma idéia – e
depois da prática - de comunidade igualitária e, por sequência
histórica, de um arremedo de democracia. O cidadão como membro participante da
sociedade vai tomando corpo aos poucos e, com o seu progressivo envolvimento
com as tarefas políticas, o trabalho em si passa a ser atributo exclusivo dos
escravos. A partir de então, com a evolução de um estado de pré-direito para o
de direito, as leis precisariam de codificação, tornando-se públicas,
participativas, não mais monopólio de um
estamento aristocrático, mas de todos os estamentos.
Numa geografia de pobres e poucas terras
produtivas, os que viviam da terra penavam para conseguir o básico da
sobrevivência; pequenos proprietários endividados recorriam a um expediente
chamado hectomoro: entregando como
pagamento uma sexta parte de sua colheita, o devedor obtinha empréstimos com os
mais ricos, sendo que em caso de inadimplência entregava-se ao credor para ser
escravizado ou para trabalhar para ele como se fosse. Ao longo do tempo, as
poucas terras produtivas foram enfeixadas pelos mais abastados, restando ao
menos favorecidos o recurso que ajudou a difundir o modo grego de viver ao
longo do Mediterrâneo e mais além: a colonização. Muitas vezes com recursos do
Estado, espalhavam comunidades gregas pelo litoral deste mar e algumas, inclusive,
mais ao interior. Notadamente, Itália do
Sul e a ilha da Sicília; ali,
reproduziam as polis e o modo poléis da Grécia na íntegra. A Apoikia era um
tipo de colônia autárquica, subjugava a população local mas não a escravizava,
e sim estabeleciam laços servis para que todos em conjunto sobrevivessem ali.
Já o Emporion era de caráter comercial, colônias estabelecidas pelas
cidades-estado gregas afim de prover suas metrópoles com o necessário, eram (na
acepção grega daquela empreitada) “gregos em troca com bárbaros”.